Há algum tempo debati um artigo de Zizek sobre Lukács numa postagem, mas não coletei a passagem, exatamente. Trata-se de um artigo em que Zizek celebra Lukács como marxista crítico, hoje restrito, segundo ele, à universidade, oposto simultaneamente à social-democracia e ao que ele chama stalinismo (marxismo-leninismo). Para Zizek, Lukács teria sido, em alguma altura de sua trajetória, marxista-leninista. Vejamos como ele opõe Lukács a Lênin. Leia-se a seguinte passagem de O Que Fazer, de Vladimir Lênin:
Agora comparemos a passagem acima com a seguinte passagem de Zizek, num artigo sobre História e Consciência de Classe, de Lukács:
Claro que Lukács opõe-se ao ''espontaneísmo'', que defende a organização autônoma das massas trabalhadoras em movimentos de base contra a ditadura imposta por burocratas do Partido. Mas ele também opõe-se ao conceito pseudoleninista (na verdade, de Kaustky) de que a classe trabalhadora ''empírica'' pode, deixada a ela mesma, apenas atingir o nível sindicalista de consciência, e que a única maneira dela passar a ser o sujeito revolucionário é importando sua consciência por meio de intelectuais que, depois de compreenderem ''cientificamente'' as necessidades ''objetivas'' da passagem do capitalismo para o socialismo, ''esclarecem a classe trabalhadora da missão implícita em sua posição social objetiva''. No entanto, é aqui que encontramos a abusiva ''identidade dos opostos'' dialética na sua forma mais pura (ZIZEK).
Nossa hipótese é que aqui de fato há algo de abusivo --mas é por parte de Zizek, mas não é a identidade dos opostos dialética (e blá blá blá). Pode-se dizer que Lukács, duramente criticado por Lênin em um artigo, buscou, posteriormente, adaptar Lênin a uma teoria espontaneísta, mas o fez de forma muito sutil. Assim, Lukács não aceitou a ideia leninista exposta em Que Fazer e ilustrada na passagem acima e que é importantíssima. Essa ideia de Lênin, corretamente compreendida, nos vacina contra líderes operários como Lula que, graças ao espontaneísmo luxemburguista que critica JUSTAMENTE essa ideia acima de Lênin, ou seja, de gente pensa que a consciência de classe pode pipocar maravilhosamente na cabeça de alguém apenas por esse ser um líder e de origem operária. Não é à toa que Zizek não a aceita e, dissimulado e traiçoeiro, nem a atribui a Lênin, atribuindo-a falsamente a Kautsky.
Mas não é só isso! A desinformação de Zizek continua. Veja-se o que ele diz sobre Lukács, um ponto verdadeiramente absurdo em que também caiu o Cláudio Duarte, autor do blog militante imaginário e autor prestigiado da USP:
Se é que houve algum dia um filósofo do leninismo e do Partido Leninista, o Lukács marxista dos primeiros dias foi quem avançou mais longe nessa direção, chegando a defender os elementos ''não democráticos'' do primeiro ano do regime soviético contra a famosa crítica de Rosa Luxemburgo. O crítico acusou a revolucionária de ''fetichizar'' a democracia formal, ao invés de tratá-la como uma das possíveis estratégias a ser utilizadas ou rejeitadas a fim de fazer avançar a situação revolucionária concreta (ZIZEK).
Novamente, Zizek nos engana totalmente, penso que ele inverte tudo intencionalmente para esconder posições que são do "marxismo crítico" do qual ele participa e que tem afinidades com Zizek, marxismo esse que ele mesmo assume que sempre se opõe ao "stalinismo" (marxismo-leninismo). No artigo bolchevismo como um problema moral, Lukács coloca a questão como "bolchevismo ou democracia" (OU SEJA, ELE, LUKÁCS, CRITICOU E NÃO ACEITAVA O BOLCHEVISMO EM 1920!!!). Leia-se o que ele escreve, passagens já famosas:
Em consequência, se a ordem social sem opressão de classe – a social-democracia pura –
fosse apenas uma ideologia, então, não teria sentido falar neste momento de problema
moral, de dilema moral. O problema moral aparece precisamente pelo fato de que para a
social-democracia, o objetivo final de toda luta, o que decide e coroa tudo, encontra-se
misto: o sentido final da luta do proletariado é tornar impossível toda luta de classe
posterior, de criar uma ordem social tal que ela não possa aparecer mais, mesmo sob a
forma de pensamento. Eis aqui diante de nós, portanto, sedutora por sua proximidade, a
realização desse objetivo, e é de sua proximidade que nasce o dilema ético. Ou nós
assumirmos a ocasião para realizar esse objetivo, e então nos colocaremos
obrigatoriamente sobre o terreno da ditadura, do terror, da opressão de classe, o que nos
fará trocar a dominação das classes precedentes pela dominação de classe do proletariado,
acreditando que – Satã expulso por Belzebu – esta última dominação de classe, por sua
natureza mais cruel e aberta, se destruirá a si mesma e com ela toda dominação de classe,
ou, então, nós queremos que a nova ordem social seja realidade por meios novos, pelos
meios da verdadeira democracia (porque a verdadeira democracia não existiu até agora
senão como exigência, jamais como realidade, mesmo nos Estados mais democráticos).
Mas, neste caso arriscamo-nos a concluir que, como a grande maioria da humanidade
atualmente ainda não quer a nova ordem social, e nós mesmos não queremos dispor dela
contra sua vontade, devemos esperar, propagar a fé na expectativa, até que a própria
humanidade, dispondo livremente de si mesma e de sua vontade, faça enfim nascer a
ordem de há muito desejada pelos mais conscientes, para os quais era a única solução
possível. O dilema ético vem do fato de que cada atitude contém em si mesma a
possibilidade de crimes monstruosos e de erros incomensuráveis, mas que deverão ser
assumidos com plena consciência e responsabilidade por aqueles que se sintam obrigados
a escolher. O perigo que a segunda solução apresenta é perfeitamente claro: trata-se da
necessidade – provisória – de colaborar com as classes e os partidos que só estão de acordo
com a social-democracia sobre certos objetivos imediatos, mas que permanecem hostis ao
seu objetivo final. A tarefa, então, é encontrar uma forma tal que essa colaboração seja
possível sem que a pureza do objetivo, sem que o pathos de vontade de sua realização
percam seja o que for de sua essência. A possibilidade do erro e do perigo encontra-se no
fato de que é muito difícil, até impossível, sair do caminho direito e direto da realização de
uma convicção qualquer, sem que esse desvio assuma uma certa autonomia, sem que a
diminuição intencional do ritmo da realização opere sobre o pathos da vontade. O dilema,
diante do qual a exigência da democracia coloca o socialismo, é um compromisso externo,
que não deve tornar-se um compromisso interno.
A força fascinante do bolchevismo explica-se pela liberação que resulta da supressão desse
compromisso. Mas aqueles que são enfeitiçados por essa possibilidade nem sempre são
conscientes das responsabilidades que lhes cabem desde logo. Seu dilema torna-se então o
liberdade pela via da opressão? Pode nascer um mundo novo quando os meios utilizados
para realizá-lo não diferem senão tecnicamente dos meios detestados e desprezados, com
razão, do mundo antigo? Parece que é possível referir-se, neste caso, à constatação feita
pela sociologia marxista, a saber, que todo desenvolvimento da História consistiu na luta
dos oprimidos e opressores, e que consistirá sempre nisso; que mesmo a luta do
proletariado não pode subtrair-se a essa "lei". Mas se isso fosse verdade – como nós já o
dissemos –, então, todo o conteúdo espiritual do socialismo, excetuando a satisfação dos
interesses materiais imediatos do proletariado, não seria mais do que ideologia. E isto é
impossível. E porque é impossível, não se pode erigir uma constatação de fato histórico em
pilar do valor moral, da vontade de construir a nova ordem social. É preciso, então aceitar
o mal enquanto mal, a opressão enquanto opressão, a nova dominação de
classe enquanto dominação de classe. E é preciso acreditar – e é verdadeiramente credo
quia absurdum est - que dessa opressão não renasça mais uma vez a luta dos oprimidos
pelo poder (pela possibilidade de uma nova opressão), e em consequência de uma série
infinita de lutas eternas sem objetivo e sem razão, mas, ao contrário, que a opressão seja
ela mesma suprimida.
A escolha entre as duas atitudes é, portanto, como em toda questão de ordem moral, uma
questão de fé. Para um observador penetrante, mas talvez superficial nesse caso preciso, se
tantos velhos socialistas provados recusam a posição bolchevique, é porque sua fé no
socialismo estaria abalada. Confesso que não o creio. Porque não acredito que seja
necessário mais fé para o "rude heroísmo" da decisão bolchevique do que para a luta lenta,
aparentemente menos heróica, e entretanto carregada de responsabilidades profundas, a
luta que trabalha a alma, longa e pedagógica, daquele que assume até o fim a democracia.
A primeira atitude aparente de sua convicção imediata, enquanto na segunda, esta pureza
é sacrificada conscientemente para que, por meio desse auto-sacrifício, possa-se realizar a
social-democracia em sua totalidade e não apenas um de seus fragmentos, destacados de
seu centro. Repto: o bolchevismo baseia-se sobre a seguinte hipótese metafísica: o bem
pode surgir do mal, e é possível, como o diz Razoumikhine em Raskolnikov,³ chegar à
verdade mentindo. O autor dessas linhas é incapaz de partilhar essa fé, e isto porque vê um
dilema moral insolúvel na raiz mesma da atitude bolchevique, enquanto a democracia -
acredita – não exige daqueles que a querem realizar consciente e honestamente até o fim
senão uma renúncia sobre-humana e o sacrifício de si. E, entretanto, ainda que esta
solução exija uma força sobre-humana, no fundo não é insolúvel, como o é o problema
moral posto pelo bolchevismo.
Então, dessa passagem bonita, dostoiévskiana, mas um tanto quanto palavrosa, nota-se que melhor do que o terror vermelho do bolchevismo e seus métodos violentos que Lukács prefere não justificar, ele opõe a "luta lenta", quase como a proposta gramsciana de conquistar primeiro a sociedade civil, assim como a vaga "democracia" ou "social-democracia". Esse artigo seria muitíssimo divertido e interessante, seria curiosidade apenas, se em 1968, cinquenta anos depois de dar voltas em torno de si mesmo, Lukács não tivesse escrito Stalinismo ou democracia?, na prática recolocando, a propósito da Primavera de Praga, esses mesmos dilemas de cinquenta anos antes. Basta colocar "stalinismo" no lugar de "bolchevismo" e você terá a mesma fórmula. Pois é, Lukács teve uma evolução muitíssimo orgânica!!!
Quem agride os outros não pode ficar se fazendo de coitadinho quando alguém revida.
Que artigo confuso esse de vocês sobre o MST! A barafunda cita o revisionista Gorender, que achava que o fim da escravidão era a revolução burguesa (!) Falta entender o beabá, amigos: introduziram-se relações capitalistas plenas no campo e o latifúndio continuou? Ah, Latifúndio lá é compatível com relações capitalistas plenas no campo??? Deixa que vou ali pingar meu colírio alucinógeno...
Na verdade, o MEPR não estava no ataque à sede do PSTU. A relação que a gente faz é com as reações de comemoração e acobertamento por parte do MEPR. E pra isso, a gente vai falar do senderismo.
A FIP não é um pólo da esquerda que se opõe ao Estado contra um pólo cooptado pelo Estado, na verdade existem setores autonomistas e anarquistas fora da FIP. O que unifica as correntes da FIP é a concepção infantil e, de certa forma, eleitoralista, de transformar a tática de boicote eleitoral num divisor de águas na esquerda. Por isso na FIP podem conviver os maoístas do MEPR com grupos que se renderam politicamente de forma incondicional, como a OATL, mesmo com várias divergências.
A ladainha de que os trotskistas se aliaram a Hitler é risível, e mostra que vocês não são sérios. Mostrem um só documento que não sejam as "confissões" forçadas dos processos de Moscou...
Nós somos trotskistas, por isso rejeitamos a estratégia maoísta de revolução por etapas, a primeira antifeudal e antiimperialista, chamada de Nova Democracia, e só depois a luta pelo socialismo. A gente fala isso no nosso artigo, como o foco não era uma crítica global do maoísmo, e sim o caso de degeneração específico do PCP, a gente não se aprofundou muito.
Sim, houve uma repressão brutal no Peru que levou à derrota da guerra popular. Porém, como o próprio Mao falou em Sobre a Contradição, não devemos procurar as causas das derrotas populares nos inimigos, porque não se espera que eles ajam de forma diferente para reprimir o povo, e sim nas contradições e erros no campo do povo. E o erro principal, como dissemos, foi tentar reproduzir a guerra popular prolongada em condições totalmente diferentes, no Peru capitalista dos anos 1980.
A derrota da guerra popular não pode ser considerada uma prova da universalidade do maoísmo, que seria a primeira contribuição do Presidente Gonzalo, segundo vocês (aliás, invocar a queda do Leste Europeu é absurdo, porque o PCP considerava a URSS um país imperialista). Sobre a segunda contribuição, o PCP não tem nada de original, porque muitas outras guerras populares foram empreendidas depois da Revolução Chinesa, inclusive com uma vitoriosa, que foi a do Vietnã.
Saudações Comunistas!