O
inferno de Dante na biblioteca do Quartel
Em
evento realizado em novembro último foi lançada mais uma obra que enriquece a
memória histórica de nossa cidade e ajuda a consolidar a nossa cultura.
Trata-se do livro O Homem e o Poeta, de Paulo Teixeira Campos. O autor
escrevia crônicas sobre a vida cotidiana de Bom Despacho, em periódico do mesmo
nome, naqueles anos de desenvolvimentismo, final da década de 1950.
A crônica é um dos gêneros mais populares no jornalismo
ao redor do mundo. Sua forma simples e direta permite abordar assuntos do
cotidiano, sem a rigidez de dados matemáticos ou científicos, mas nem por isso
menos exata. Em uma dessas crônicas
intitulada “Livros, não”, Paulo T.
Campos lamenta que em Bom Despacho não existia ainda uma biblioteca pública. Segundo
o cronista, em Bom Despacho havia três bibliotecas de acesso restrito: a do
Clube Social, a do Ginásio e a do Quartel.
Lembra os esforços baldados do “jovem” Jacinto Guerra para criar uma biblioteca
para a cidade. Os políticos de então não tinham sensibilidade para a questão.
Denunciava o que ele julgava um abuso: “Os
estabelecimentos de ensino, atendendo a interesses particulares, aos caprichos
dos professores, cada ano adota um autor, e o pai de família se vê obrigado a
despender vultosa quantia de dinheiro para educar os filhos, pois o livro usado
este ano não servirá para o irmão menor, no ano vindouro.” Mal sabia ele
que essa prática ainda continuaria por muitas décadas, com um agravante: livros
didáticos são cadernos de exercício e são descartados no final de cada ano. Um
dinheiro desperdiçado que poderia ser usado na manutenção de uma biblioteca
pública.
Militares e seus familiares, sócios do Clube Social e os
poucos alunos do Ginásio podiam se dar ao luxo de ler obras célebres e os mais
famosos clássicos da humanidade. Meu avô, Tenente Júlio do Espírito Santo,
sempre levava para os filhos exemplares da rica biblioteca do Quartel. Meu pai
lembra que, na sua infância, travou contato com a Divina Comédia, de Dante Alighieri, ricamente ilustrada, que
descrevia a jornada do poeta, guiado por Virgílio, pelos caminhos do Céu, pelos
horrores do Inferno e do Purgatório. Não dormiu à noite, impressionado com as
cenas dantescas das profundezas do Inferno, mas nunca se esqueceu da obra e de
seu autor, Dante. Teve contato com outras obras e autores da literatura
universal, que ainda não podia entender, mas que ficaram na sua memória para o
resto da vida, como Alexandre Herculano, Camões, Machado de Assis, a Ilíada
e a Odisseia.
Em crítica mordaz, diz Paulo T, Campos: “Enquanto na Inglaterra, setenta por cento
da população lê um livro por mês, cada brasileiro talvez não leia uma palavra.”
Naquela época como hoje, a questão da leitura já era posta em discussão. Bom
Despacho hoje tem uma biblioteca pública, mas em compensação não tem nenhuma
livraria, aqueles locais aprazíveis onde se pode adquirir os últimos produtos
do mercado editorial brasileiro. Mas, convenhamos, é preciso considerar: qual o
futuro do livro, diante das mais variadas e eficientes mídias, como TV, Internet, celular, que aos poucos vão engolindo
toda a cultura universal? Mas nem tudo está perdido. Temos pelo menos uma
editora, a Literatura em Cena, que
produziu o livro do Paulo T. Campos, demonstrando que acredita, sim, que o
livro impresso não sairá de cena tão cedo.
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