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23 de julho de 2021
Gabriela Mello
ontem fiquei pensando na frase
ingrata do deleuze —
deus é uma lagosta ou uma dupla pinça,
um double bind ¹;
hoje sonhei que sentou colo de uma mulher
e ela pedia:
“tire meu buço com a pinça”.
e eu era líquido e forma ao mesmo tempo
e o banheiro onde tudo se passava — frio e
claro — derretia
com o seu pescoço branco
_______ que eu encarava em
intensa atividade mental e cética.
tinha — o que era aquilo? — perebas vermelhas
rompendo a pele
_______ como pequenos beiços
eu não me pareceu importar
acho que até beijei os seus lábios sobressalentes
agora lembrei o que isso me lembrava:
vulcões. o lindo ralo da terra
(ou seria a boca?)
pra bataille, era o ânus (um problema, evidentemente,
de ordem)
pra ele a terra não comia, só expelia.
aliás, vomitei muito na primeira parte do sonho,
nesse mesmo vaso onde depois a mulher enviou
de pernas cruzadas
_______ e disse “venha”
acho que tive um sonho terrível. a paisagem
do banheiro já diz isso
também é a paisagem primária de um outro
tipo de expulsão (sinto que agora a terra está muito
_____ perto de mim expulsar)
(choro)
você escreve nas costas da minha mão —
__ nunca esqueça o bebê polimorfo dentro de você
e eu sou líquido e forma ao mesmo tempo.
-
¹DELEUZE, Gilles e GUATTARI, Félix. 1995–1997. Mil Platôs. Capitalismo e Esquizofrenia. Rio de Janeiro: Editora 34, pág. 71.
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