terça-feira, 7 de novembro de 2023

Roberto B. Grana: Deleuze, Psicanálise e a Crítica Filosófica

 

Roberto B. Grana: Deleuze, Psicanálise e a Crítica Filosófica

 

            O livro de Roberto B. Grana (Deleuze e os Devires da Psicanálise, editora Literatura em Cena, 2023) é muito bom por nos esclarecer a respeito de Deleuze. Afinal, Deleuze quer ser um filósofo popular, até pop, quer se nos utilizemos de seus conceitos, ele quer ser “caixa de ferramentas”. Deleuze critica a psicanálise freudiana de forma brilhante, mas vai além, ele extrapola, ele obscurece os autores que aborda, como disse Michel Onfray. Roberto explica, organiza e analisa esses devires, associa-os a filósofos como Winicott, enriquece-os, recupera a crítica de Deleuze à psicanálise como algo salutar e não destrutivo. Convenhamos que não é bem assim que a obra costuma ser vista pelos analistas freudianos. Nem sempre quem navega deseja embarcar na Navilouca. Não creio totalmente que Nietzsche e Heidegger não tragam “nenhum projeto de dominância” e sim sejam plenamente “realização do ser do homem no mundo”. E, em especial, quando em confronto com o marxismo. Uma crítica a Deleuze atualmente tem de levar em conta a crítica de Peter Hallward, que avalia o que há de fora do mundo nessa filosofia, quando ela desmancha o todo no um: desterritorializa, borra os limites entre razão e loucura, dos rostos na rostidade, etc.

            Roberto Barbarena Grana avaliou Deleuze como um autor que, junto com Felix Guattari, propôs uma reinvenção da análise com dois livros, Anti-Édipo e Mil Platôs. Deleuze é ao mesmo tempo atraído e irritado pela psicanálise. Evidencia-se um desejo de usá-la, de destruí-la, aparentemente. Escreveu Roberto: “Seu deboche é o deboche de Nietzsche, é a injeção do dionisíaco na linguagem filosófica” (GRANA, 2023, p. 50). Deleuze, com bem citou Roberto, buscou subverter o aparelho burocrático no marxismo e na psicanálise, mas concentrou-se significativamente nessa última. Trata-se, para Deleuze e Guattari, de criticar os conceitos de Freud, que já estariam cimentados, endurecidos, metalizados, desejando produzir novos efeitos de sentido. Roberto esclarece e sistematiza a contribuição de Deleuze à psicanálise, mas ao mesmo tempo, deixa de lado o que ele tem de mais intratável, como quando compara Freud com Al Capone, diz que Deus é uma lagosta, etc. Deleuze, conforme citou Roberto, chega a comparar o ato da fellatio com o sugar do seio materno, bem como com o ordenhar a teta da vaca. E a saída do Édipo para colocar em seu lugar, o ânus da mãe (?).

            A intenção de Grana é fazer da máquina analítica de Deleuze uma parte de um “aparelho revolucionário”, mas ao mesmo tempo ele sabe que, para esse autor, o mundo moderno é composto de simulacros, ou seja, não existe mais nada original, no sentido de verdadeiro, que não seja máscara pseudo-revolucionária (o que faz cair no vazio qualquer aparelho revolucionário, inclusive o de Deleuze, também simulacro?). Grana busca a vitalidade que a psicanálise perdeu em Deleuze. Esse autor teria um amor pela psicanálise e seria um de seus mais importantes reinventores. Deleuze opera, segundo Grana, pelo triálogo filosofia-psicanálise-literatura, renovando a forma do pensamento. Ele o faz também seguindo três princípios: ele apresenta as filosofias dos outros, constrói uma filosofia própria e critica os pensamentos sistemáticos. Temo que a ideia de que não existe nem cópia e nem original, apenas simulacros, bem como a ideia de que o mais profundo é a superfície acabem dando lugar a uma subjetividade que recusa a oposição entre aparência e essência e que acredita que tudo são “narrativas”, que existem fatos alternativos. Ou, por lado, uma hiperinflação da subjetividade que recusa a razão, a ciência e a vacina. Onde Deleuze foi melhor sucedido foi em sacudir a psicanálise, em especial em sua moral patriarcal e burguesa.

 

 

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