terça-feira, 18 de fevereiro de 2025

Jabbour: Uma Resenha de Socialismo do Século XXI

De início, Jabbour e Gabriele não conceituam socialismo conforme Marx definiu em Crítica do Programa de Gotha: ditadura do proletariado (o termo não aparece!). Nem o termo imperialismo parece lhe agradar. Para Jabbour, a referência para socialismo não são os planos quinquenais da URSS dos anos 30, uma forma de democracia direta (os sovietes e guardas vermelhas) nem as cooperativas socialistas; nem a Grande Revolução Cultural Proletária e nem o Grande Salto Adiante. Parece preciosismo, mas Jones Manoel, por exemplo, é da opinião de que existem vários socialismos –e que não é a opinião de Marx e Engels no Manifesto. Aliás, para Jabbour, há tensão entre o Marx militante político e o cientista social. Creio que há, porém, tensão ou mesmo oposição entre o projeto revolucionário de Marx com o que Jabbour pratica e teoriza. Tanto que para ele, não é preciso preocupar-se com a revolução, uma vez que existe a China (?) Essa conclusão é no mínimo mirabolante para um marxista, mas Jabbour a repetiu em uma live com Dilma Rousseff – está presente nesse livro. Talvez não seja para um “marxiano” –mas “marxiano” é, por excelência, um acadêmico que não acredita no projeto. Ou para um marxólogo de Boitempo. Contrariado nesse ponto importante por Jones Manoel, chamou o militante do PCBR de “delinquente político”. O termo “socialismo de mercado” já é inexato. O sistema mercantil sempre existiu na China maoista, ou seja, antes do marco da “modernização” de 1978. O mercado existe desde a antiguidade. Jabbour parece confundir mercado com capitalismo, um equívoco primário, diga-se de passagem. O correto é supor que na China existe um arranjo social-imperialista semelhante à URSS de Kruschev até Gorbachev. Socialismo de boca, imperialismo de fato. Esse arranjo mostrou-se historicamente frágil: quando se destrói o socialismo, restaura-se o capitalismo, aumenta o mal-estar e o sofrimento das massas. Volta a desigualdade social entre regiões, causando choques entre as etnias e grupos religiosos, etc. Ao mesmo tempo em que prossegue o clima de hostilidade com o mundo capitalista e o estado supercontrolador não impondo ditadura do proletariado, mas da burguesia ligada ao estado contra o proletariado. Para poder fazer frente ao risco de desmoronamento e implosão desse arranjo, que a era Gorbachev mostrou, o capitalismo de estado chinês parece ter colocado em primeiro lugar a criação de um ambiente de estar de bem estar social, com oportunidades de emprego. Jabbour tem um título em que diz algo como “não voltamos à estaca zero depois de 1989”. Esse parece ser mesmo o problema. Difícil encarar que não existem países socialistas hoje, bem como Lula não é de esquerda. Postular o oposto é não aceitar a derrota de 1989, é ser nostálgico. Jabbour, na verdade, liga-se a burguesia burocrática, elogia o desenvolvedor do capitalismo burocrático que foi Vargas e outro expoente que representa essa burguesia burocrática, Lula. Jabbour inicia citando Deng Siaoping falando em “forças produtivas”, jogada usada também por Liao Shiao Chi para fazer a contrarrevolução. Em suma, Deng Siaoping pega a frase “desenvolver as forças produtivas e fazer a revolução”, corta a frase e fica apenas nas forças produtivas, desenvolvendo a contrarrevolução graças à prosperidade econômica que lhe permite agir. No decorrer de suas explicações, não há ruptura entre Deng e Mao, ele deixa de lado o golpe de Hua Kuaofeng em 1976, a prisão da velha guarda maoista. Em 1976, no noticiário da época, era bastante corrente a ideia de que não era apenas a esposa de Mao quem estava sendo condenada e sim as ideias de Mao. Essa informação é correta, mas Jabbour passa simplesmente ao largo dela. Jones Manoel também. Jones Manoel teoriza que existe uma virada à esquerda na China de Xi Jinping e que os intelectuais terão, a partir de Losurdo, considerar que a China é socialista novamente. O partido, no entanto, rejeita o conceito de luta de classes. Pode parecer exagero, mas Jabbour em determinado momento considera que Cuba e Costa Rica estão “próximas do ideal do comunismo” porque a expectativa de vida das pessoas dobrou, não há escassez e foi erradicado o analfabetismo. Cuba, realmente, não tem analfabetismo, mas escassez com certeza sim. O racionamento começou em 1961 e nunca acabou. Jabbour, inclusive, considera Cuba socialista e de economia planificada, mas desde 64 a Juceplan, Junta Central de Planificação, foi extinta e unificada com o Ministério da Economia e Planificação. Conforme João Pedro Fragoso, Cuba seguiu o caminho da URSS revisionista de Kruschev, com empresas autônomas, buscando a rentabilidade, sem planificação central. Jabbour, inclusive, considera que a iniciativa privada em Cuba “está prosperando”. Em Cuba, no entanto, como diz o sociólogo Frank Garcia, o modelo chinês não funcionou porque os USA não aceitaram o país no sistema financeiro internacional e não investiram capital como fizeram na China e no Vietnã. O estado tem investido em hotéis, que é rentável, enquanto o país vivencia crise em praticamente todos os domínios. Ao invés de socialismo, levanta a hipótese de que um capitalismo burocrático “vermelho”. Para Jabbour, não existem condições de debater o “socialismo” cubano –na verdade, o revisionismo cubano muito influente no Brasil. Não sei por quê. Não se debate porque a universidade não quer debater, a intelectualidade não quer debater. O que motiva o debate sobre o socialismo chinês são as constantes denúncias de que as leis trabalhistas lá são frouxas, as jornadas de trabalho exaustivas, as denúncias de trabalho escravo constantes. Para piorar, uma denúncia aconteceu recentemente numa empresa chinesa na Bahia, não tendo sido comentada pelos entusiastas da China como Jones Manoel, Humberto Matos e outros revisionistas, tendo virado assunto apenas para o marxólogo anticomunista Luiz Felipe Miguel atacar Jabbour, que responda alegando que não se pode tomar o todo pela parte e voltando a uma habitual sinofilia (e não sinologia), ao algo estilo: “Não precisamos fazer revolução, afinal temos a China, podemos ficar na prostração colonial e neoliberal, apoiar Lula, mesmo se este aprofunda a condição semicolonial e semifeudal do país, afinal, essa prostração também beneficia o social-imperialismo chinês que favoreço”. Sobre semifeudalidade, um escândalo: Jabbour alega que ela existe em áreas atrasadas do Vietnã e da China ainda hoje. Ele não a nomeia, mas fala em “formas pré-capitalistas” que existem no campo até hoje nesses países. Muito surpreendente, pois possivelmente, se existem, foram restauradas na restauração socialista, pois tinham sido extintas com Mao Tsé Tung. O dirigente estatal, na prática, tinha os mesmos poderes de um burguês. Os dirigentes estatais, junto aos militares, são a classe dirigente de Cuba. Cuba não construiu, portanto, o socialismo, é apenas um capitalismo de estado. O conceito é detestado por Jabbour, mas ele existe em Lênin. Igualmente, Jabbour considera países socialistas a República Democrática do Congo, a Venezuela e o Cambodja, que é uma monarquia constitucional! Seria a primeira monarquia socialista do mundo. Jabbour não define socialismo e considera o ideal de comunismo algo irrealizável. Quando se anula essa ideia de avançar para o comunismo, utilizando conceito frouxo de socialismo, fica difícil postular que China está numa “etapa avançada do socialismo”. Se o ideal comunista é irrealizável, se está avançando para onde mesmo? Aí se verifica o problema de retirar, como Cuba retirou de sua Constituição de 2019, o termo “comunismo”. Se não existe esse parâmetro de recuo e avanço, como considerar que avançou? O que é realmente inédito é um exemplo raro de socialismo em termos e imperialismo de fato, algo raro historicamente –e bem diferente da outra experiência em termos de sucesso econômico. O paradigma disso foi a União Soviética de Kruschev até Gorbachev. Jabbour admite que a China exporta capital (um ponto que Lênin que define como uma das características do imperialismo). Mas há mais. A China tomou uma ilha das Filipinas recentemente, em disputas na região. A ilha historicamente é filipina. O país também avançou sobre territórios em litígio no vizinho Nepal. Um impasse presente no livro é a questão de que a base material influencia a política. Se existem estruturas capitalistas, elas teriam de ter um reflexo na superestrutura, na política –e essa Jabbour nega. Bem como nega o aprofundamento das lutas de classe no socialismo –no que ele segue o revisionismo soviético de Kruschev em diante. Ao tratar das privatizações no Laos e no Vietnã, que são linha soviética, Jabbour supõe que acontecem como na Chjina devido a “leis mecânicas”, não cópia ou imitação, seriam leis que atuam no caminho do socialismo. Supomos, no entanto, que é o revisionismo de linha chinesa que tomou um caminho semelhante ao de linha soviética, aprendendo com ele, por exemplo, a não atacar uma figura como Mao como fizeram com Stálin. Mao é refutado na prática, mas nas aparências segue como uma inspiração. Isso tem sido bastante eficaz para esconder a restauração capitalista.

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