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sábado, 12 de janeiro de 2008

sábado, 22 de dezembro de 2007

Casuística

Entre o Folclore & os Móbiles: Casuística, de Johnny Guimarães

Lúcio Emílio do Espírito Santo Júnior

O livro de poemas Casuística, de Johnny Guimarães (Ed. Alba, 2005), parece imaginado pelo autor como a realização de um Apolo juiz & promotor de si mesmo. Para os leitores de orelha de livro, ele oferece um deleite, pois faz poesia na orelha. É como diz Jô Soares: a orelha nasce, depois a pessoa cresce ao redor. Parece sonhar que do branco sobre branco de Malevitch podem nascer bandos de cores que sairão, ao primeiro olhar, esbaforidas e soltando penas de pavão rumo aos olhos do leitor.

O estilo possui algumas ligações com o estilo da obra anterior, Dentre Outras Coisas, quando o poeta explodiu com força na primavera de 1996, contribuindo intensamente no Estado de Minas, ora elogiando a genialidade de Carlinhos Brown, ora atacando o poderoso Jero Oliva. Durante certo tempo, Johnny foi poeta eletrônico do Canal 25, fez prosa poética ao vivo sobre o incêndio do Palácio das Artes: cada chama era um de nós vendo o espetáculo do drama real. Queria ver esse texto em livro.

O que vejo em Casuística e o que me parece, nessa segunda obra, caracterizar o poeta é seu fascínio pelo mal e pelo grotesco da vida. Ele quer fazer artesania do verso, vaso grego de Bilac, com a lama das ruas, com o grotesco e o mínimo arabesco. Os traços da violência e do horrendo aparecem, muitas vezes, quase crus, outras vezes sublimados, com pinceladas mais fortes do que no livro anterior: “Balas em rota, entrando:/Teima de cigarro vivo/Berne saindo ileso, silhueta rasgada, voz ardendo/Brasa de lagarta acesa” (1º caso); “Perneta, aprendeu estripulia, fazendo truques com o guidão”; “Um pedaço de pau de estante/ Nas mãos de um brutamontes sem cansaço/ À espera dela/ Maldita, distante” (4º caso); “Quem bateu forte/ Sua testa preta? (6º. Caso); “Não há suporte para o chute forte/Que lancei sobre sua porta/ Na certa, a resposta para a cicatriz/ Que plantei em sua testa, não há” (no 8º caso). “1º choque: Dinâmica dos corpos. Dinamite”: “Estupro: estalo na hora exata o tal/ Da desconhecida, que se estrepa”.

No entanto, esse novo livro demonstrou uma densa virada para o laconismo. Casuística tomou um longo tempo de maturação, os anos entre 1997 e 2005; mostra o poeta voltado para o encurtamento do verso.

Prefiro, nesse livro de Johnny, os “casos”, que é como batizou seus poemas. São apenas doze casos. A idéia do móbile também o fascina: o quadro “Folclore”, de Mauro E. Gemini, mais do que dar a idéia de causo ou conto popular, transmite a idéia de um diálogo com as artes plásticas, ao estilo de um Calder, por exemplo. Os poemas curtos me pareceram hai-kais autocomplacentes: “No espelho/Brinco de verbo/dançando”. “1º. Pecado: Comigo/ Por que todo Deus/ Acaba com eu?” Deve-se evitar a complacência consigo mesmo, pois é pecado literário que se insinua nas melhores penas, dentre as melhores trupes. Tudo o que o artista faz é abracadabra?

Mas, como dizia Bernard Shaw, “compreender tudo é perdoar a todos”. Johnny, poeta de nome anglo-saxão, troca os números das páginas do livro por cores: verde, amarelo, vermelho, roxo, laranja. Como diria Caetano Veloso, “americanos são muito estatísticos”.

Para Johnny, a mulata não é tal. A direita festiva interessa? O formato do livro, a capa, tudo aponta para uma estética minimal, econômica e tácita. Deve-se falar pouco, economizar palavras. Johnny, o yankee da terra dos Miltons Campos & Nascimento, exibe-se como o muquirana das palavras, o Dry Drummond semi-árido, o João Cabral dos Stresstabs, ululando em sua Sétima Dose: Fragmentos de um avanço de sinal (na verdade é, na seqüência, seu sétimo caso):

1, 2, 3 passos e engulo pés./ Sinal verde!/ Os carros parecem remédios ou agulhas: gol 1000 cor de stresstabs 600./ Uno Mille lexotan. Passat velho com detalhes prosac nas laterais./ Casal discutindo comprimido numa Saveiro vinho./ Pressa é poeira, que assenta na nuca e nunca mais sai dali. /Tomei pílula de CSN que ficou engarrafada no esôfago./ Harley Davidson às vezes apraz./ Sentir falta da noite tem diagnóstico?/ A rodovia medicamentosa sob minha janela/ Talvez solucionará minha patologia./ Pior é buzinar que meu declive/ (fobia) é enguiço do metabolismo./ (...) Atropelamento: medicamento que inaugura o estacionamento de minha morte.

Dentro da lógica deste “johnysio” mineiro, até mesmo a bacanal deve-se fazer quieto, em silêncio, numa postura britânica. Sem latim nem francês, ele pergunta diretamente: “emotion tem botões?” Não, poeta, a emoção não pode ser detonada com o simples apertar de um botão. Em alguns de seus poemas, não nos haikais mais espoletas nem nos mais traquinas poemas-piada, mas sim nos mais tranqüilos e mais longos, sua poesia toca as cordas do coração, apesar dos Auschwitz da vida.