terça-feira, 29 de novembro de 2011

Nietzsche e suas composições de Maturidade (1864-1882)

Introdução

Nos últimos anos tem ficado mais conhecido do público o fato de que Friedrich Nietzsche, o filósofo, também compunha canções. Nesse artigo ficaremos conhecendo um pouco mais sobre elas.

2. Composições dos anos de maturidade

Vamos nos concentrar, por questão de brevidade, nas composições dos anos de maturidade. No ano de 1864, Nietzsche completou seus estudos em Schulpforta e começou seus estudos de Filologia e Teologia na Universidade de Bonn. Foi o seu mais produtivo ano em sua carreira de compositor, em se considerando a quantidade de composições completadas. Isso inclui a única peça para música de câmara que ele chegou a completar, uma fantasia para piano e violino, assim como um ciclo de canções. A partir de sua entrada na universidade, Nietzsche passa a ter menos interesse em expressar-se através da música.
Ele também reconheceu que, para poder ser bem sucedido em música, precisaria estudar profissionalmente, inclusive para ter melhor conhecimento da técnica do contraponto. Então, numa carta para mãe em fevereiro de 1865, Nietzsche declarou que preferia concentrar-se totalmente na filologia, decidindo-se a abandonar a composição pelo menos por algum tempo. Durante seus estudos em Bonn e Leipzig, realizou somente pequenos trabalhos corais, assim como deixou esboços de trabalhos maiores.
Embora Nietzsche tenha sido muitíssimo estimulado em sua carreira literária por Wagner, sua carreira musical não apresenta grande influência dele, mesmo depois de seu encontro com Cosima e com Wagner em novembro de 1868.
Somente entre 1871 e 1874 é que Nietzsche retomou a música por um período, já então estabelecido como professor em Basiléia. Ele fazia muitos duetos no piano com seu colega de universidade, o professor Franz Overbeck. Essa amizade fez com que Nietzsche compusesse peças para dueto no piano, assim como composições para orquestra nunca orquestradas. Nietzsche mandou a ele, como um presente, a composição Nachklang einer Sylversternnacht. Essa composição foi dedicada a um amigo de infância de Nietzsche, Gustav Krug; ela reflete o espírito alegre dos feriados de inverno. Anos depois, Nietzsche usou essa introdução como princípio de dois de seus trabalhos, Nachlang einer Sylvesternacht e Manfred Meditation.
Essa última, ao ser enviada para Hans Von Bullow, músico do círculo de Wagner, foi fortemente criticada e Nietzsche até afirmou que não escreveria mais música. Meses depois, no entanto, escreveu um dueto para piano, Monodie a Deux, e começou cedo depois de seu maior e último trabalho, Himnus auf die Freundschaft. Esse trabalho surgiu num tempo em que Nietzsche estava em processo de afastamento de Wagner e demonstra desejo de afastar-se totalmente de seu estilo. A composição surgiu entre abril de 1873 e abril de 1874. A versão final, depois de muitos estágios, é um hino em três partes. O hino foi composto sem letra, originalmente. Nas composições de Nietzsche, a música tem primazia sobre a letra, assim como as palavras se combinam com a música de forma a violar a natural fluência da dicção. Para esse Hino à Amizade, Nietzsche tentou anos escrever um texto, assim como convidou amigos a escreverem um texto para a música, mas sem sucesso. Ele finalmente encontrou um texto no poema Oração à Vida, de Lou Salomé, no verão de 1882. Com esse texto, ele transformou essa peça orquestral em uma canção para voz e piano. Seu amigo Peter Gast, em 1887, fez um arranjo para cordas e orquestra para essa composição (essa era originalmente a idéia de Nietzsche). Nietzsche enviou essa composição a Von Bullow, sem mencionar a ajuda de Peter Gast, comentando que no futuro ela seria cantada em sua memória, em memória de um filósofo que não tinha um presente nem queria ter um. Ele também esperava que essa canção fosse usada para que se entendesse melhor seu pensamento filosófico. O poema é o seguinte:

Oração à Vida
Tão certo quanto o amigo ama o amigo,
Também te amo, vida-enigma
Mesmo que em ti tenha exultado ou chorado,
mesmo que me tenhas dado prazer ou dor.

Eu te amo junto com teus pesares,
E mesmo que me devas destruir,
Desprender-me-ei de teus braços
Como o amigo se desprende do peito amigo.


Com toda força te abraço!
Deixa tuas chamas me inflamarem,
Deixa-me ainda no ardor da luta
Sondar mais fundo teu enigma.


Ser! Pensar milênios!
Fecha-me em teus braços:
Se já não tens felicidade a me dar
Vamos, ainda tens tua dor.


As composições de Nietzsche para orquestra não foram aqui estudadas. Fora Eine Sylvesternacht, da qual já tratamos acima, podemos tratar também de Nine Songs, Beschworung, Nachspiel, Standchen (Serenata, uma canção com texto de Sandor Petofi), Unendlich (Infinito), também um texto de Petofi; Verwelkt (Witted, de Petofi, também); Ungewitter (Tempestade), escrita a partir de um texto de Albert Von Chamisso (1781-1838). Outra é Gern und Gerner (Com Mais e Mais Prazer). Trata-se igualmente de uma canção com texto adaptado de Alberto Von Chamisso (1781-1838, poeta romântico e naturalista); Das Kind and die Erloschene Kerze (A Criança e o candelabro que se extingue), também uma adaptação desse último autor; Es Winkt und neigt sich (a autoria desse poema é desconhecida, sendo possivelmente de autoria de Nietzsche; não é possível que seja de Sandor Petofi); é curioso tratar de Petofi, pois é um poeta romântico húngaro (1823-1849) que é um ponto de convergência entre Nietzsche e Lukács. O crítico literário húngaro chamou Nietzsche de precursor de uma estética fascista em 1934, mas aparentemente também gostava de Petofi, uma vez que participou de um círculo nacionalista rebelde que o homenageava na Hungria, na época da contra-revolução de 1956. Felizmente, parece que no texto A Destruição da Razão Lukács reconheceu que Nietzsche é feliz em suas críticas de arte, passando a criticar determinadas passagens de sua obra que dão margem a uma interpretação a favor do imperialismo (ele falaria em decadência porque sentiria que o imperialismo é o capitalismo putrefato ou decadente, etc).
Prosseguindo no assunto da produção artística madura de Nietzsche, existem ainda as composições: Junge Fischerin (O Jovem Pescador), poema do próprio Nietzsche; Chore por aqueles (O Weint um sie), texto de Lord Byron, tirado de Melodias Hebraicas; Dias de Sol no Outono é um baseada num texto de Emanuel Geibel (1815-1884). Adeus, estou indo agora (Ade! Ich muss nun gehen), é para coro de vozes femininas. Outra é Fragment am sich, o Fragmento em si, peça para piano; Kirchengeschichtliches Responsorium (Responsório da História da Igreja); também peça para voz e piano. Monodie a Deux é um dueto para piano escrita em fevereiro como presente de casamento para Olga Herzen.

quinta-feira, 24 de novembro de 2011

Hitler Terceiro Mundo

Hitler Terceiro Mundo

Análise fílmica

1. Primeira parte

Ficha técnica

Produção, direção e roteiro: José Agrippino de Paula

Fotografia: Jorge Bodanzky

Montagem: Rudá de Andrade e Walter Luís Rogério

Cenografia: Sebastião de Souza

Música: Ivan Mariotti e Judimar Ribeiro, Frank Zappa (free jazz), Charles Anjo 45 (Jorge Benjor)

Elenco: Jô Soares, José Ramalho, Eugênio Kusnet, Luiz Fernando Rezende, Túlio de Lemos, Sílvia Werneck, Maria Esther Stockler, Ruth Escobar, Jairo Salvini, Danielle Palumbo, Jonas Mello, Carlos Silveira, Fernando Benini, Manoel Domingos

Ano de produção: 1969.

São Paulo, 90 minutos, 16 mm, preto e branco.

O filme saiu em DVD em 2005 Heco Produções – Desenvolvimento: Finotti.com

Gênero: filme político

Hitler Terceiro Mundo é um filme político que, como Cara a Cara de Júlio Bressane e Manhã Cinzenta de Olny São Paulo, são inspirados no filme Terra em Transe de Glauber Rocha. Para tanto, há um recurso alegórico: Hitler e seus seguidores simbolizam a ditadura militar brasileira. O filme é sobre a ascensão de um imitador de Hitler ao poder em um país do Terceiro Mundo. Só que ele surpreende ao partir para a ficção científica, dando a entender que o terceiro mundo não é um país (como o Eldorado de Terra em Transe) e sim outro planeta inteiramente diferente, onde se seguem cenas bizarras e não-realistas como num filme de ficção científica.
Como em Terra em Transe, o som das cenas parece trocado e o que se passa em uma cena quase sempre não tem ligação com o som, apresentando, então, um distanciamento crítico. Os diálogos são em off e sempre entrecortados por sons de animais, free jazz, ponto de macumba (como em Terra em Transe, cuja trilha sonora mistura ao mesmo tempo macumba e ópera). O som é um personagem à parte, que comenta as imagens como se fosse um personagem externo, provocando um efeito de distanciamento crítico. O filme faz uma utilização absolutamente não-realista do som, assim como, para desenvolver a trajetória do ditador nazista que ascende ao poder, ele gera uma narrativa não-realista e fragmentária, contrapondo tanto aliados do ditador (um samurai japonês) quanto seus opositores (o rapaz que aparece na cozinha, numa sequência no início do filme, é carregado como uma peça de oficina enquanto a voz em off teoriza sobre tortura). Em outra cena, Hitler alia-se ao primeiro-ministro conservador do “Terceiro Mundo” e esse primeiro-ministro (com peruca de magistrado) manda decapitar, em nome do comitê central da moralidade, uma madame (mostrando a repressão moralista do fascismo).



Um diálogo do filme:

Voz em off: o golpe de estado será executado pelo robô. Adolf Hitler ainda é um conservador democrata. Morte ao primeiro-ministro! Fascismo radical!
Outra voz: Trata-se de um cientista de alto nível. Foi recomendado pela central de golpes de estado do terceiro mundo.
Voz em off: Ótimo. Liga o robô! Liga! Liga! (Som de soldados marchando, gritos marciais para apresentar armas).
Outra voz: Tem medo de barata? Não? Tem medo de avião? Tem medo de cobra? Não! Estou comendo cobra, tem gosto de peixe. Os japoneses preparavam cobras alho e óleo. Não! Adolf! O povo procurava isso, então surgiu ADOLF HITLEER! (O robô de Hitler sai marchando e atirando dentre de um prédio que insinua ambiente futurista. Ouvem-se ruídos estranhos, metálicos e entrecortados).

2. Segunda parte

Protagonista: Um caricatural Adolf Hitler sobe ao poder num golpe e suas consequências num planeta chamado Terceiro Mundo, protagonizando situações bizarras e surrealistas. O filme é composto de várias sequências que exploram diferentes situações ligadas a esse golpe nesse estranho “planeta” que simboliza o Brasil de 1968. Hitler Terceiro Mundo é uma ficção científica política.

Tensão principal, culminância e conclusão: a tensão principal é entre Hitler e os demais personagens: O Coisa, personagem de história em quadrinhos, que tenta pular de um prédio após o golpe, depois de participar de estranhos rituais junto de Hitler e de um pênis gigante; o caricato juiz que se dispõe a agradar Hitler; os vários personagens jovens, muitas vezes nus, que discutem, de forma entrecortada e oblíqua, o destino dos opositores de Hitler, que são chamados de “terroristas”. O Samurai japonês que, na favela e em outros ambientes, ameaça as pessoas com sua espada e aparentemente é aliado de Hitler. O clímax é quando Hitler afirma: “eu sentei de pijama na varanda de meu palácio e não vi nada, apenas o carnaval, miséria e morte”.

Ironia Dramática: Hitler Terceiro Mundo é um filme que trabalha com o distanciamento entre imagem e som, assim como rompe com a representação realista e a narrativa linear. O filme apresenta um interessante diálogo com a prosa de José Agrippino, representada por textos como Lugar Público e PanAmérica, publicados nos anos 60. São textos também fragmentados e não-realistas, misturando muitas vezes elementos culturais eruditos ou de massa e colocando-os em situações absurdas, o que dá a entender que José Agrippino (que é o diretor) buscou transpor sua escrita e suas preocupações literárias para a linguagem cinematográfica.

Características dos personagens: Hitler é uma paródia caricatural de um ditador pobre e mal-vestido. Ele é visto vestido com poucas roupas e somente a suástica no braço. Exceto Hitler, o Coisa e a Madame, os demais personagens não têm nome e encenam situações estranhas e inusitadas diante da câmera, que chega a filmar de cabeça para baixo. Hitler toma o poder através de um robô-Hitler; um dos guerrilheiros, no início do filme, fica paralisado e é levado como um objeto; o personagem A Coisa, após participar de rituais com um pênis gigante e Hitler, decide suicidar-se pulando de um prédio, mas é preso pela polícia. Numa das cenas, a mãe de um condenado político vem pedir clemência para Hitler dentro de um banheiro. Hitler a atende enquanto escova os dentes. E, no final, enquanto Hitler se decepciona com a miséria do “terceiro mundo”, o Samurai é atingido por um outro arrivista na favela e termina praticando um enfurecido haraquiri diante de uma televisão.

3. Observações finais e conclusão

Hitler Terceiro Mundo, embora tenha relação com Terra em Transe de Glauber Rocha, é enquadrado geralmente como parte do chamado cinema marginal, pois sua proposta, embora também política, inclui elementos da cultura pop, foi um filme que não teve a distribuição comercial (só foi exibido numa mostra aberta ao público em 1984) e cujo protesto político é deslocado em prol da experimentação com a forma. Agrippino utilizou elementos da peça que estava montando então, Rito do Amor Selvagem e também tentou transpor seu universo dos livros para o cinema. Em comum com o cinema marginal, esse filme tem como locações prédios em construção, periferia de São Paulo (favelas, lotes vagos) e preferência por situações grotescas, fora da realidade, utilizando a paródia e o sarcasmo. Nesses filmes abundam citações, imagens recicladas; o humor e a sexualidade têm papel importante.
Pouco conhecido em seu tempo, o escritor multimídia José Agrippino de Paula, diretor desse filme realizado com baixo orçamento, de forma claramente precária, sem roteiro linear, mas com muita criatividade, foi reconhecido por Caetano Veloso como uma das grandes influências em suas canções da fase pioneira da tropicália.
Hitler Terceiro Mundo é a realização do projeto do diretor de fazer um filme na época da montagem da peça teatral Tarzan III Mundo: O Mustang Hibernado. O filme e a peça compartilharam várias cenas. Como curiosidade, o filme tem a participação de Jô Soares no papel de um samurai que se suicida. Jô não tem diálogos, só dá gritos e gemidos. O filme estabelece um interessante diálogo com seu estilo nos textos, para quem conhece os livros de José Agrippino de Paula.

quinta-feira, 10 de novembro de 2011

Análise do filme Quando Nietzsche Chorou

Quando Nietzsche chorou



1. Primeira Parte

Ficha técnica


Diretor: Pinchas Perry
Idioma: inglês
País: Estados Unidos, 2007, cor
Duração: 105 minutos
Roteiro: Pinchas Perry/Irvin D. Yalom (livro)

Elenco original :

* Armand Assante: Friedrich Nietzsche
* Ben Cross: Josef Breuer
* Katheryn Winnick: Lou Salome
* Jamie Elman: Sigmund Freud
* Rachel O'Meara: Frau Becker
* Joanna Pacula: Mathilda
* Michal Yannai: Bertha
* Andreas Beckett: Zaratustra

Trilha Sonora: excertos de óperas. Foram citadas A Valquíria, de Wagner; Carmen, de Bizet; foram citadas também as composições Danúbio Azul e Assim Falou Zaratustra, de Strauss.

Gênero: drama

O filme é uma adaptação do romance Quando Nietzsche Chorou, por sua vez uma abordagem ficcional de um encontro que nunca aconteceu, mas poderia ter acontecido: Freud e Nietzsche. A ação situa-se na Viena do século XIX, na primavera de 1882. Lou Salomé é a mulher que faz essa ligação, pois na realidade ela foi amante de Breuer (no tempo em que estava casada com o professor Andreas) e chegou a conhecer Freud e formar-se psicanalista. Alguns anos antes, Lou tinha se envolvido com Nietzsche e, embora isso seja controverso, Lou chegou a insinuar ter tido relações sexuais com ele em artigos de jornal publicados após sua morte em 1900. O filme concentra-se na relação possível entre Joseph Breuer e Friedrich Nietzsche, um representando a nascente psicologia e Nietzsche, os lampejos de sua filosofia sobre a mente e o comportamento, que adiantam muito da psicologia que lhe foi contemporânea sem que nunca houvesse efetivo diálogo. O romance e o filme fornecem, através da ficção, esse diálogo.
O filme se vale de episódios reais para criar a narrativa. De fato, Lou e Nietzsche foram apresentados e Nietzsche comentou que ambos haviam caído de uma mesma estrela; no filme, tal acontece numa sala de aula onde ele ensina que Deus está morto. Tal não poderia acontecer, pois Nietzsche era professor de Filologia Grega e não de sua própria filosofia, que não chegou a ser estudada em universidades antes de seu enlouquecimento (effondrement).

Diálogo do filme: Breuer tenta convencer Nietzsche a tratar-se.

Breuer: minha sugestão é que vá à Clínica Lauzon, para curar o estresse. Eu vou te visitar diariamente.

Nietzsche: Não estou apto a pagar por esses serviços.

Breuer: Eu o farei gratuitamente.

Nietzsche: Isso nada tem a ver com a motivação humana. Quais são suas motivações, doutor?

Breuer: O sapateiro faz sapatos, o médico medica. Por que você filosofa, se não ganha dinheiro?

Nietzsche: Eu não filosofo para você. Diga-me quais são suas motivações!

Breuer: Você é um grande filósofo, quero fazer com que você se torne o que é!

Nietzsche: E assim se engrandecer, sendo meu salvador.

Breuer: Eu trato as pessoas mais famosas de Viena.

Nietzsche: e quer me usar os nomes deles para ganhar poder sobre mim.

Breuer: Seu nome não será revelado!

(Nietzsche lhe vira as costas e sai, negando-se a tomar parte no tratamento).

2. Segunda parte

Protagonista: Friedrich Nietzsche é um filósofo em crise por ter tido negados os seus pedidos de casamento junto de Lou Salomé, escritora que busca ajudá-lo a se tratar, uma vez que ele se encontra rompido com ela, doente de enxaquecas e desesperado. Salomé procura Breuer para ajudar Nietzsche a tratar seu desespero e parar de mandar as cartas angustiadas que ele está mandando para ela.

Tensão principal, culminância e conclusão: a tensão principal é que Nietzsche, mesmo estando pobre, marginalizado, doente e desesperado, não aceita o tratamento de cura pela fala que Breuer lhe propõe, ainda mais que tal tratamento está seria gratuito. Ele desconfia que está sendo traído por Breuer, por já ter sido traído por Wagner (que o ofendeu com comentários maldosos), Paul Rée e Lou Salomé (que, sendo amigos dele, relacionavam-se secretamente, mas para consolá-lo, estavam lhe propondo morar os três numa mesma casa).

Características dos personagens: Nietzsche é um filósofo brilhante que está vivendo uma grande crise em sua vida, estando em desespero, pois rompeu com seu melhor amigo e com a mulher por quem se apaixonou. Buscando tratamento médico para sua enxaquecas violentas e outros problemas de saúde, ele se encontra com Breuer, que é médico e também estava vivendo a crise de seu casamento com Mathilda. A crise com Mathilda foi motivada principalmente por ter se apaixonado por Bertha Pappenhein, uma de suas pacientes, que teve um ataque histérico e disse à sua mulher, Mathilda, que estava grávida de um filho do Dr. Breuer. Lou Salomé é uma mulher sedutora, inteligente, mas também uma mulher de gênio forte, dominadora e manipuladora. Bertha Pappenhein é caricaturada como uma histérica delirante, a quem não falta até mesmo o tapa na cara. Ela é o objeto de desejo obsessivo de Breuer, o que lhe traz enorme sofrimento. Sigmund Freud é um jovem médico e ex-aluno de Breuer que auxilia o médico no caso.


Ironia dramática: Nietzsche nunca conheceu Breuer nem a psicanálise, assim como Freud alegou conhecer posteriormente, mas não ter lido Nietzsche, mas de fato sua filosofia e a psicanálise têm muito em comum. Na realidade, Breuer chegou a ser amante de Lou Salomé, fato que está insinuado em um dos sonhos de Breuer (fantasia onde Bertha e Lou Salomé o disputam). No entanto, dificilmente Nietzsche aceitaria a psicanálise sem muitas críticas, dado o seu temperamento. O próprio filme demonstra reconhecer isso. E o filme mostra Nietzsche, ironicamente, sendo enganado por Lou Salomé e Breuer, o que seria mais uma grande traição em sua vida, se ele soubesse (fora as traições de Wagner, Paul Rée e Lou Salomé).


3. Terceira parte: Observações especiais e conclusão

O filme cita o livro de Nietzsche A Gaia Ciência (Die Frohliche Wissenschaft), que é mostrado em algumas cenas, que Nietzsche terminara de escrever e publicar, estando então planejando Assim Falou Zaratustra. A obra de Nietzsche costuma ser dividida em três fases: a primeira fase, aparentada ao romantismo; a segunda fase, com uma simpatia pela ilustração; uma terceira fase, já no final da vida, de retorno ao romantismo. Essa obra é uma das mais lidas do autor. A fase é uma das mais bem aceitas e inclui Humano, Demasiado Humano e Aurora. Em A Gaia Ciência, Zaratustra faz sua primeira aparição como personagem de Nietzsche, tendo sido retomado posteriormente. Nesse livro, Nietzsche também aborda dois temas-chave em sua obra: a morte de Deus e o eterno retorno. Ambos os temas são abordados no filme. Nietzsche fala sobre a morte de Deus na universidade, Lou ouve a aula atenta e vem até ele dizer que o que ele está dizendo não é que Deus nasceu e deixou de existir, mas sim que Deus é uma força que não pode mais ser levada em conta. E Nietzsche diz a ela, beijando sua mão: “de que estrela caímos juntos?” É o começou de um amor que terminará mal. A figura de Paul Rée, que foi quem realmente passou a morar com Lou (embora se diga que esse amor foi uma amizade), aparece sem muita relevância no filme, com poucas falas. Mas o médico judeu Paul Rée era seu melhor amigo e também era filósofo. Anos depois, aliás como comentou Nietzsche para Lou, Rée separou-se dela e terminou cometendo suicídio. Lou carregou o peso, socialmente, de ter sido a perdição não só de Paul Rée, mas também de Tarski, discípulo de Freud que também matou-se por ela. O eterno retorno, que para Nietzsche seria o oposto à dialética e à causa e efeito, seria um continuum, um ciclo eterno. Para preparar-se para ele, é preciso viver com autenticidade essa vida e seus momentos, pois eles se repetirão. Lou Salomé também chegou a ser namorada de Rilke e viajar com ele à Rússia. Também foi muito benquista nos círculos wagnerianos e freudianos. Mulher muito livre e controversa, escritora de talento, de origem nobre, casou-se, mas não ser relacionava com seu marido (que conquistou-a após também ameaçar o suicídio), o professor Carl Friedrich Andreas; Lou teve, então, vários amantes e o professor Andreas teve um filho com a governanta. No final da vida vivia reclusa e, após sua morte em 1937, sua biblioteca foi requisitada e queimada pelos nazistas, que não aceitavam a psicanálise, que chamavam “a ciência judia”.

quarta-feira, 9 de novembro de 2011

Oswaldo Coggiola, Stálin e Ronnie Von

O professor Oswaldo Coggiola, que leciona História Contemporânea da USP, esteve ontem no programa televisivo do Ronnie Von para falar sobre Stálin/Trotsky, na série "Tiranos". Ele está lançando no Brasil, com um prefácio, a biografia que Trotsky fez de Stálin. Ela ficou incompleta porque o biografado matou o biógrafo. Ele deveria estar totalmente obcecado pelo seu adversário; imagino as canduras que escreveria, ele que acusava Stálin até de ter tentado matar Lênin. E antes de ler isso no livro Stálin, Um Outro Olhar, do Ludo Martens, eu li isso em uma pequena biografia de Trotsky que comprei em uma banca.

O maior equívoco de Coggiola é falar que, quando Stálin morreu, quem o sucedeu foi Malenkov. Não, professor, foi Laurenti Beria. E Beria foi preso logo depois, quando ocorreu uma rebelião na Alemanha, acusado de agente estrangeiro. Seu julgamento foi a quatro paredes e até hoje o filho reivindica a verdade sobre o que aconteceu, reclamando que supõe que, quando foi formalizado um julgamento, Beria já se encontrava morto.

Coggiola fez um percurso histórico falando nas mortes causadas por Stálin, começando na I Guerra Mundial. Errado. Ele, junto com o partido, foi um dos que mais se esforçaram por acabar com a matança. Depois ele fala em cinco milhões de mortos no "Grande Terror". Não; o certo seria falar de três milhões de mortos na fome da Ucrânia em 1933-34. Ocorreram muitas mortes mais, inclusive de comunistas, na violenta coletivização que se seguiu, justamente para evitar a repetição das fomes oriundas das más colheitas (que já aconteciam em anos anteriores). Essa fome, segundo o professor Mark Tauget, especialista no assunto que leciona em West Virginia (USA), não foi provocada pelo governo da URSS, como agora lhe atribuem, mas teve causas naturais.

Os grandes expurgos, que é o que ele está chamando de "grande terror", envolveram algumas dezenas de milhares de prisões e fuzilamentos, nunca milhões. Há um bom livro sobre isso: The Origins of Great Purges, também do historiador norte-americano Archie Getty. Infelizmente, não está traduzido em português: "As origens dos Grandes Expurgos". Nesse livro, Getty esclarece que os expurgos foram antes para organizar a estrutura caótica do partido do que totalitarismo. E não verifica provas e evidências históricas de que os Processos de Moscou, que foram os processos onde os expurgados do partido foram julgados por conspiração, tenham sido falsos ou as confissões obtidas sob tortura.

Outro ponto que está sendo pesquisado pela geração norte-americana de historiadores depois da Guerra Fria (Roberta Manning, Grover Furr, Archie Getty) é o papel de Trotsky. Existem evidências de que ele colaborou com autoridades militares alemãs e japonesas. Há, então, essa hipótese, que Coggiola deveria aventar. Ele nunca foi acusado de colaborar com ingleses e norte-americanos conforme a conveniência de Stálin. Ele foi julgado à revelia. Pelo que Coggiola fala, parece que foi Stálin o culpado das mudanças de país de Trotsky. Mas o fato é que ele não era aceito porque era um revolucionário russo e isso na época era muito combatido e nada aceito nos países capitalistas, mesmo nos democráticos.


Por fim, creio que o objetivo da entrevista é vender a tal biografia de Stálin por Trotsky. Não fico ansioso. É como ler uma biografia de Getúlio Vargas escrita por Lacerda.

terça-feira, 8 de novembro de 2011

A difusora das vozes do além

Essa é uma história de fantasmas. Certa noite, depois de desligar o computador bem tarde, verifiquei que a caixinha de som ainda continuava transmitindo alguns sussurrados sons. Cheguei o ouvido bem perto, ouvi vozes que sussurravam sei lá que segredos, mas que ao meu ouvido permaneciam imperceptíveis. Mas pude notar que uma voz falava, dava uma pausa, continuava falando.
Imaginei, então, que seriam vozes do além, pessoas mortas tentando fazer algum contato com os vivos. A experiência talvez fosse como a da escritora Hilda Hilst, que há muito anos atrás arranjou um gravador (de tecnologia avançadíssima, suponho) através do qual conseguia captar as vozes do além. Hilda estava desatualizada: recentemente, ao assistir ao filme Nosso Lar, pude verificar que já existe até mesmo internet no além. Os médiuns serviriam como uma espécie de caixa de e-mail dos espíritos.
Inspirado por tais reflexões, decidi levar a questão das vozes dos espíritos a um amigo já iniciado nos mistérios desses outros mundos. Ele escutou atentamente meu relato e me disse que, sim, os mortos poderiam estar tentando um contato, pois no além há cientistas que estão buscando contato com esse mundo aqui, assim como nós buscamos o “continente desconhecido” que vem depois da morte.
Tempos depois, então, ele mandou alguém que seria algo como que um técnico em assuntos metafísicos para examinar a caixinha de meu computador. Ele ouviu e, logo, irritado, me esculachou:
--Que mané voz do além que nada! É a Rádio Difusora, sô!
Desconcertado, vi que realmente era a Rádio Difusora de Bom Despacho, que, com sua potência assustadora, tem a capacidade de “pegar” até mesmo em uma caixa de fósforos!