domingo, 25 de dezembro de 2011

O sistema filosófico de Nietzsche

Sistematizo aqui, de forma didática, alguns conceitos de Nietzsche. Considero Nietzsche um pensador sistemático. Pode-se supor que sua filosofia se origina de sua perda de crença em Deus na adolescência. A partir daí, ele elabora todo um sistema de pensamento para substituir a visão de mundo anterior.


Eterno retorno: Era um ensinamento ilustrativo, no fundo, moral: deve-se viver cada momento da vida como se ele tivesse que ser vivido infinitas outras vezes, até a eternidade. Pensado como uma imagem ilustrativa de um novo sistema valorativo, o conceito dá um sentido à vida, acabando com a sensação de vazio, de falta de sentido. Passa a haver o sentimento de continuidade que a religião busca na vida eterna, mas numa perspectiva valorativa diferente. Se no sistema judaico-cristão a promessa de um mundo perfeito (céu) onde se vive a vida eterna degradava esse mundo (“vale de lágrimas”), essa inversão de perspectivas inverte e valoriza essa vida presente, aqui e agora.


Ressentimento: Seria o rancor destrutivo que aquele que segue a moral da coletividade sente por quem se desvia dele. Quando colocado numa situação desfavorável, o espírito livre não fica ressentido, aceita o seu destino com amor à fatalidade, pois acredita, inclusive, que poderá ter que repetir essa fatalidade.

Amor fati: é o nome da aceitação de seu destino que o espírito livre deve ter. Se o crente aceita seu destino em nome da vontade de Deus, o espírito livre o aceita em nome de dizer sim à vida. Negar o sofrimento seria tentar fugir da vida. O certo seria buscar ser espectador de sua própria tragédia (criar arte) e divertir-se com ela.


Niilismo: É o estado de espírito do dogmático ou do fanático religioso, é o oposto do espírito livre. Para Nietzsche, o niilista é quem sacrifica a vida em nome do nada (preceitos religosos), de cultos onde o que a verdadeira divindade é a morte. A acepção de Nietzsche é o contrário do senso comum, que chama de niilista quem não acredita em nada. Duvidar do que é dito, colocar tudo em perspectiva, ou seja, contextualizar tudo, é a atitude do espírito livre para Nietzsche.


Vida: Fenômeno marcado pela moral como doutrina das relações de poder.


Gaia Ciência: Seria o verdadeiro saber. A verdadeira ciência seria alegre, gaiata, brincalhona, erótica, lúdica. Seria uma ciência integrada com a arte e com a religião. Deve-se rir de todo mestre e de si também. Seria a ciência que prevaleceria junto ao novo sistema valorativo, superando a ciência positivista. O humanismo, para ele ligado ao sistema valorativo judaico-cristão, estaria obsoleto, pois o homem diria sim à vida e teria um novo sistema valorativo.



Super-homem: É uma imagem claramente inspirada em Cristo. Esse termo é melhor justamente por possibilitar um contraste com o mito do super-homem de massa, que é um problema a ser enfrentado. O mito do super-homem de massa responde à indagação que fica na filosofia de Nietzsche sobre o que seria o super-homem: apresenta então uma raça de guardiães policialescos e super-poderosos do sistema social e político atual que mantém de forma subalterna os humanos. Trata-se de uma leitura oportunista que o poder fez do pensamento nietzschiano. O sistema de Nietzsche funciona assim: Nietzsche produziu o seu profeta (Zaratustra) para que os novos valores (que são os valores pagãos “tresvalorados”, ou seja, repensados) sejam transmitidos por experimentadores desses novos valores (novos filósofos) e então esses valores mudem o mundo para então redimir o mundo, fazendo com que homens redescubram a vida e até o estado funde uma ordem social na qual a idéia do Deus cristão não seria necessária, mas os deuses até então mortos, como Dionísio e Apolo, seriam novamente cultuados e repensados, mas principalmente na forma de um sistema valorativo e não de uma metafísica tratando de uma outra vida. O sistema do cristianismo funciona assim: Deus enviou o seu filho, Jesus, e ele, com poderes sobrenaturais, veio ao mundo e voltará no final dos tempos para julgar quem seguiu os seus ensinamentos, no fim da história. Por desconhecer economia e por elaborar seu pensamento a partir de um prisma aristocrático, Nietzsche imagina que o que está errado em nosso sistema social e político é apenas a não-criação de um sistema moral e ético alternativo ao cristianismo e que, se outro sistema alternativo entrar em cena, a história da humanidade se dividirá em antes e depois da filosofia de Nietzsche, fazendo com que a humanidade viva uma vida muito melhor.



Genealogia: Para poder criar novos valores, é preciso investigar como os valores são gerados. Por isso o filósofo dedica-se a estudar a ética e a moral, para superá-las e criar novos valores éticos e morais. Exemplificando a crítica genealógica, diante da frase: “Caio Blinder, judeu que vive em Nova York, se diz generoso”. A leitura genealógica deixa de lado a pergunta sobre a verdade da frase: será que ele é generoso mesmo? Ela se volta para outra questão: quem fala? Alguém que teme o estereótipo do judeu sovina, avarento. E por isso produz um enunciado afirmando o contrário. Colocando em perspectiva, a generosidade nasce da avareza, numa relação dialética que, no sistema de Nietzsche, assume o nome de perspectivismo.


Vontade de poder: vontade de renovar os valores do mundo, que são meros jogos de forças. O mundo é vontade corporificada, a música é expressão pura da vontade.


Morte de Deus: Seria a morte de um determinado sistema valorativo, o judaico-cristão. O sistema de valores do Deus cristão seria substituído por outro sistema de valores que diria sim à vida, sistema esse advindo de Dionísio, dentre outros deuses pré-cristãos.


Apolíneo: Ao inventar esses conceitos (apolíneo e dionisíaco), Nietzsche adianta um pouco do novo sistema valorativo que ele propõe, como escreve Lou, “lutando pelos deuses agonizantes”. Ser apolíneo é bom, dionisíaco também, conforme a perspectiva (contexto). Apolo é o deus da ordem, serenidade, harmonia, resplandecente, princípio da individuação, primado da forma e dos limites, bela aparência e sonho. O natal seria uma festa apolínea, pela reunião da família, ligada à ordem e à harmonia.


Diosiníaco: Dionísio ou Dioniso (Baco em Roma) era o deus do vinho, do sexo, da embriaguez. Festa, música, plenitude, dança, uno primordial, existindo uma busca de superar as formas e os limites, primado da desmedida, do domínio subterrâneo, da indiferenciação e da essência. O carnaval seria a festa dionisíaca por excelência.


Decadência: é o período em que acontece decadência do sistema de valores cristão, mas onde o novo sistema ainda não foi sistematizado e nem divulgado. O novo filósofo, do futuro, é quem supera o tempo onde prevalece o sistema de valores cristão e divulga esse novo sistema de valores, marcado por conceitos como apolíneo e dionisíaco.


Perspectivismo: Nome que a dialética assumiu no sistema de Nietzsche. Perspectivar algo é contextualizar esse algo. Conforme o contexto, ou seja, a perspectiva, a generosidade pode se transformar em avareza, ou seja, uma coisa pode se transformar em seu contrário.


Transvaloração dos valores: Grande transformação de valores anunciada por Nietzsche através de seu profeta Zaratustra, a ser realizada pela ação dos novos filósofos. Um novo sistema valorativo terá lugar a partir de Dionísio, Apolo, o budismo, os valores aristocráticos dos nobres europeus, dentre outros sistemas valorativos que forjarão esse novo sistema.

2 comentários:

Maxwell Soares disse...

Muito bom companheiro. Estes tópicos parece mais um pequeno opúsculo de verbetes Nietzsche. Explicitar os conceitos deste filósofo ajuda a todos a entenderem melhor a suas ideias. A Sessão Nietzsche está terminando. Faltam apenas duas postagens. Estou trabalhando agora em dois filmes. Um abraço e muita paz. Até...

Revistacidadesol disse...

Oi, Maxwell.

Realmente, são um "opúsculo de verbetes Nietzsche".

Abs do Lúcio Jr.