segunda-feira, 9 de julho de 2012

A trajetória de um "traveco bolchevique": Paulo Francis

Hoje às onze horas a GNT alimentará mais uma vez  o mito Paulo Francis, apresentando um documentário dele ao lado de documentários sobre Tom Zé e Niemeyer. Francis voltou à baila no debate político brasileiro, com sua voz mediunizada por Luiz Felipe Pondé, cronista da Folha e defensor apaixado do senso comum que se traveste, conforme o contexto, em professor universitário das privadas, teólogo, psicólogo, judeu, ateu, ideólogo da direita brasileira, filósofo paulofranciscano e o escambau. Pondé "cita" livremente Francis, acho que, colocando na boca dele frases e ataques que Pondé gostaria de fazer e dizer.

Pondé hoje faz o papel de Paulo Francis em 1989, quando a Folha colocou-o para detratar Lula e o PT. Assim como Caio Túlio Costa qualificou Francis de ficcionista, os textos de Pondé são crônicas, são textos ficcionais onde as informações não devem ser levadas a sério, pois operam no campo ideológico, fazendo sistematicamente inversões, transmitindo falsas informações e disseminando falsa consciência. O mesmo se pode dizer de seu "besta-seller" O Manual do Politicamente Correto. Quanto aos seus outros livros como Crítica e Profecia, como felizmente ele os submeteu ao poder disciplinar da academia, ele não conseguiu exercer seu dom fabulesco. Na Folha, atuando em "sintonia fina" com o chefinho Otavinho Frias Filho, Pondé age como ponta de lança da linha editorial do jornal e é muito mais manso do que Francis, que, anarco-trotsquista, rebelava-se e criticava os próprios pares, causando um desequilíbrio que terminou em sua demissão. Isso agora não acontece, pois Pondé, frouxo e covarde, jamais cita o nome de ninguém. Ele critica, veladamente, até mesmo o leitor da Folha, que chama de idiota, assim como Foucault (que para ele seria um ideólogo gay xiita), mas não critica ninguém vivo que lhe possa responder.

Pondé supõe que as universidades federais são um aparelho ideológico do PT, esquecendo que, antes disso, elas são aparelho ideológico do estado numa sociedade capitalista, estado com o qual elas estabelecem uma delicada e complexa relação de aproximação e afastamento, assim como estabelecem relação semelhante a TV Globo e os jornais.

Pondé, ao aliar-se com o chefinho, solta as amarras da imaginação no jornal, onde, estando em sintonia com o chefinho e sem citar nomes, ele pode simplesmente mandar ver qualquer besteira.

Pondé tem em comum com Francis o conservadorismo cultural e o liberalismo econômico, assim como o gosto pelas inversões. Francis diz, em Diário da Corte, que Machado de Assis é coloquial, que Malcolm X e Lukács são conservadores, que Freud não gostava de psicanálise (na verdade, supõe-se que ele não era um bom clínico). E por aí vai. Os erros pululam, são quase um por linha, como se disse da biografia de Glauber Rocha por Nelson Motta. Pondé diz que Paulo Francis entendia muito de psicanálise. Na verdade, Paulo Francis demandava tratamento psiquiátrico, uma vez que sofria de um transtorno mental: era um depressivo crônico. Isso é bem notável em seus textos, onde o impulso dele é colocar tudo e todos para baixo, degradando todo mundo.

Em Diário da Corte, no verbete incesto, Francis diz que o texto Três teorias sobre a sexualidade, de Sigmund Freud, seria sobre "nossas ambivalências profundas". Huum. Ora, o texto inicia-se falando justamente dos invertidos, que é como ele chama os homossexuais. Em outro verbete do mesmo livro, Francis diz que Freud não falou sobre a homossexualidade em textos, "somente em cartas". Será que ele não leu o texto que ele indica?

Esse "Da Mata" em seu nome que apareceu lido por um jornalista global provavelmente é parte de suas ambivalências. Sempre se diz dele que ele era filho de alemães, mas parece que esconde que também tem uma origem brasileira. Ambivalências de um trotsquista da nobre linhagem de Reinaldo Azevedo e Gerald Thomas...

Eu até gosto do Paulo Francis de Opinião Pessoal (1966), livro de Francis com prefácio de Glauber Rocha, infelizmente não reeditado pela família, de autoria de Franz Paul Trannin Da Mata Heilborn. Esse tipo de gesto, a não-edição de obras por supostamente serem de esquerda, só demonstra sectarismo e a burrice. Lendo com atenção, pode-se observar que Francis sempre teve "ambivalências profundas". E isso em muitos sentidos...

Filho de um comerciante, passou um tempo em Nova Iorque na adolescência, mas nunca foi de estudo sistemático. Esse traço curioso parece unificar os escolhidos para o programa Manhattan Connection: nem Francis, nem Olavo de Carvalho, Diogo Mainardi ou Gerald Thomas têm curso superior completo, terminaram apenas o ensino médio. Se não estivessem abençoados pela vênus platinada do monopólio, ficariam mal colocados até em concurso de gari no Brasil, concursos que hoje contam com muitos candidatos com doutorado.

Francis escreve, no ensaio sobre Jango em Opinião Pessoal, que a esquerda esquece o elementar leninismo que é organizar-se, mas que nunca militou em organizações (ou seja, não segue os próprios conselhos). Logo em seguida, debochado, ele alega que não milita porque já frequentou muito tempo a igreja católica (???). E ele é sempre assim, representa a classe média. Essa classe sempre oscila entre capital e trabalho, donde advém suas ambivalências. Trotsky era de uma família de classe média em Odessa. Francis era da classe média tradicional carioca. Mesmo quando elogia Eles Não Usam Black-Tie e parece estar em sintonia com o nacional e o popular, Francis ataca, em outro momento, o teatro de Ariano Suassuna. Sempre que a gente acha que ele se define, ele está num posição dúbia.

Há alguns foi citado na Folha a ideia de voltar com o CPC da UNE e veio à baila a proximidade de Francis com a proposta. Os tolos conhecedores somente do Francis terminal ridicularizaram a informação, de resto verdadeira. E só pode ser corretamente entendida se compreendermos a ambiguidade de Francis: ele se aproximava desse tipo de iniciativa na área do teatro para poder fazer valer a sua autoridade em teatro adquirida nos USA, onde, apesar de gargantear tanto, nunca se formou em nada.

Derrubado Jango, Francis se apressa em proclamar a "falência das esquerdas". O golpe de 64 foi o grande tombo da carreira de Francis. Até então ele tinha fracassado como diretor e ator de teatro, passando a atuar como crítico no Correio Carioca, que pagava mal e atrasava, de onde saiu para a Última Hora, que era o jornal mais moderno e progressista do País, jornal que Vargas criou para combater a imprensa golpista (lição que o PT até hoje não entendeu e que irá pagar caro, muito caro). Como ator, colocavam o Francis com papéis como o de padre em Romeu e Julieta, o que não deixava de ser lucidez por parte do diretor. Francis passou da área cultural (que era na verdade sua área) para política, buscando maior audiência. Trabalhando próximo aos governos de JK e Jango no Última Hora, ele teve tudo o que sempre quis: acesso franqueado a festas, informações privilegiadas para bravatear nos bares e restaurantes com os amigos. Seu grande tombo foi o golpe.

Sem acesso à elite do jornalismo devido ao golpe de 64, estigmatizado no Brasil por ter estado bem próximo a Jango e Arraes (e não a Brizola, que sempre achou muito radical), nos anos 70 Francis foi aos USA para reintegrar-se na ótica do colonizador e levar um "choque de capitalismo", tal como José Serra e Fernando Henrique Cardoso. A partir da metrópole, com o passar do anos ele consegue se reintegrar no jornalismo próximo ao poder, ficando bastante próximo dos amigos Serra e FHC no primeiro governo deste, com os quais inclusive acreditava que poderia contar para suas difamações e calúnias contra a Petrobrás.

Eu, pessoalmente, detestava o programa Manhattan Connection com ele ("locutor brega", como o chamou Gilberto Vasconcellos), assim como achava horrivelmente mal escritas suas crônicas do Diário da Corte em O Tempo. Possivelmente Daniel Piza também achava, tanto que opta por somente publicar alguns trechos em Diário da Corte, organizando o material como um dicionário e nos poupando da besteirada que eram essas crônicas.

Num desses programas, depois da morte de Francis, Lucas Mendes disse que o partido republicano era o partido do coração de Francis. Caio Blinder atalhou: "não só do coração, mas do bolso". Ora, Francis era financiado de fora para escrever aquelas coisas que escrevia? Talvez essa hipótese explique os Olavos de Carvalho e Mainardis da vida, assim como sua relação de amor com o exterior e ódio ao Brasil...

 O trotsquismo de Francis sempre foi um ataque a Lênin. No verbete Carlos Lacerda do Diário da Corte ele também critica Lênin, apontado-o como sendo um marxista ruim e pouco fiel a Marx e Engels ("os originais"). Também em Diário da Corte, Francis defendeu a inocência de Bukharin nos Processos de Moscou e ainda sugeriu que o sensato, no momento da revolução de 17, seria "entregar o governo para um regime burguês de esquerda". Nisso, Francis também é trotsquista. Trotsky, depois do fracasso da revolução alemã, colocou para o partido bolchevique esse dilema, na verdade a aplicação da teoria da revolução permanente: ou se volta ao que havia antes de 17 ou a União Soviética aplicava o bonapartismo invadindo a Alemanha e impondo o comunismo, ideia na qual Trotsky já tinha fracassado em 1920 ao invadir a Polônia junto ao Marechal Tukachevsky (ao qual ele se aliará para dar um golpe nos anos 30). Era o ídolo de Francis insistindo no erro.

 Nisso Francis interpretava Trotsky muito bem. Não é à toa que ele morreu sob um quadro de Trotsky. Ele tem realmente tudo a ver com Trotsky: personalista e egocêntrico, sempre com Napoleão na barriga, Trotsky começa como menchevique, vive atacando Lênin, a quem chama de ditador e burocrata. Lênin, em carta, observa com razão que ele é um burocrata que apenas se traveste de bolchevique. Traveste-se de bolchevique entre 1917 e 1929, mas sempre buscando fundir o partido por dentro e destruir o leninismo, até que é expulso. Ele passa, então, a repetir as acusações que fazia contra Lênin a Stálin, além de aprofundar, junto de seu grupo, a colaboração junto aos serviços secretos da Alemanha e o Japão, estando direta ou indiretamente envolvido em atentados violentos ocorridos na URSS nos anos 30, inclusive o atentado contra o prefeito de Leningrado. Apesar de tudo  isso, pela oportunidade que dá de fazer uma crítica "de esquerda" à revolução russa, Trotsky torna-se praticamente o grande inspirador do chamado "marxismo ocidental". Outro hábito dele, que é transformar Stálin em bode expiatório para todos os erros e problemas, ainda hoje é uma estratégia ativamente praticada na esquerda em geral e por marxistas em particular.

O único jornalista que tem algo de herdeiro de Francis e é homem de esquerda é o atual candidato a prefeito pelo PCB, Laerte Braga. Para mim, é o melhor jornalista do Brasil hoje. Mas essa é outra história...

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2 comentários:

Anônimo disse...

De boa, o máximo que tu consegue fazer escrevendo este blog é demonstrar o quanto tu é burro.

Revistacidadesol disse...

Eu se divirto, Rafinha!