sábado, 15 de agosto de 2015

Socialismo e Democracia em Cuba

Socialismo e democracia em Cuba

Este é o primeiro de uma série de artigos que estou escrevendo para um grupo temático que estuda a Revolução Cubana.


Unidade!

Para deixar bem clara a minha posição, devo dizer que não concordo com a tese de que a democracia é um valor universal. Isso porque não se pode colocar em segundo plano o conteúdo material do governo. Além disso, as formas que pelas quais a democracia é exercida estão conformadas por uma série de circunstâncias. Eu diria, entretanto, que só pode haver socialismo com democracia.
Uma revolução só se faz com a quebra da legalidade anterior e a instauração de um governo provisório, que tratará de se institucionalizar. Em Cuba, o conteúdo da revolução era anti-imperialista e democrático-burguês. Havia o compromisso de todas as forças que se uniram contra Batista de adotar a Constituição de 1940 e colocar como presidente Urrutia, um juiz que se notabilizara por sua oposição ao ditador.
Ora, as eleições gerais e o voto universal, embora aparentemente democráticos, trazem embutidos uma série de distorções. Primeiramente o acesso à informação. A imprensa e os meios de comunicação eram controlados diretamente por Batista. O jornal Revolución, órgão oficial dos rebeldes, publicou a lista dos jornalistas que recebiam do ditador. Sem falar que os revolucionários só podiam atuar na clandestinidade, principalmente os combatentes das cidades. A grande notoriedade de Fidel se devia ao seu julgamento pelo assalto ao Quartel de Moncada e à sua atuação anterior, na juventude do Partido Ortodoxo. Neste sentido, os políticos tradicionais levavam uma grande vantagem.
Outro aspecto que deve ser levado em conta é a necessidade de se reestruturar toda a máquina do Estado. Esta máquina não é neutra, ela está montada para atender a determinados interesses de classe.  O novo poder necessitava de uma estrutura deliberativa ágil, que fosse ao mesmo tempo executivo e legislativo, para poder remontar a máquina estatal. Sem falar na criação de uma justiça revolucionária de exceção, para julgar os crimes políticos do regime de Batista.
O primeiro compromisso da Revolução era  com seu programa e o novo poder deveria acomodar dentro de si todas as forças que o apoiassem.
Não possuo elementos para dizer quais seriam as formas adequadas para contemplar estas exigências. A minha crítica se restringirá aos resultados alcançados com o poder revolucionário que se estendeu de 59 até meados da década de 70.
Primeiramente, houve o alijamento de uma série de forças que haviam participado do processo. Em relação a uma parte da burguesia cubana, este afastamento era inevitável.  Podemos caracterizar a relação entre os Estados Unidos e Cuba como neocolonialista. Com a ruptura destes laços, os interesses desta camada seriam prejudicados. A própria dinâmica de uma revolução, que traz em si um tensionamento constante, deveria deixar para trás alguns setores que não almejavam mais do que uma democracia formal, uma revolução política, mas não social.
Houve, desde o início, uma disputa entre os guerrilheiros da Sierra Maestra e os revolucionários clandestinos das cidades. Os barbudos acabaram por monopolizar o poder com o auxílio de uma terceira força, que só se havia definido pela Revolução ao final do processo, o PCC (Partido Comunista de Cuba). Fidel usou a estrutura verticalizada dos comunistas para ocupar a máquina estatal.
O discurso político da revolução cubana diz muito sobre a sua evolução. Nesta primeira etapa, em que há uma disputa de poder dentro das forças revolucionárias, a palavra de ordem que predomina é: Unidade!
Essa disputa não se deu apenas dentro do poder revolucionário. Estendeu-se também às organizações de massa, sindicatos e entidades estudantis. Nas primeiras eleições livres para a CTC (Confederação dos trabalhadores Cubanos), em 1959, os comunistas obtiveram menos de 10% dos votos. Fidel tentou a todo custo eleger uma direção em que eles tivessem uma participação maior, apelando em vão para a Unidade. Os trabalhadores, embora reconhecessem nele a liderança incontestável da revolução, elegeram uma direção que era puro Movimento 26 de Julho.
Este apelo se tornou se tornou uma constante. Cada vez que as forças revolucionárias se opunham à participação crescente dos comunistas, Fidel exigia que estas críticas cessassem, em nome da unidade.  O verdadeiro sentido desta Unidade era a aceitação incondicional da liderança carismática de Fidel e da participação cada vez maior dos comunistas.
As entidades sindicais e estudantis acabaram por serem esvaziadas. A grande liderança estudantil, Pedro Luís Boitel, exigia uma reforma universitária com autonomia e eleições livres. Em 60 foi preso e em 74 morreu na prisão, em conseqüência de uma greve de fome. Fidel colocou um comunista no Ministério do Trabalho e só muito mais tarde os sindicatos voltaram a ter uma participação importante, mas já totalmente subordinados ao governo.
Houve várias tentativas infrutíferas de fusão das forças revolucionárias, que acabaram com a criação do partido único, o PCC, cujo Comitê Central foi constituído em 65 e cujo primeiro congresso aconteceu em 75!
Quando finalmente o país ganhou uma constituição em 1976, esta, em seu preâmbulo, oficializou o mito de que a Revolução Cubana pode ser sintetizada através da luta dos guerrilheiros de Sierra Maestra, conduzidos por Fidel, sacramentando assim o resultado da disputa pelo poder. É uma das raras constituições socialistas do mundo que destaca a figura de um dirigente. Nem Lênin, nem Mao se arrogaram este privilégio. Já Kim Il-Song, da Coréia do Norte, se julgou  à altura desta honraria.
Ela também consagra o PCC como “a força dirigente superior da sociedade e do estado”. Até hoje a retórica de Fidel guarda resquícios de um humanismo, que, no seu início, tinha um viés anti-comunista. Para acomodar esta heterodoxia, declarou-se que o PCC é Martiniano e Marxista-leninista. 
continua.

Nenhum comentário: