terça-feira, 15 de março de 2016

Conjuntura Bom Despacho 2016


            Façamos uma análise da conjuntura das eleições em Bom Despacho em 2016. Aqui, o PT não se aliou ao PSDB para formar um polo contra a oligarquia mais tradicional que é chefiada por Haroldo Queiroz (que se não me engano é PDT). Haroldo é parente do Coronel Robertinho, oligarca local cujo poder político derivava da posse da terra, tendo alguns traços semifeudais, portanto.
            No entanto, atualmente Haroldo Queiroz não tem fazendas, mas a família ainda tem algumas, assim como algumas empresas. Na última eleição, seu grupo só perdeu porque dividiu-se entre os que apoiaram Joice e Marco Túlio e os que apoiaram Vital. Na última eleição em que se candidatou, Haroldo teve cinquenta por cento dos votos, e é, portanto, ainda um forte postulante à gestão do velho estado.
            Para compreender um sistema político é preciso encontrar sua polarização.  No passado, a polarização era entre PSD e UDN. O PSD estava próximo de Dr. Roberto Queiroz, filho do Coronel Robertinho e a UDN tinha um grupo composto por Nicolau Leite e outros. A ditadura civil-militar aboliu esses partidos em 1965.
O ex-prefeito Geraldo Simão recriou essa polarização a partir do MDB em 1966, polarizando contra a Arena. A polarização passou a ser entre o grupo de Simão e o outro grupo. Nos anos 90, o outro grupo passou a ser o grupo de Haroldo Queiroz, situação cristalizada até hoje.
A principal contradição no passado recente e hoje é entre a política local e a federal. O grupo de Simão, Bertolino, Luquini e Vital implodiu nos anos 90, enquanto no cenário nacional um grupo empresarial semelhante chegava ao poder em 2001. A reorganização desse setor nunca foi completa: Simão afastou-se, Vital ficou fora da gestão atual e Luquini associou-se a um “salvador da pátria”. Sua característica é o oportunismo: sua ideologia implica em tomar o que estiver mais à mão e busca transforma-se naquilo que for, naquele momento, mais conveniente. Em termos de programa social, ele é corporativista: seus gestos mostram que ambiciona que toda a sociedade seja composta harmonicamente por membros de um mesmo corpo. Nisso ele tem a ver com a UNIPAC, universidade na qual ele se formou e que já homenageou publicamente: corre a piada de que a composição de cargos na universidade não é por mérito e sim se compõe de “amigos, parentes e compadres”.
            Na opinião percuciente de um professor local, o líder do grupo burocrático tinha vindo para ser “um Haroldo mais sofisticado, um Haroldo que ninguém vai pegar”. O líder é uma figura complexa, multifacetada, cuja biografia mesmo é nebulosa. O que é certo é que, depois algum tempo na marinha e exército, fixou-se em Brasília, onde criou uma empresa de informática que prosperou durante o governo Collor. Como ele mesmo admite ser deficiente físico (daltônico) ele entrou no Tribunal de Contas da União em uma vaga de deficiente físico. No entanto, como teria sido possível entrar na marinha ou servir o exército em plena ditadura militar, sendo um deficiente físico?
            E é pelo menos hilariante que um deficiente físico viva exibindo-se, como alegou um intelectual de pensamento semifeudal, “em gincanas no Saara”.
            Esse mesmo intelectual semifeudal explicou como supostamente foi feita a composição das secretarias dessa gestão: são em boa parte pessoas que fizeram jogo duplo dentro de outras campanhas ou agiram em prol do grupo burocrático em entidades (jornais, ONGs, entidades organizadoras de debates)  que deveriam ser neutras.
            Sobre a semifeudalidade, é bom observar que não reuni elementos sobre zona rural. Sei que existe o latifúndio moderno que é a fazenda Santa Helena, que possivelmente pode ilustrar a entrada do capitalismo burocrático no campo. No mais, a economia rural é composta por pequenos proprietários pobres e organizados em uma cooperativa que organizou até mesmo um banco, mas posta politicamente sob a hegemonia do latifúndio, pois já foi gerida por um aliado de Kátia Abreu. A produção de leite arruinou-se há alguns anos, embora a região prossiga sendo bacia leiteira. No Mato Seco, distrito da cidade, não há cobertura de celular, há poucas ruas asfaltadas e nem o acesso não se faz por via asfaltada. Isso tudo encarece o preço da produção. A parte urbana, concentrada no setor de serviços, é possivelmente mais rica do que a zona rural.
 Esse político parece de alguma forma exercer influência sobre ele, tanto para o bem como para o mal: bonapartista, personalista, exímio em utilizar o marketing político, por outro lado não sabe trabalhar em equipe e aceitar críticas (elas facilmente o enfurecem, principalmente se feitas publicamente).
            A disputa política local, pendular entre dois grupos oligárquicos, toma em 2016 a forma de disputa entre duas famílias.
 No passado recente, quando um promotor afrontou o grupo de Haroldo, seu carro surgiu todo riscado. Já o grupo burocrático não pratica violência dessa forma e sim indiretamente, através de processos. Igualmente, não pratica nepotismo como Haroldo Queiroz: desde a composição de chapa com o irmão, mostrou como colocar parentes de forma mais sofisticada, mantendo-se dentro da lei. Esse é seu ponto forte: conseguiu evitar escândalos de corrupção. Um dos casos mais efetivos foi denunciado por Zé Ivo, vereador ligado a Haroldo: foram gastos sessenta mil reais em coxinhas pela prefeitura, muito mais do que o dinheiro gasto na pediatria. E existe, mais recentemente, uma chamada ao líder do grupo burocrático para depor na Operação Mainframe da Polícia Federal, em um processo por formação de cartel em empresas de informática.
            O ponto fraco do personagem e do grupo é o personalismo excessivo, assim como um traço acentuado de vaidade, característico dos intelectuais pequeno-burgueses em geral. Isso gera um óbice psicológico (que também podemos chamar de burrice) e o leva a equívocos vergonhosos, como quando elaborou um documento “acadêmico” defendendo que alimentos com validade vencida podem ser consumidos. Sua tendência ao sofisma é insofismável. É irritante até mesmo para os simplórios.
            Outro ponto que enfraquece o líder e ao grupo do setor “burocrático” é que ele vem acirrar todas as contradições: o jornal local mais avançado foi jogado na aventura de apoiar um líder personalista, permitindo que outro mais frágil (e ligado ao PSDB e a Vital) ganhasse credibilidade; o PT local associou-se a um líder neoliberal e privatizante convicto, atirando no atoleiro as poucas pessoas progressistas; como a segurança pública local degradou-se em função da queda de nível de vida das classes trabalhadoras, fruto do arrocho, essa degradação colou-se muito ao atual gestor (cuja mentalidade de guarda-livros e sovinice anal-crematística quase santifica o arrocho).
 Numa cidade onde a cultura predominante é muito ligada à PM, a proliferação de crimes gerou uma situação de pânico e perplexidade gerais, mas cujos reflexos voltam-se contra a gestão em curso. Em determinados períodos, ocorreu em média um homicídio a cada fim de semana. Houve relatos de toque de recolher, tiroteios próximos a escolas, assaltos a mão armada em postos de gasolina diante do batalhão da PM. Agora em 2016 a situação parece ter melhorado, mas a violência urbana e rural é um problema que veio para ficar.
            Igualmente, o arrocho e a pressão sobre o funcionalismo público realizadas pelo grupo burocrático tendem a justificar e a embelezar a imagem do grupo de Haroldo, muitíssimo desgastada devido a escândalos de corrupção, em boa parte denunciados pelo Jornal de Negócios (jornal em que o grupo está encastelado) e pelo líder do grupo burocrático enquanto vereador.
            O que Haroldo dizia em entrevistas em rádio mostrou-se em boa parte como tendo embasamento. Ele chamava seu adversário de “santanás”, “obcecado comigo”. Atualmente, o líder do grupo burocrático processa um intelectual de pensamento semifeudal, supostamente próximo a Haroldo, por preconceito religioso. Mas qual seria a religião em questão, uma vez que o líder, pouco depois de tomar posse, teve até o púlpito franqueado a ele na Praça da Matriz? 
O fato é que, pouco depois de eleito, o líder do grupo burocrático passou a dar declarações muito semelhantes, em seu tom coronelístico, às do grupo agro-exportador. O trato com o baixo escalão (formiguinhas e garis) foi ainda pior do que o trato dado a estes por Haroldo. Foi relatado que a prefeitura queria que os garis assinassem um contrato em que retirava direitos, mas os garis, apoiados por um advogado de Belo Horizonte, mostrou as irregularidades, fazendo que o funcionário responsável da prefeitura se retirasse envergonhado.
            Eleito com apoio dos intelectuais, o grupo logo conseguiu gerar tensões com esse setor, extinguindo a secretaria de cultura logo nos primeiros meses de gestão (a secretaria voltou tendo à frente uma figura altamente destrambelhada e sem ressonância ou liderança entre os intelectuais). Como, após a posse, o líder colocou a face realista do arrocho, disparou palavras duras contra professores e contra um músico local que desejava fazer shows para a prefeitura obtendo remuneração, sua base entre os intelectuais foi abalada, mas não totalmente.
 O líder deixou bem claro que, diante da necessidade do arrocho advinda de Brasília, o amor pela cultura local foi apenas uma forma de tomar o poder e não seria, de forma alguma, uma prioridade, como não foi. O mesmo músico cobrou que o atual clube social fosse transformado em casa de cultura e foi rechaçado. O clube foi retomado pela prefeitura e tornou-se secretaria de saúde (a finalidade alegada foi economizar aluguel). A cultura tinha sido, durante a campanha, o principal instrumento político utilizando pelo grupo que manobra à esquerda. Qualquer grupo que deseje derrotar o grupo capaz de manobrar à esquerda deve dar bastante atenção a esse ponto.
            O grupo conseguiu atritar junto a três intelectuais notáveis e que favoreceram muito sua campanha: um intelectual orgânico do grupo, elo entre esse grupo e o grupo de Simão, colunista do Jornal de Negócios, entrou e saiu da prefeitura, não tendo obtido o cargo anterior que tinha, secretário de cultura, tendo permanecido em um cargo praticamente ornamental durante alguns meses e depois sido demitido. Ele foi o principal formulador da imagem do salvador da pátria enquanto tática de arregimentar votos entre o povão para um líder elitista, arrogante e sem carisma algum. O líder de um grupo skatista e militante fanático durante a campanha, não durou nem três meses enquanto secretário de cultura; e por, fim, a tensão com o músico, em que o músico polemizou pelo fato da prefeitura não pagar cachê para músicos, desejando a participação “espontânea”. Igualmente, houve uma relação tumultuada, de aproximações e afastamentos, com o Bloco de carnaval e com um radialista e blogueiro, que chegou a cognominar o líder de “Hitler Pinóquio”, mas que hoje o apóia. Uma atitude recorrente do grupo é negar apoio ao carnaval (no primeiro e no último ano a festa não teve um centavo de dinheiro público, em outro ano cedeu a custo dois banheiros químicos), mas tentar, através do marketing, faturar algum dividendo político, dando a entender ter dado alguma ajuda.
            O erro de tensionar frente aos intelectuais e artistas, junto ao erro de pressionar excessivamente o funcionalismo, foram dois erros que podem custar ao grupo burocrático sua reeleição. O correto seria agradar aos que já tinham sido ganhos para o grupo e procurar aumentar sua base de apoio (que ainda era pequena). O que foi feito foi justamente o contrário. O efeito disso é que o líder do grupo está tendo que atacar constantemente intelectuais em sua coluna semanal.
 A cidade prossegue com um lixão a céu aberto bem próximo dela e sem nenhum parque, trânsito cada vez mais complicado, violência crescente, desemprego em alta. A média salarial da maioria é de apenas um salário mínimo. A falta de saneamento básico gerou uma epidemia de dengue e zica.
Durante a gestão atual o hospital privado local faliu e passou a abrigar algumas unidades de atendimento municipais. Na prática, a cidade passou a depender de um único hospital que tem parceria com a prefeitura, na verdade gerenciado por alguns médicos, embora se passe por hospital público, utilizando o nome de fantasia de “Lactário Menino Jesus”. Os problemas no Pronto Atendimento continuam. Os médicos alegam que o repasse da prefeitura é insuficiente, mas ao mesmo tempo expandiram seus negócios para uma unidade de hemodiálise, o que representa uma expansão lucrativa em relação ao atendimento dos traumas que é o que geralmente faz um PA.
Dr Bertolino (PMDB) jogou um importante papel tentando resolver a situação desse hospital, reunindo-se com seus pares e comentando que eles tendem a socializar prejuízos e privatizar lucros. Em resposta, houve a acusação de que Dr. Bertolino, ao tempo da gestão Simão, fez um convênio com a FELUMA que teria sido desastroso para tal hospital. Essa alegação parece ter desmotivado Dr. Bertolino de executar mais ações louváveis nesse sentido.
            Durante a atual gestão, que foi precedida por uma campanha supostamente ecológica, a nascente do rio Picão secou e o rio Lambari, que abastece a cidade, praticamente chegou a seu limite, pois há anos está diminuindo sua vazão. No ano de 2015 o racionamento de água tornou-se uma realidade e bem possivelmente continuará sendo.
A característica mais marcante desse setor atualmente no poder é que ele é a ala esquerda da direita, ou melhor, é um setor da direita, apoiado por elementos oligárquicos e empresários, mas que manobra com mais desenvoltura à esquerda. Isso ficou bastante evidente na campanha eleitoral de 2012, mais do que na gestão em si. A gestão, marcada pelo arrocho que parece ter sido ordem de Brasília, foi bem mais conservadora e surgiram bem mais claramente os traços oligárquicos. No entanto, as manobras continuaram, como quando o gestor propôs cota para negros no serviço público. Localmente, no entanto, essas manobras à esquerda são muito mal vistas e mesmo o progressismo retórico foi várias vezes barrado na Câmara (tanto a previsão de estudar gênero na escola e as cotas para negros foram barradas). O conservadorismo local assentado na Câmara Municipal é alérgico a essas manobras e aprovou, na Câmara, um projeto tirado do grupo de extrema-direita Escola sem Partido. Na internet, uma pessoa ligada ao Escola Sem Partido resumiu, grosso modo, o pensamento do grupo: “o professor que não ensinar português e matemática tem que ser espancado”.
Como na esfera nacional, o fato do governo utilizar os direitos civis como massa de manobra abre o flanco para ataques do conservadorismo e cria um clima onde floresce, mesmo entre os jovens, a extrema-direita, com muitos mostrando simpatia pela figura de Jair Bolsonaro. Por outro lado, a oposição extraparlamentar também está presente na cidade, na pessoa dos anarquistas que picham frases como “o capitalismo é a crise”. Desconheço quem seja o grupo, pois parece atuar na clandestinidade, pichando muros (o que é crime conforme a legalidade burguesa). Cumpre registrar que o PT jamais fez algo semelhante na cidade, mesmo no passado.
            O que gera tensão no cenário atual é que a reorganização do grupo ligado ao atual governo federal fez-se apenas em torno do líder, sua família e alguns poucos setores minoritários, entre os quais os intelectuais. E se fez no momento (2012) em que o governo federal passou a sentir mais brutalmente os efeitos da crise mundial.
            A vitória em 2012 derivou nem tanto de sua aceitação (sua rejeição era e é enorme), mas da enorme fragmentação em inúmeros candidatos. Foi muito útil para esse setor a fragmentação do grupo haroldista e a impossibilidade de Haroldo de se candidatar pessoalmente, pois já tinha obtido dois mandatos seguidos.
            A contradição entre o cenário nacional e o municipal voltou a agudizar-se entre 2012-2016. O grupo presente na gestão federal perde forças, deteriorando a situação já frágil do grupo local. O líder do grupo burocrático veio com a ideia de fazer os funcionários públicos trabalharem mais. Já os funcionários queixam-se que, na prática, isso significa arrocho e assédio moral, direcionado principalmente aos funcionários haroldistas. O arrocho é tanto que a prefeitura recentemente abriu edital para procurador do município, exigindo curso superior em Direito, mas propõe-se a pagar menos de um salário e meio por quarenta horas de serviço semanais (!).
 Os funcionários haroldistas, especialmente, queixam-se que o líder do grupo burocrático tem traços megalômanos e paranoicos, por isso busca amedrontá-los e tirá-los da zona de conforto, alegando que reclamam muito e trabalham pouco. Eles alegam que a quantidade de processos administrativos é crescente e o líder nega licenças sem remuneração até em casos de câncer. Eles relatam também que o líder, que, a exemplo de Collor, entrou no curso de direito da UNIPAC e formou-se advogado na UNB (Collor entrou na faculdade em Alagoas e também formou-se pela UNB), não aceitando, no entanto, perder processos na justiça. Há relatos de profissionais que, ao serem empossados após ganho de causa na justiça, são exonerados pelo prefeito, obrigando-os a recorrer. Eles relatam que o mesmo sempre recorre até à última instância.
 No entanto, na cidade quem faz o papel do partido político é o funcionalismo. Esse pareceu-me ser o erro mais fatal do grupo burocrático. Sendo assim, para derrotar o atual grupo seria preciso: 1) conquistar os intelectuais e artistas; buscar atrair a simpatia do grupo anarquista clandestino; 2) enfrentar sua hegemonia na comunicação e imprensa, ventilando seus deslizes; 3) acenar com propostas ao funcionalismo público; 4) centrar forças no meio rural e na periferia do município, onde o grupo é fraco e tem pouca ressonância. 5) Unificar todas as forças opositoras em torno de um ou do menor número possível de candidatos.
            Sendo assim, se a fragmentação anterior ocorrer, o grupo burocrático será, sem dúvida, reeleito. Se a disputa ocorrer somente entre dois candidatos, a vitória, a meu ver, será de Haroldo Queiroz. É bem evidente, também, que ganhe quem ganhar, o arrocho municipal derivado da crise internacional irá prosseguir.


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