sábado, 22 de outubro de 2016

Trotsky: Exílio e Morte de um Revolucionário: Resenha de Uma Biografia




            A recente biografia Trotsky, Exílio e Morte de Um Revolucionário, de Bernard Patenaude, tem elementos em comum com o texto de Alejandro Padura (O Homem e os Cachorros), assim como com o filme de Joseph Losey, O Assassinato de Trotsky (1972). A história da vida de Trotsky é contada como se fosse um thriller. Ela inicia-se como assassinato do biografado e aí então retrocede para contar a história de vida do político.
         O que se encontram atualmente são biografias de Trotsky: seus livros não são reeditados. Ele não é lido de forma crítica pelos trotsquistas, que tendem a fazer o culto de sua personalidade.
            O enfoque da biografia são mais os fatos polêmicos que o envolvem o político do que sua produção intelectual. Trostsky não gostava de ser criticado e sim cultuado, tinha em sua maioria admiradores jovens e não amigos, o que prejudicou consideravelmente sua articulação política; não se importava muito em beber e comer bem, nem ficava muito tempo em jantares sociais. Não gostava de beber ou fumar e detestava “vestidos longos” e conversar coisas comezinhas, fúteis. A comida em sua casa era insossa e sua esposa, alguém muito triste. Há um grande contraste, nesse ponto da comida, entre ele e Stálin, alguém que apreciava pratos apimentados. Os georgianos são os baianos da União Soviética, como observou Glauber Rocha.
            A vida de Trotsky foi, conforme essa biografia, totalmente marcada pelo confronto com Stálin, a quem ele atribuía todas as suas desgraças, assumindo claros indícios de paranoia. O biógrafo considera que Trotsky era um “herdeiro natural” de Lênin, mas quando menciona Gorbachev observa que o líder soviético nunca reabilitou Trotsky, considerado pelo responsável pela perestroika um grande crítico do leninismo. Para Patenaude, Stálin “passou a perna” em Trotsky. Ora, como pode uma “mediocridade” enganar um “gênio político”. Essas e muitas questões ficam em aberto.
O suicídio da filha de Trotsky foi atribuída ao stalinismo, mas a filha não se dava bem com Trotsky, que não a tratava com afeto e não lhe escrevia cartas, mesmo ele sabendo que ela estava em depressão --e tendo lhe suplicado que o fizesse. A operação de apendicite que matou o filho de Trotsky em Paris em um hospital russo também teria sido armada pela polícia política. O texto alega que o Sergei Trotsky era vigiado por um amigo espião soviético, Mark Zborowski, mas a seguir se pergunta: por que matariam Sergei, se ele os municiava com informações e não desconfiava de Zborowski?
O tom nebuloso cerca também a figura de Jacson Monard, o assassino de Trotsky. Ele conviveu durante muito tempo na casa de Trotsky e chegou a dizer, depois do ataque dos comunistas, que a polícia política usaria, nos novos ataques, outras táticas. Jacson frequentou a casa de Trotsky durante anos, foi namorado da trotsquista Silvia, prestando-lhe inúmeros favores e escrevendo artigos que Trotsky comentava. Perguntando a respeito do ataque de Orozco, não respondeu quais seriam. Não seria um erro muito primário para um agente que tramava matar Trotsky? Patenaude também registra, discretamente, que Jacson jamais admitiu ser agente soviético. A biografia deixa totalmente de lado a hipótese de crime passional: Trotsky era contra o casamento dos dois.
Para Patenaude, “ondas de choque” da II Guerra chegariam até a URSS, onde as massas proletárias se uniriam para derrubar a “burocracia stalinista”. Com isso contava Trotsky, pois nesse momento ele e seus seguidores seriam convidados a liderar a luta para liderar a democracia dos trabalhadores na União Soviética. Mas uma rebelião dessa, depois da chegada de Hitler ao poder, não abriria as portas do país para uma invasão alemã? Igualmente, se essas ondas de choque eram esperadas, explica-se a repressão de Stálin frente a uma possível revolta. No entanto, nega-se que qualquer revolta na URSS tenha tido apoio de Trotsky. Ele é sempre visto como vítima, quase um Cristo, alguém que jamais revidou a todas as perseguições, nem tramou atentados, etc.
A biografia levantou um questionamento interessante quanto aos Processos de Moscou: “Eles estavam causando dano à reputação internacional de Moscou num momento de grande perigo internacional, por que então iria Stálin optar por encená-los, a menos que a conspiração trotsquista fosse legítima? (...) Será que Stálin teria mesmo sido capaz de arriscar tudo, sabendo que um dos malfadados homens poderia decidir no último instante surpreender o traidor Vishinki e deixar sua marca na história, soltando a verdade?” (PATENAUDE, p. 42-46). Boa pergunta: se era uma encenação, por que correr o risco diante da imprensa internacional? Por que permitir, como foi permitido, que os acusados negassem algumas das acusações? Trotsky alegava que todos estavam muito interessados em sobreviver e que suas famílias mesmo sofriam ameaças ou estavam reféns.
Uma vez no México, Trotsky enfrentou críticas de liberais como John Dewey, que simpatizava com sua causa, no sentido de aproximar a prática de Trotsky no tempo do partido bolchevista ao reprimir a base naval de Krondstadt à repressão que ele mesmo sofria. Ele deveria, no entender desses liberais, renunciar ao “mito de outubro”. O próprio Patenaude, embora claramente simpático a Trotsky, tende a propor essa renúncia, pois passa como gato sobre brasas por temas que poderiam comprometê-lo, quais suas divergências profundas com Lênin e Stálin. Nos anos 30, era bem mais ressaltada a continuação entre bolchevismo e  Stálin do que agora. Patenaude observa a situação difícil em que ficava Trotsky nesse caso, obrigado a criar o termo “stalinismo” e a inventar uma suposta burocratização que teria ocorrido a partir de 1929 como forma de condenar o partido bolchevique.
Resta também saber porque Trotsky teria aventado hipóteses absurdas, tais como a possibilidade de que a guerra da URSS contra a Finlândia em 1940 pudesse desencadear uma guerra civil na Finlândia, hipótese amalucada que provocou divergência entre os trotsquistas. Será que Trotsky estava colaborando com os nazis e os japoneses secretamente e apoiando da boca para fora a URSS? Patenaude não chega a aventar tal hipótese.
Trotsky, sem dúvida exímio orador e eloquente escritor, fracassava de forma retumbante em lidar com as pessoas e mediar os conflitos dentro dos grupos trotsquistas. Confrontado com argumentos contrários, enfurecia-se.
Patenaude amenizou: 1) os choques com Lênin e seu teor, pois Trotsky negou o partido de vanguarda, assim como a possibilidade de construir o socialismo na URSS sem uma revolução na Europa. Trotsky não aceitava o centralismo democrático. Em minoria, queixava-se de estar sendo esmagado e cerceado, em maioria, buscava calar os adversários. E não o aceitou, na prática, depois de julho de 1917, quando entrou no partido bolchevique. Mesmo perdendo internamente, seu grupo insistia em adotar suas próprias decisões, como num partido de tendências como o PSOL e o PT. 2) A tentativa de exportar a revolução para a Polônia, um desastre inspirado pela teoria da revolução permanente de Trotsky; 3) Divergências entre Lênin e Trotsky em Brest-Litovsky, quando Trotsky negou a ideia do acordo de paz de Lênin, e, graças a boatos que diziam que Lênin era agente alemão, propôs que não se faria nem a paz e nem a guerra, o que resultou em desastre.
A trajetória de Trotsky foi coalhada de derrotas: foi derrotado ao optar pelo partido menchevique; foi derrotado novamente ao entrar no partido bolchevique; foi derrotado finalmente nos anos 30, quando sua política despertou a desconfiança de que estivesse secretamente a serviço da Alemanha nazista, tal como quando foi intransigente contra a aliança entre os trotsquistas e a frente popular na Espanha, não atendendo aos apelos e análises dos próprios trotsquistas espanhóis, a quem tratou de expulsar e atacar nessa ocasião. Ficou bem evidente que ele colocava como prioridade absoluta derrotar Stálin e voltar para URSS, pagando o preço que fosse necessário, mesmo que tivesse que sacrificar a Espanha aos nazistas. Viveu boa parte da vida escondido dentro de casa, vendo inimigos por todos os lados: na prática como um prisioneiro.
            A parte mais fascinante da biografia não é a parte política, a meu ver, e sim sua movimentada relação com diversos artistas, dos maiores do século XX: a amizade e o rompimento com Diego Rivera, seu caso com Frida Kahlo, seus diálogos com André Breton, que furtou ex-votos em uma igreja, enfurecendo Trotsky, a quem o surrealismo cheirava a religiosidade. Rumoroso e impressionante também foi o suposto ataque do pintor Orozco e dos comunistas contra a casa do líder russo. O ataque foi tido pela polícia como uma farsa armada por Trotsky, tal a inabilidade que demonstraram os atacantes, que atiraram em tudo, menos em Trotsky.
            Patenaude fez uma biografia em que evita os temas mais espinhosos para Trotsky, mas ao mesmo tempo podemos notar que não é trotsquista: ele chama da revolução de outubro de 1917 de “golpe de outubro!”


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