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quarta-feira, 16 de abril de 2008

Sobre o livro Vita

Recebi um belíssimo presente no início deste ano, pena que somente agora pude realmente interromper minha jornada de trabalho, respirar, e apreciar o presente. Trata-se de uma crítica do livro Vita - breves pensamentos sobre a vida e a morte, que lancei no final do ano passado, escrita pelo Lúcio Emílio em seu riquíssimo blog Penetrália. O artigo é, em verdade, um convite ao debate, com elogios dos quais não sou merecedor, e críticas que são bem-vindas por provocar o diálogo que move e faz renascer o espírito filosófico.Não me surpreende que minha primeira crítica tenha comparado meu livro com o estilo de Nietzsche e que tenha respirado ali um ar pró-vindo do século XIX. Talvez este seja o século do qual mais me influencio, com o qual mais dialogo. A provocação da clonagem do estilo é bem humorada, bem informada, e alimenta uma boa discussão. Agradeço imensamente ao Lúcio por isso. Eu diria, no entanto, que Nietzsche não é a única influência na parte estrutural de meu livro. Incluiria aí um Schopenhauer, um La Rochefoucauld, um Pascal, um La Bruyère, talvez Heráclito e até mesmo o impressionante Aníbal Machado. Mas, digamos, meus escritores prediletos não escreveram apenas aforismos, nos legando um estilo que muitas vezes se apresenta ou experimenta outras tantas formas de expressão.O estilo aforismático não foi escolhido devido à leitura desses grandes mestres da pena, mas sim pelo objeto do qual se escolheu tratar. Sempre me pareceu um contra-senso falar sobre a morte. Mas, digamos, esse problema não me deixou em paz um minuto sequer em minha formação filosófica. Não cabe aqui, nem mesmo cabe em mim, fazer uma auto-biografia, mas, digamos, esse é um problema que sempre habitou minha casa. Talvez eu tenha escolhido a filosofia, na insensatez da adolescência, apenas para lidar com o problema da morte. Talvez esta seja uma verdade para a qual ainda não abri os olhos. E talvez a morte tenha me conduzido ao contra-senso de não me calar diante dela, que insistiu em bater à porta de minha casa por três vezes. Não é o lugar nem a idade para uma autobiografia. Quero apenas com isso dizer que o tema não foi "escolhido" propriamente, mas talvez imposto pelas terríveis e admiráveis Euríneas, e o aforismo me pareceu ser o estilo mais apropriado pela recusa da linguagem conceitual ou sistemática, uma vez que entendo que a complexidade do tema não cabe nas roupagens de um conceito.Meu caríssimo Lúcio Emílio pode aqui me dizer, e com razão, que essa tese é propriamente nietzscheana, uma vez que a preocupação com o modo de expressão esteve presente em toda a obra do filho do pastor alemão. Nietzsche teria escolhido o aforismo, por exemplo, em Humano, demasiado humano, numa tentativa de romper com a tradição filosófica mais sistemática e conceitual. Isso se recusarmos a tese de Eugen Fink que nos diz que ele só escreveu aforismos por que não tinha saúde para elaborar um texto de fôlego, devido às constantes crises de cefaléia causadas por sua doença (sífilis). Mas não me parece, contudo, que a originalidade seja algo possível ou mesmo desejável. O nietzscheano Heidegger nos legou um aforismo que carrego comigo, como se este aforismo revelasse para mim uma verdade na qual teimo em acreditar: Danken ist denken! Pensar é agradecer! E com isso entendo que qualquer consciência filosófica não surge do nada, não surge sem um diálogo com os grandes mestres e com os amigos, que sempre proporcionam a arte de pensar. E aqui faço um agradecimento público ao meu grande amigo Ramon Maia e ao brilhante (o blog Penetrália justifica o adjetivo) Lúcio Emílio. O primeiro encorajou-me ao debate, ao aceitar publicar meu livrinho; o segundo deu-a honra do debate.Gostaria de fazer uma defesa do meu infortunado aforismo 144. Para tanto, cito o texto do Lúcio que já traz o pobre fragmento:“O outro ponto problemático foram alguns elogios a Hitler no aforisma número 144:Comércio exterior. A Alemanha teve o seu Führer na desastrosa figura de Hitler, que era astuto, relativamente inteligente, mas não auto-suficiente: os Estados Unidos souberam tirar proveito deste fato, aumentando seu poder econômico sob as máscaras de sua propaganda anti-hitlerista e emprestando suas admiráveis maquininhas para a contabilidade e reconhecimento dos judeus (REIS, 2007, p. 79).”Penso que Hitler foi notável unicamente em seu uso da razão instrumental, pois conseguiu controlar os impulsos de sua natureza para a destruição durante relativamente muito tempo, o tempo de sua carreira política: pior para a Alemanha. No fim das contas, fez com a Europa o que fez com sua prima Geli Raubal, quem sabe seu único amor heterossexual: levou-a ao suicídio. A Europa Unida deve a ele sua fraqueza, sua dependência em relação aos Estados Unidos.”Aqui podemos ver a riqueza do estilo aforismático: ele pode ser lido de diversas perspectivas, não apenas de uma. Por isso tal estilo foi escolhido para se falar da vida e da morte. “O sentido se constrói pelo leitor”, dizia-me meu grande amigo e editor, Ramon Maia. E este sentido, o que vê no aforismo 144 elogios a Hitler, foi criado pela crítica do Lúcio. Vejamos se consigo contrapor a esse olhar um outro possível. Comércio exterior. Assim se intitula o aforismo, dizendo em seguida que Hitler foi “astuto”, a qualidade da raposa elogiada pelo divino Maquiavel, “relativamente inteligente”, o que não me parece propriamente elogioso e, finalmente, “não auto-suficiente”, o que leva as afirmações seguintes no aforismo. Mas, de quais afirmações se trata? O aforismo apenas aponta, parecendo ocultar alguma informação.Sabemos hoje que, sobretudo com as afirmações de Edwin Black, que o Holocausto só foi possível, inteiramente, pela tecnologia criada por uma empresa americana, a IBM, que criou um sistema de cartões perfurados (que nós chamamos de “Hollerith” aqui no Brasil), usados pelo nazismo no reconhecimento e contabilidade dos judeus. O cartão continha o nome, o número da pessoa e um carimbo. É possível ver um destes cartões em um museu do Holocausto, em Washington. Os cartões possuíam de vinte a oitenta colunas em dez ou mais linhas, que possibilitavam uma grande diversidade de configurações. Para quê serviam estes cartões? Para o senso racial, classificando cada alemão quanto ao nome, raça, endereço, religião, cor, local do trabalho, avós, bisavós, etc. Enfim, o sistema desenvolvido pela IBM e vendido aos alemães possibilitou o reconhecimento de 6 milhões de judeus, aproximadamente. Sabemos hoje que a IBM tinha exclusividade a da produção e comercialização tanto do cartão quando da máquina que fazia operar o cartão. Sem esta máquina, o número de judeus reconhecidos não passaria de 500 mil. Assim, o aforismo, de forma a deixar para o leitor a possibilidade do sentido, provoca o olhar sob diversos ângulos. “Mas, por que não se informou no livro Vita, o que foi dito acima?” Por aqui, meus caros, o texto assumiria um estilo jornalístico ou denunciativo, o que não é nem um pouco defendido por mim, em se tratando de um livro de aforismos. Espero que com isso eu tenha esclarecido o ângulo com o qual olho o meu próprio aforismo, convencido de que não admiro Hitler, nem mesmo pela arquitetura (no sentido literal) criada pelo odor cadavérico de sua vontade de dominação. O Holocausto é um dos momentos mais incompreensíveis de nossa história, uma loucura coletiva para a qual até mesmo a inteligência de Heidegger se manteve cego, no período em que foi reitor da universidade de Berlim.No mais, acredito no velho ditado, que diz que “o advogado que faz sua própria defesa tem por cliente um idiota”. E cá estou eu, me defendendo uma interpretação possível. Mas, digamos, não é pela defesa que estou a escrever estas linhas, e sim para agradecer, embora tardiamente, a crítica ou homenagem que o Lúcio Emílio fez ao meu livro, cumprindo com um dos mais importantes mandamentos da vida colorida pela literatura ou pela filosofia. A crítica, dizia meu velho professor e mestre José Henrique Santos, não é apanágio de inimigos, mas é, antes de tudo, um dos deveres da amizade.

sábado, 12 de janeiro de 2008

Blog do Alexandre Reis

www.alexandrehreis.arteblog.com.br

sábado, 29 de dezembro de 2007

Clone-se a si mesmo! Ou: Breves Considerações Sobre Vita, de Alexandre H. Reis

Diante do livro de Alexandre H. Reis, sinto que tenho nas mãos um dos textos mais belos e admiráveis que já li (e trata-se de um contemporâneo!). O texto estruturou-se em torno da morte e de considerações sobre ela, mas também existem os mais variados temas em suas três subdivisões: o que lhe deu corpo, fora o estilo agudo, inspirado em Nietzsche e nos moralistas franceses e quem sabe, Oswald de Andrade e Emil Cioran: a forma aforismática.O tema, a morte, é a coisa mais segura e firme que a vida inventou até agora e, portanto, fornece um bom e universal fundamento.

O livro é muito rico e merece uma releitura. Ele se baseia em dois pólos: a construção de belos apotegmas, ou seja, fragmentos curtos e sucintos, sempre encerrando alguma reflexão de natureza prática ou, paradoxalmente, moral. O autor conseguiu um bom tratamento aos temas, assim como excelente escolha de temas. Ele tomou Nietzsche como mestre, mas aventurou-se a dialogar com ele sem muita formalidade ou cerimônia, muitas vezes tomando-lhe o estilo, -- e de certa forma -- o espírito. Não se trata aqui de kardecismo e em Vita estamos longe dos pastiches realizados por Xyko Xavyer. Ocorreu-me, no entanto, o seguinte pensamento: um amigo espiritualista chamado Sergei me avisou que jamais devemos procurar em que lugar, em que corpo está habitando um antigo espírito, tal como o de Napoleão ou o de Hitler, por exemplo. No entanto, após ler Vita, eu toparia fazer uma aposta de onde está reencarnado o espírito de Nietzsche...

Não me canso de repetir meu assombro pelo fato de um texto desse quilate ter saído do contexto de Belo Horizonte, cidade ainda marcada por um catolicismo inquisitorial (quem sabe por isso mesmo). Alexandre não assumiu compromisso total com os conceitos de Nietzsche, não optou entre o super-homem e o além do homem. Mesmo assim, seu livro é um livro que entusiasma, é uma maravilhosa impertinência. Que alguém de minha geração tenha dado à luz a uma estrela bailarina como Vita me é espantoso. Alexandre trabalhou com conceitos que reformulou conforme sua visão pessoal do mundo, tais como bíos e zoé: sua observação sobre a biologia já valeu o livro:

Bíos é uma vida vivida. Uma vida que pode, por ser única e caracterizada, ser contada numa bio-grafia; uma vida que pode ser morrida (...). Abro aqui um parêntese: a palavra biologia parece ter sido cunhada sob um acidente filológico, o que nossas ciências biológicas estudam é decorrente do signo de zoé, a vida em geral, e não bíos--; a rigor, nesse sentido filológico, nossa biologia não é senão uma zoologia. (REIS, 2007, p. 34).

Faço também algumas observações críticas a respeito de algumas passagens. Um livro como Vita não nos permite crítica, nos instiga a pensar. Quando referiu-se ao marxismo e ao socialismo, Alexandre foi azedo, como no aforisma 218, A Favor de Marx, que referiu-se ao marxismo como sendo ópio, atribuindo a Bruno Bauer uma frase que já foi atribuída a um pastor protestante do século XVI: “a religião é o ópio do povo”. Nesse ponto, curiosamente, Nietzsche e Marx convergiram: até em Vita, toda religião foi definida como vazia. Somente concordo que o marxismo seria ópio no sentido de verdade intoxicante. O homem que mais obteve sucesso em dividir a história da humanidade em duas, depois de Cristo, foi Lênin. Talvez o único filósofo a se tornar múmia tal qual um faraó de nosso tempo.

Afinal, vale a pena exprimir profecias, tal como fez Marx, ainda que sob pena de não permitir que elas se realizem? Ou quem sabe, como nos mitos gregos, enunciar a profecia não evitaria sua realização? O outro ponto problemático foram alguns elogios a Hitler no aforisma número 144:

Comércio exterior. A Alemanha o seu Fuhrer na desastrosa figura de Hitler, que era astuto, relativamente inteligente, mas não auto-suficiente: os Estados Unidos souberam tirar proveito deste fato, aumentando seu poder econômico sob as máscaras de sua propaganda anti-hitlerista e emprestando suas admiráveis maquininhas para a contabilidade e reconhecimento dos judeus (REIS, 2007, p. 79).

Penso que Hitler foi notável unicamente em seu uso da razão instrumental, pois conseguiu controlar os impulsos de sua natureza para a destruição durante relativamente muito tempo, o tempo de sua carreira política: pior para a Alemanha. No fim das contas, fez com a Europa o que fez com sua prima Geli Raubal, quem sabe seu único amor heterossexual: levou-a ao suicídio. A Europa Unida deve a ele sua fraqueza, sua dependência em relação aos Estados Unidos.

Claro que muitas perguntas instigantes ficam em aberto depois da leitura de Vita, pois trata-se de um livro que perturba o corpo, faz fugir o chão. Uma delas nos foi colocada pelo aforisma número 141, que comentou sobre a pós-modernidade enquanto inimiga da cultura. Ora, a pós-modernidade, em termos de Filosofia, foi também o triunfo da tradição criada por Nietzsche e entrevista em Vita: Cioran, Heidegger, dentre outros. O diálogo aqui, não se definiu em termos de gosto: o gosto de Vita é antropofágico, tendo canibalizado alegremente até mesmo o mestre Nietzsche, ainda sem problematizar explicitamente isso. Definindo Heidegger como hegeliano velado, Reis deixou de lado a tradição fundada por Nietzsche para dialogar diretamente com um Laio que, emudecido, lhe entregou o trono.

Fecho esse artigo breve com uma observação sobre a glória de Apolo no século XXI: quando surgiu o primeira clone, Dolly, a mídia passou a fazer a pergunta narcísica: “você clonaria a si mesmo?” Minha resposta é dirigida ao autor de Vita, em sentido de provocação elogiosa: “clone-se a si mesmo!”