O livro é muito rico e merece uma releitura. Ele se baseia em dois pólos: a construção de belos apotegmas, ou seja, fragmentos curtos e sucintos, sempre encerrando alguma reflexão de natureza prática ou, paradoxalmente, moral. O autor conseguiu um bom tratamento aos temas, assim como excelente escolha de temas. Ele tomou Nietzsche como mestre, mas aventurou-se a dialogar com ele sem muita formalidade ou cerimônia, muitas vezes tomando-lhe o estilo, -- e de certa forma -- o espírito. Não se trata aqui de kardecismo e em Vita estamos longe dos pastiches realizados por Xyko Xavyer. Ocorreu-me, no entanto, o seguinte pensamento: um amigo espiritualista chamado Sergei me avisou que jamais devemos procurar em que lugar, em que corpo está habitando um antigo espírito, tal como o de Napoleão ou o de Hitler, por exemplo. No entanto, após ler Vita, eu toparia fazer uma aposta de onde está reencarnado o espírito de Nietzsche...
Não me canso de repetir meu assombro pelo fato de um texto desse quilate ter saído do contexto de Belo Horizonte, cidade ainda marcada por um catolicismo inquisitorial (quem sabe por isso mesmo). Alexandre não assumiu compromisso total com os conceitos de Nietzsche, não optou entre o super-homem e o além do homem. Mesmo assim, seu livro é um livro que entusiasma, é uma maravilhosa impertinência. Que alguém de minha geração tenha dado à luz a uma estrela bailarina como Vita me é espantoso. Alexandre trabalhou com conceitos que reformulou conforme sua visão pessoal do mundo, tais como bíos e zoé: sua observação sobre a biologia já valeu o livro:
Bíos é uma vida vivida. Uma vida que pode, por ser única e caracterizada, ser contada numa bio-grafia; uma vida que pode ser morrida (...). Abro aqui um parêntese: a palavra biologia parece ter sido cunhada sob um acidente filológico, o que nossas ciências biológicas estudam é decorrente do signo de zoé, a vida em geral, e não bíos--; a rigor, nesse sentido filológico, nossa biologia não é senão uma zoologia. (REIS, 2007, p. 34).
Faço também algumas observações críticas a respeito de algumas passagens. Um livro como Vita não nos permite crítica, nos instiga a pensar. Quando referiu-se ao marxismo e ao socialismo, Alexandre foi azedo, como no aforisma
Afinal, vale a pena exprimir profecias, tal como fez Marx, ainda que sob pena de não permitir que elas se realizem? Ou quem sabe, como nos mitos gregos, enunciar a profecia não evitaria sua realização? O outro ponto problemático foram alguns elogios a Hitler no aforisma número 144:
Comércio exterior. A Alemanha o seu Fuhrer na desastrosa figura de Hitler, que era astuto, relativamente inteligente, mas não auto-suficiente: os Estados Unidos souberam tirar proveito deste fato, aumentando seu poder econômico sob as máscaras de sua propaganda anti-hitlerista e emprestando suas admiráveis maquininhas para a contabilidade e reconhecimento dos judeus (REIS, 2007, p. 79).
Penso que Hitler foi notável unicamente em seu uso da razão instrumental, pois conseguiu controlar os impulsos de sua natureza para a destruição durante relativamente muito tempo, o tempo de sua carreira política: pior para a Alemanha. No fim das contas, fez com a Europa o que fez com sua prima Geli Raubal, quem sabe seu único amor heterossexual: levou-a ao suicídio. A Europa Unida deve a ele sua fraqueza, sua dependência em relação aos Estados Unidos.
Claro que muitas perguntas instigantes ficam em aberto depois da leitura de Vita, pois trata-se de um livro que perturba o corpo, faz fugir o chão. Uma delas nos foi colocada pelo aforisma número 141, que comentou sobre a pós-modernidade enquanto inimiga da cultura. Ora, a pós-modernidade, em termos de Filosofia, foi também o triunfo da tradição criada por Nietzsche e entrevista em Vita: Cioran, Heidegger, dentre outros. O diálogo aqui, não se definiu em termos de gosto: o gosto de Vita é antropofágico, tendo canibalizado alegremente até mesmo o mestre Nietzsche, ainda sem problematizar explicitamente isso. Definindo Heidegger como hegeliano velado, Reis deixou de lado a tradição fundada por Nietzsche para dialogar diretamente com um Laio que, emudecido, lhe entregou o trono.
Fecho esse artigo breve com uma observação sobre a glória de Apolo no século XXI: quando surgiu o primeira clone, Dolly, a mídia passou a fazer a pergunta narcísica: “você clonaria a si mesmo?” Minha resposta é dirigida ao autor de Vita, em sentido de provocação elogiosa: “clone-se a si mesmo!”
Um comentário:
Caríssimo Lúcio, demorei, mas enfim, escrevi umas palavras sobre sua crítica ao meu livro Vita. Sou imensamente agradecido pela sua análise. Quando vier a BH, tomaremos um café com o Ramon,
abraços.
http://alexandrehreis.blogspot.com/
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