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quinta-feira, 20 de dezembro de 2007
Aspectos Éticos na Obra de Sartre
-Aspectos Éticos na Obra de Sartre- Na vida de Sartre a moral foi desenvolvida a partir da experiência da guerra, no caso da Segunda Guerra Mundial. Foi a partir daí que a filosofia de Sartre frutificou. Antes desta experiência, Sartre vivia afastado até mesmo da política de sua época, não tendo sequer votado nas eleições de 1936. Seu amigo Paul Nizan, comunista convicto, escreveu em um de seus romances na época a história de um professor de filosofia que, vivendo na província, e desenvolvendo idéias anarquistas, acaba virando um fantoche nas mãos dos fascistas. Sartre sentiu-se retratado no personagem, mas Nizan sempre negou que Sartre tivesse servido de modelo. Nesta época Sartre considerava que “o humanismo é uma merda”. Difere portanto muito do Sartre da época de “O Existencialismo é um Humanismo”. Por este último texto podemos entender que Sartre pensa é pelo homem que os valores existem. Nenhum princípio universal dará a malignidade ou a bondade de um ato. O homem, segundo o Sartre maduro, está condenado a ser livre e é responsável pelos valores que ele mesmo cria. E cada escolha compromete a humanidade. A questão moral aflige o personagem da peça As Moscas. Para libertar Argos, ele terá de matar Climnestra e Egisto, o usurpador. E Orestes não sente remorsos por seus crimes. A dado momento exclama: “o mais covarde dos assassinos é aquele que tem remorsos”(1). Mas se não tem remorsos, Orestes também quer ser livre a ponto de não aceitar ser rei. Quer ser livre em relação a seus súditos e a si próprio. Mas basta assumir de maneira responsável um crime para moralmente justificá-lo? Nesse caso parece a Sartre que sim. Sartre defendia o direito que os oprimidos têem de se levantar contra os opressores. Demonstrou isso no caso da guerra na Argélia. Ao contrário de Albert Camus, que era de origem francesa mas nascera na Argélia, Sartre apoiou sem restrições a FLN. Camus tentou propor uma federação onde as duas comunidades tivessem ampla autonomia. Acabou chamado de colonialista pelos rebeldes árabes e de traidor pelos franceses. Assim, preferiu silenciar. As lutas coloniais, a luta de uma nação oprimida por um Estado estrangeiro quase sempre culmina em guerras violentas, e que deixam feridas que facilmente se reabrem. A Argélia está desde 1992 em uma nova guerra civil. Uma minoria ocidentalizada assumiu como classe dominante no país e se opõe ao islamistas xiitas, que ameaçavam até 1992 chegar ao poder por vias parlamentares. A minoria mais rica destruiu então a democracia com um golpe militar. A solução violenta no passado deu origem a várias soluções igualmente violentas. E agora se opõem ricos argelinos ocidentalizados versus os argelinos favoráveis à República Islâmica ao modo do Irã dos aiatolás, sendo que estes últimos é que formam a maior parte da população pobre e desesperada. O que diria Sartre se esta fosse a situação na qual tivesse que tomar partido? Talvez só lhe restasse silenciar, como fez Camus nos anos da guerra da independência. Porque ambas as opções restringem a liberdade dos habitantes do país. Entre optar por um regime pró-ocidental, que instaurou na Argélia uma sociedade de consumo onde uma parte da população foi excluída e as antigas tradições muçulmanas são desprezadas, enfim, aquela mesma sociedade capitalista que Sartre achava podre em suas raízes, ou aceitar que se instaure uma República Islâmica onde Estado e Igreja se fundem, como no Irã, o que gera sempre supressão violenta das liberdades. Liberdades estas que a burguesia afrancesada garantia, mas que acabou por suprimir com um golpe de estado que se deu logo após a vitória dos xiitas nas eleições. Os intelectuais argelinos ficaram sem nenhuma opção a não ser o exílio; são ameaçados por ambos os lados. Ao mesmo tempo em que chefiam a oposição laica, são censurados pela ditadura militar; por serem a favor de liberdades que contrariam as permitidas no Alcorão, são reprovados pelos representantes dos pobres de seu país. Não existe, portanto, possibilidade de um intelectual argelino fazer uma “opção pelos pobres”. Esta opção não seria aceita pelos próprios pobres. Aliando-se aos burgueses argelinos, o intelectual em questão estaria sendo direitista no entender de Sartre; estaria compactuando com o domínio de uma classe sobre a outra, estaria se fundindo à pequena burguesia que vive na Argélia, um país subdesenvolvido, e sonha em viajar para a França. Ao fugir de sua terra natal para alguma democracia burguesa, como a Espanha, estaria desertando, sendo covarde-e Sartre em sua obra foi implacável com os covardes. Mas para o cidadão não se trata de se tornar herói; ele foge de seu torrão natal pois lá não pode publicar nada, nem opinar sobre a situação do país sem arriscar a sua liberdade, pois a ditadura militar pode prendê-lo e os xiitas podem fuzilá-lo num atentado. Esta situação, à luz das idéias de Sartre, simplesmente fica sem solução. Sartre, como moralista severo, acreditava, na época em que escreveu Le Nausée, na salvação pela arte. O protagonista Antoine Roquentin é um dégage ou um não-engajado. De certa forma representa Sartre na época em que deu aulas em Le Havre. Roquentin se depara com seu próprio rosto: “nada posso entender desse rosto. Os rostos dos outros têm certo sentido, certa direção. Não o meu. Não posso decidir sequer se é bonito ou feio. Acho que é feio, porque assim me disseram. Mas isso não me impressiona.”(2) Para Sartre o olhar do outro vai fornecer ao indivíduo uma imagem que muitas vezes este aceitará como sendo a verdade. Roquentin não suporta viver num mundo que não é um sistema rígido e previsível. Num mundo onde Deus não existe, tudo é possível, como dissera Dostoiésvski. Sartre irá tentar instaurar uma moral laica, não-religiosa, para que se possa viver sem Deus sem cair na barbárie. A liberdade é o tema que se impõe nesta discussão. Sartre estabelece que o homem constrói a si mesmo, que a existência precede a essência, não existindo, portanto, uma natureza humana a priori. Sartre-no afã de colocar o homem como condenado a ser livre-contestou o irracional no homem. O homem, construindo a si mesmo, será obrigado a escolher. Mas se Sartre coloca que o homem, numa certa época de sua vida, apenas tem que decidir que rumo tomar numa trajetória-fazendo escolhas-e trabalhando com algo que já foi construído por outrem. A formação humana se dá num certo meio e a criança até uma certa idade-sete anos-não usa a razão. Da época em que a criança começa a usar a razão até a época em que se emancipa dos pais se passa mais de uma etapa de sua formação. Restará ao homem procurar um sentido para uma vida que a sociedade à sua volta moldou. A psicanálise julga simplesmente que boa parte do comportamento humano ocorre devido a motivos inconscientes. Sartre precisou recusar esta concepção. Recusava também as correntes artísticas que acreditavam na arte como puro “stream of consciousness”: o dadaísmo e o surrealismo. A arte é uma razão para viver encontrada por Roquentin. Ele deseja criar algo, e encontrar um sentido para a vida na criação. Justifica sua idéia de escrever uma novela: “Naturalmente, a princípio, seria apenas um trabalho maçante e cansativo; não me impediria de existir ou sentir que existo. Mas chegaria a hora em que o livro estaria escrito, em que ele ficaria atrás de mim, e creio que um pouco de sua claridade poderia recair sobre meu próprio passado. Depois, por causa dele, talvez pudesse recordar minha vida sem repugnância”.(3) Posteriormente Sartre irá dar um conteúdo socialista a seu engajamento, e vai abandonar a ficção. Todo filósofo quer ver o seu pensamento funcionar no real. Sartre achou um modo de fazê-lo: com a ficção. Na ficção o mundo se reorganizava conforme suas idéias. Assume o papel de Deus, de demiurgo, praticando um deicídio. Tudo em Le Nauseé tem uma lógica impecável. Trata-se de um universo criado por Sartre, onde Sartre assume o papel de Deus. Esta idéia provavelmente não agradaria a Sartre, pois ele disse num artigo sobre o escritor católico François Mauriac: “Deus não é artista, e o senhor Mauriac também não”. Sartre critica o fato que Mauriac não se preocupava em ocultar que seus personagens eram puras criações, meros fantoches. O filósofo colocou que ocultar que os personagens de um romance são irreais é uma exigência artística pertinente. O que podemos analisar como impertinente é seu desejo de “libertar” os personagens. Ora, personagens podem ser “livres” durante um relato, mas ao fim do livro eles são definitivamente libertados:mergulham nas trevas. Nós humanos também ficamos livres de nossa limitação num corpo feito de carne quando morremos. E então já nada podemos fazer com esta absoluta liberdade, pois não mais nos importamos com nós mesmos, já passamos a não nos preocupar, simplesmente: nossa consciência se apagou e aquilo que outrora era parte de nós agora é casca, um cadáver frio entregue aos olhos dos demais humanos que ao verem este horror deduzem que um dia serão algo exatamente igual. Sartre acreditou na arte como arma, veículo de suas idéias e de sua filosofia. A “gratuidade” da arte surrealista o desagradava. Ele via nessas manifestações uma arte burguesa. Via também no determinismo uma filosofia burguesa, e assim Sartre se opõe a toda teoria que negue a liberdade humana-e é bom lembrar que mesmo os marxistas são deterministas econômicos. Não há, para Sartre, lei moral dada por Deus, e toda tentativa de encontrar valores no céu é inútil; não há nada de inteligível no céu. Ao homem caberá a tarefa de elaborar uma moral laica. Sartre abandonou a ficção depois de algum tempo. O que decepcionou Sartre é que a arte coloca-se demasiado acima da moral, como no caso de um escritor também admirado por Sarte, Louis Ferdinand Céline. Isso parece ter afastado Sartre da ficção. Sartre falou em abandonar a dramaturgia uma ocasião, e o ameaçava abandonar as peças teatrais devido ao fato que seu público era sempre a burguesia que ele tanto criticava. O caso de escritor de cuja obra Sartre tirou a epígrafe de Le Nausée é sintomático: tomado por anti-burguês pela esquerda francesa no pré-guerra, Céline colaborou com o nazismo durante a guerra e adotou posturas anti-semitas. Mais que opor-se à burguesia, Céline se opunha à existência. Isto o levou a aceitar o nazismo e o anti-semitismo, que são explosões de irracionalismo e morbidez, de instintos sádicos e destrutivos que encontraram eco e toamram o poder numa Europa onde a industrialização trouxera guerra e desemprego, e burguesias apavoradas com o espectro do bolchevismo abraçavam o militarismo, o racismo ou nacionalismo xenófobo como forma de se manterem no poder. Céline, mesmo agindo tão mal, estava sendo autêntico consigo mesmo: a destruição da burguesia para ele se ligava à supressão das liberdades burguesas e dos judeus, grupo étnico comumente identificado com esta classe. Recusando a causa da própria pátria democrata burguesa e abraçando o nazismo e o racismo, Céline recusava a vida e apoiava a destruição da humanidade. Apesar desta atitude anti-humanista e niilista, não se pode negar que Céline foi até o fim da vida um artista cujas obras tinham valor literário. Para ele valeria o mote “trust the tale, not the taller”, de D.H. Lawrence. Sartre, quando em L’Être e Le Neant estabeleceu que as relações de um sujeito com outro sujeito nunca se estabeleceriam, recaindo sempre no sadismo e no masoquismo, nunca pensou que esta idéia pudesse justificar os atos de um Céline. Um crítico de má-fé poderia dizer que Céline tomou consciência desta relação e deu seu aval ao sadismo em escala mundial-o hitlerismo. Mas as idéias de Sartre caracterizaram tal relação destrutiva como uma relação de ódio. E o ódio é também condenado ao fracasso: mesmo que se mate o objeto do ódio, não se poderá fazer com que ele não tenha existido. E de fato nunca haverá a relação sujeito-sujeito para Sartre. Só que a experiência da humanidade põe em xeque tal afirmação, já que existem e sempre existiram formas de cooperação e solidariedade entre as pessoas. Sartre recusa estas relações como subjetivas e psicológicas. Outro problema é que o homem também faz parte da natureza, e ao mesmo tempo se dissociou dela. O existencialismo não superou este paradoxo oriundo do dualismo epistemológico. Em outro momento, na peça Huis Clos, a relação de amor entre Estelle e Garcin é impossibilitada pelo olhar de Inès para os dois. Para Garcin e Estelle, a simples presença de Inès os observando arruina a busca daquilo que será impossível segundo Sartre: a relação sujeito-sujeito. Mas talvez seja possível a um tolerar o outro. Aliás, esta é única relação que lhes resta. Eles não se odeiam; eles se amam mas tal relação não existe, é impossível; que relação seria esta que eles continuam mantendo, já não podemos dizer que é uma não-relação? De fato existe algo entre eles. Estelle provoca desejo em Garcin e é correspondida. A relação é bilateral, mas não tem tempo de se concretizar num relacionamento. Ora, não sendo nenhum dos três um artista, nem um indivíduo consciente-afinal já estão mortos, estão no inferno-eles são só corpos, e Garcin deseja para ela e para si a carne de Estelle, e a mulher por sua vez o deseja para si e para ele. São apenas corpos estabelecendo relações no espaço, como se estivessem soltos, livres, e se atraíssem. Esta atração teria tudo para dar certo, já que os protagonistas não cobram do outro autenticidade com relação a si mesmo nem em relação a terceiros. A figura de Inès surge como um corpo intruso, cuja força é exprimida através do olhar e os obriga a se afastarem, como se exercesse uma atração para si mesma. Outra idéia que Sartre não vislumbrou é a da arte como caminho para a imortalidade. Ao morrer e deixar uma obra, as realizações materiais da consciência de Sartre continuaram neste mundo. A arte paira como uma sombra que permanece mesmo após o corpo que a gerou desaparecer. Depois da explosão da bomba atômica em Hiroshima, foram encontradas sombras materializadas, marcadas neste mundo material: a pessoa a quem pertencia aquela sombra teve seus àtomos desintegrados, mas aquela sombra permaneceu como uma cria inorgânica. Assim permanece a arte. O aborto-criação orgânica-foi citado por Sartre em L’Age de La Raison. O personagem Mathieu buscava dinheiro para efetivar o aborto de Marcelle, a quem amava mas não queria se ligar. Mathieu não quer deixar de ser livre e a questão da novela é esta. Sobre o aborto não é emitido juízo como a Igreja o faz, condenando-o. Se de fato o aborto for desejado, será responsabilidade da mulher que carrega o feto em seu ventre. A Igreja julga que existe naquele feto uma alma humana, um ser que quando crescer deve ter a chance de se juntar ao rebanho e ter o prazer de se submeter aos ensinamentos cristãos interpretados com respeito ao poder estabelecido na sociedades de consumo através dos legítimos representantes de Deus na Terra, ou seja, cada Igreja em seus respectivos discursos. Não existindo uma natureza humana a priori, não existirá atentado numa vida humana no aborto. Estaremos tratando de uma parte do corpo de uma mulher e ela optará por permitir que o feto complete sua evolução e saia para o exterior. Também ainda uma criança não é um ser humano completo. Como se pode ver no filme de Herzog, O Enigma de Kaspar Hauser, uma criança posta no isolamento se desumaniza, regredindo à animalidade. Falta a uma criança se inserir numa sociedade. O novo ser humano atingirá a idade da razão, se tornará uma nova consciência, mas existe gratuitamente, simplesmente está aqui. No ato de seu nascimento não lhe foi dado nenhum motivo para viver. Nem sequer se escolheu existir ou não; quando se toma consciência que se existe, é então tarde demais. Já se vive efetivamente. Mesmo assim ainda se pode recusar esta vida: cometendo o suicídio. Mas neste caso cabe ao suicida a tarefa de acabar com a própria vida, uma tarefa angustiante e terrível; é terrível ter que fazer os preparativos para deixar este mundo. E desta angústia ser humano algum escapa. Como não se encontrou razão para viver, não há nenhum motivo já dado pelo qual uma consciência deva se destruir:ela simplesmente pode escolher a morte. Mas está só e sem desculpas, não nasceu com nenhuma razão que lhe mostre que deve cometer o suicídio. E o suicídio é uma tentativa também que o homem faz de contestar o eterno ciclo de nascimento, crescimento, reprodução e morte. Como um Deus, o homem toma nas próprias mãos a vida e a tira. Só que este humano desaparece diante de um céu vazio. Nada lhe garante que encontrará a paz ou um outro mundo. Igualmente não sabe se seu sofrimento não continuará jamais, o suicida apenas aposta e dá um acrobático salto no escuro. Pior ainda é que ele sabe igualmente que inexoravelmente irá morrer, o que ele realiza é apenas uma antecipação de um encontro que fatalmente aconteceria, um encontro que está marcado, sabe a consciência que, desesperada, se pensa eterna. O suicídio é um ato universalmente reprovado não tanto pelo fato de se tirar uma vida humana-afinal há vários seres humanos partidários da pena de morte para outros seres humanos-mas agride nossa sociedade que precisa, para manter-se na sua forma atual, de nos fazer crer que somos eternos. Dando-nos esta ilusão, ela pode tratar os indivíduos como máquinas. Este raciocínio está presente nos poderes estabelecidos em todas as sociedades capitalistas. Desde que a máquina passou a exercer funções de seres humanos à época da Revolução Industrial, passou a ser uma tentação substituir humanos por máquinas efetivamente. Ou melhor, desumanizar os seres humanos, fazê-los agir como máquinas, sem criar absolutamente nada. Quando veio ao Brasil, J. -P. Sartre respondeu, ao lhe ser perguntado quando escreveria um livro sobre o país: “Só se vocês também fizerem uma revolução.” Encorajava, assim, os esforços da intelectualidade de esquerda para tomar o poder. E tais esforços, depois de 64, degeneraram na luta armada contra o regime. Foi um grande erro. Ao enfrentarem o aparelho repressivo da ditadura com violência, os jovens militantes foram derrotados por uma violência estatal, institucionalizada, que se abateu não só sobre eles mas por toda sociedade brasileira entre 1968-76. Sartre nunca chegar a questionar este aspectos violentos das revoluções comunistas desde a comuna de Paris em 1870. Analisando as revoluções, observaremos que elas só se dão quando ocorre desintegração do aparelho ideológico do Estado. E esta desintegração ocorre num período de guerra-e de subseqüente derrota do governo burguês. Na Rússia de 1917 vemos que a desintegração do Estado permitiu a subida dos bolcheviques em Outubro. O governo de Kerenski, democrático-burguês, que Lênin derrubava, pareceria necessário segundo os ensinamentos de Marx-que prescrevia que um país subdesenvolvido precisaria passar de um estágio de subdesenvolvimento ao socialismo via democracia burguesa. Lênin, em suas Teses de Abril, simplesmente decretou que a Rússia poderia passar de país subdesenvolvido a socialista. Ao firmar em teoria o que já estava posto na prática, Lênin abria um precedente para a pragmática idéia de Stálin de consolidar o socialismo em um só país. Stálin formularia suas idéias de forma a agradar a nova classe, a nomenklatura, que nascia da antiga classe operária para assumir o poder tornando-se a nova classe dominante na Rússia. Trotsky, por sonhar com uma revolução permanente, desagradou à burocracia e teve de exilar-se. Na China também a revolução só foi possível depois da ocupação da maior parte do país pelos japoneses e da guerra civil de 1945-49. Em Cuba a revolução, num primeiro momento, tinha um caráter anti-ditatorial. Forças variadas se uniram contra a ditadura de Fulgencio Batista. A maior parte da população cubana apoiava Fidel, Guevara e os demais rebeldes. Mas com a pressão norte-americana o governo de Fidel foi obrigado a se aliar com a U. R.S.S. e os demais países do bloco socialista. A própria Rússia aceitou com relutância a ilha como país comunista. Na divisão do mundo em zonas de influência no final da Segunda Guerra as américas ficaram para os EUA. Sartre visitou Cuba e escreveu um livro sobre a situação na região, “Um Furacão sobre Cuba”. Já se tornara, na aurora dos anos 60, entusiasta do marxismo. Ao fazer tal opção política, o mérito estético de sua ficção baixou e em seguida ele passou seus últimos anos escrevendo apenas ensaios e peças. A literatura foi abandonada. Sartre, embora denunciasse os erros do stalinismo, nunca chegou a fazer uma crítica estrutural do sistema comunista. Nunca se aprofundou até suas falhas na base. Aqueles Estados comunistas, moldados à força, deram origem a aparelhos ideológicos estatais que não hesitavam em usar a força para suprimir problemas. A extirpação violenta dos elementos hostis ou opostos aos novos regimes foi prática usual, mesmo que tais elementos fossem artistas ou ex-partidários da Revolução. A arte foi levada a sério naqueles Estados totalitários; alguém poderia ser fuzilado devido a um poema. Sartre, mesmo na sua época de filiado ao PC francês, sempre defendeu artistas como Joyce, Proust e Kafka das acusações de “subjetivismo”e “decadência” vindas dos marxistas. E os padrões morais destas sociedades não se diferenciavam das sociedades burguesas; pelo contrário, um puritanismo repressor se instalou. Este fato também escapou ao exame de Sartre: a repressão sexual como mola propulsora tanto das sociedades capitalistas quanto das ditas socialistas. Sartre ignorou Wilhelm Reich e Herbert Marcuse. A união Marx/Freud não lhe agradava. O filósofo existencialista, recusando as pulsões inconscientes que atuam no comportamento humano, afastou-se também da poesia. As correntes surrealistas e dadaístas foram por ele vistas como burguesas e portanto inimigas. No seu ensaio sobre Baudelaire tampouco foi tolerante com o dandismo e o esteticismo do poeta, criticando a falta de um engajamento-e engajamento socialista-em sua vida. (1)Les Mouches.(2)Le Nausée. Trad. A Náusea(3) Idem.Bibliografia: -Cranston, Maurice, Sartre.-Bornheim, Gerd. Sartre, Debates.-Les Mouches, J.- P. Sartre.-Le Nauseé, J.-P. Sartre. Trad. A Náusea.-Huis Clos, J.-P. Sartre. Trad. Entre Quatro Paredes- Le Carnets d’Une Drôle De Guerre, J.-P. Sartre. Trad. Diário de Uma Guerra Estranha.
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