quinta-feira, 20 de dezembro de 2007

Resenha de A Democracia Necessária (FHC)

Este livro é composto por ensaios que foram escritos no período dos anos 60 e início dos anos 80. Tomando como base a implantação do sistema oligárquico, Fernando Henrique Cardoso diz que nas décadas finais do império a questão social e sua crítica “puseram a nu as bases da sociedade brasileira que foram a escravidão e a grande propriedade territorial, ou seja, desde o término do tráfico negreiro e da introdução de imigrantes europeus, “as molas fundamentais da economia imperial se assentaram em outras forças sociais”, isto interpretado aqui a grosso modo no quadro econômico.

“Politicamente é evidente, entretanto, que são escassas as chances estruturais de ação hegemônica do setor ‘nacionalista’ dentro do novo sistema de alianças orientado pela idéia de desenvolvimento solidário com os monopólios externos. É forçoso concluir, portanto, que a política de desenvolvimento baseada no impulso dinâmico do setor industrial financeiro da burguesia nacional chegou a seu termo, sem que isto signifique necessariamente que a burguesia industrial venha a estar excluída dos novos sistemas de aliança.”

Segundo Cardoso, o modelo político brasileiro, “expressa uma rearticulação política que se baseia em alterações no modelo social e econômico de desenvolvimento que prevalecia anteriormente. Neste sentido, não fosse para evitar a confusão semântica e a manipulação política óbvia que ela permite, seria mais correto dizer que o golpe de 64 acabou por ter conseqüências revolucionárias no plano econômico.”

Ao falar das contradições, Fernando H. Cardoso diz que “as multinacionais usam o Estado para obter seus fins e que, neste sentido, sustenta-se a idéia de subimperialismo, embora fosse mais difícil sustentar a crença num pré-imperialismo (...). O fundamental, segundo o autor, é que “o dinamismo do mercado interno e, por conseqüência, os problemas ligados às formas de exploração social internas e à distribuição da renda constituem a contradição fundamental do modelo (...). É do jogo e do desencontro entre estas contradições que se nutre a história recente dos países periféricos que fortalecem o Estado e, com investimentos e financiamento externos, procuram um lugar na nova divisão internacional do trabalho.”

No Brasil, diz FHC: “Os planos foram definidos por grupos restritos de técnicos e políticos e aprovados pelo sistema político tradicional, embora sua justificativa mais geral tenha sido apresentada quase sempre em nome dos que não estão participando do progresso econômico e dele devem vir beneficiar-se por imperativos éticos-políticos e para assegurar o crescimento nacional.”

Fernando nos diz: “O regime de 1964 e especialmente o de 1968/74 excluíram a representatividade em geral, e a popular em especial, como fonte legitimadora do Estado.”

De acordo com o autor, a “distensão do regime autoritário brasileiro que seria mais apropriado dizer que se trata, da transição de uma ‘situação autoritária’, conforme a caracterização de Linz, para um regime de ‘democracia de elites’ ou restringida.”

Sendo assim, Fernando Henrique Cardoso dirá, ao tratar de algumas questões sobre a transição do autoritarismo para a democracia, a saber; que “com todas as reservas quanto ao significado de tal transição, não há dúvida de que ocorreu uma mudança significativa no regime político brasileiro. Esta mudança deu-se até agora sob a forma de um processo controlado pelas mesmas elites de poder que antes pilotavam a nau do Estado autoritário, embora grupos sociais de apoio nos quais eventualmente se sustentam possam ter mudado.”

“Este processo entretanto possui certa maleabilidade. Ele traz implícito um código hegemônico novo: é o Estado e não o partido do empresariado que totaliza (...). E é nesta conjuntura que as forças sociais contestadoras aceitam a contrapartida da proposta dos dominadores e, de costas para o Estado, montam seu mundo à parte e fazem eco às lamentações que afligem as massas despossuídas nas conchas acústicas que o regime oferece, ou terão de repensar suas formas de organização política para conquistar o Estado e a partir dele, refazer a sociedade.”

***

O livro é composto de ensaios que foram escritos alguns já nos anos 60 e outros na aurora dos anos 80. Fernando Henrique é um nome que, como disse Boris Fausto na apresentação, simplesmente dispensa comentários;ele abre o livro escrevendo que:

“A passagem do império à República e a formação de um sistema de poder capaz de articular os interesses dos novos donos da situação no Brasil republicano parecem ter obedecido antes à dinâmica de uma história pouco ‘precipitada’.”

Fernando Henrique analisa que o quadro político do Império foi sacudido por crises que antecederam a República. A espada começou em meio à guerra do Paraguai (1865-1870) a abalar o trono. Os militares, alfinetados por uma política clientelístico-partidária, viam-se desmoralizados pelos gabinetes e pelo patronato, enquanto tinham que sofrer as agruras da guerra. Já antes da guerra estudantes militares já assumiram posturas modernizantes e progressistas para a época.

“Não obstante, o radicalismo da oficialidade jovem-fosse qual fosse sua vinculação familiar direta-não poderia expressar-se e encontrar eco se não tivesse havido a expansão do café, a urbanização, os surtos de expansão do mercado interno e, como catalisador de tudo, a ideologia militar de participação na vida pública.

Após o triunfo republicano de 1889, Deodoro e Floriano sobem e tomam conta do primeiro plano da política nacional. A constituição de 1891 deixou ver sentidos de interesses de classes e a oligarquia republicana emergiu enquanto o regime ostensivamente era quase militar.”

“Vêem-se, pois, delineadas e confrontadas desde o início da República duas correntes distintas. A primeira, industrializante-e freqüentemente especulativa, inflacionista e cavadora de negócios” essa era a vertente mais afim do reformismo positivista; a essa se contrapunha a corrente mais conservadora, a dos cafeicultores e seus porta-vozes. Houve, no primeiro decênio republicano, uma profunda alteração nas forças que se digladiavam no país. O que se substitui o antigo patronato imperial é “Um misto de nepotismo, compadrio e, ao mesmo tempo, furor republicano.” A situação vencia as eleições convocadas em 1890 mas logo depois começavam as pugnas entre Armada e Exército e entre os oficiais desta última corporação. Os interesses dos republicanos civis históricos e os segmentos militares efervescentes de conflitos não possibilitaram um sistema viável e legítimo. As novas chefias eram, porém, profundamente elitistas politicamente, embora começassem a ficar mais notórias as greves e as forças populares, as articulações davam-se nos quartéis, nos palácios ou nas casas aburguesadas. Os fazendeiros do café aspiravam a uma ordem formalmente democrática e entravam em conflito com os militares, que utilizavam com mais facilidade a espada como argumento.”

Fernando H. Cardoso conclui que:

A “Pax Oligárquica” só vai ser quebrada a partir de meados dos anos 20 quando aquele frágil equilíbrio conseguido no princípio do século vai se romper; Júlio Prestes, filho da fina flor da oligarquia paulista e presidente eleito numa eleição ao modo oligárquico foi derrubado em 1930 devido ao fim da antiga ordem das coisas.

A burguesia brasileira, como analisa FHC, pareceu à esquerda estar disposta a aceitar uma suposta “tarefa histórica”de levar a uma ‘revolução agrária’ e conter a ‘penetração imperialista’. Existem, constata o autor, obstáculos estruturais, conjunturais e culturais para que se cristalize um ponto de vista na burguesia nacional capaz de dar-lhe consciência de seus ‘interesses verdadeiros’, definidos como aqueles que seriam coincidentes com as idéias do desenvolvimento auto-sustentado e da ‘aliança desenvolvimentista’. Estas camadas não tinham bastante ‘consciência de classe’ e eram agricultores que partiram para empreendimentos industriais, isto é, tinham recentemente se tornado da classe ‘capitalista burguesa’; senão, eram imigrantes enriquecidos no país. Em decorrência desta sua estrutura histórica a burguesia nacional (industrial e agrária) não tinha a consciência de uma ‘tarefa histórica’.

A presença desta burguesia na vida nacional é fato, e é inegável-ela se faz presente tanto na vida política quanto econômica.

Houve aqui um processo de acumulação capitalista. Há dados relativos que indicam que este processo efetivamente se deu. Os setores industriais nacionais se constituíram de forma que existiam algumas possibilidades de uma ação autônoma e de definição de objetivos que tenham como base a idéia de um desenvolvimento controlado pelo setor privado nacional. Mas nada assegurava que estes objetivos viessem a se definir em função de uma ideologia nacional-desenvolvimentista seja o caminho exclusivo que una a ação nacional-burguesa a seus ‘interesses verdadeiros’.

Importantes setores industrial-financeiros nacionais articularam o golpe de 64 e assim atuaram tendo por objetivo “uma política de desenvolvimento que permitisse inversões e marginasse as forças populares do sistema de decisões, como condição básica para acelerar a formação interna de capitais e assegurar seu controle através de grandes unidades produtivas monopólicas: estrangeiras, nacionais e, eventualmente, estatais.

A partir de 64, a idéia de desenvolvimento passou a ser solidária com os monopólios externos e a interdependência disso subseqüente. A burguesia nacional já não existe, portanto, como um conjunto.

“É forçoso concluir, portanto, que a política de desenvolvimento baseada no impulso dinâmico do setor industrial financeiro da burguesia nacional chegou a seu termo, sem que isto signifique necessariamente que a burguesia industrial venha a estar excluída dos novos sistemas de aliança. Em qualquer hipótese, contudo, cumprirá um papel subordinado na condução do processo de desenvolvimento: como caudatária dos grandes grupos monopólicos, ou como dependente do setor público, no caso de uma eventual alternativa que leve a uma política econômica independente. No primeiro caso, talvez seja logrado o desenvolvimento industrial, mas a hegemonia burguesa, em termos nacionais, terá passado para o museu das ideologias e com ela a idéia de economia independente. No segundo caso, quiçá se alcance o desenvolvimento nacional, mas a burguesia como força político-social pertencerá à história do desenvolvimento social.”

Conclui Fernando Henrique Cardoso que:

“A política de desenvolvimento baseada no impulso dinâmico do setor industrial financeiro da burguesia nacional chegou a seu termo, sem que isto signifique necessariamente que a burguesia industrial venha a estar excluída dos novos sistemas de aliança. Em qualquer hipótese, contudo, cumprirá um papel subordinado na condução do processo de desenvolvimento:como caudatária dos grandes grupos monopólicos, ou como dependente do setor público, no caso de uma eventual alternativa que leve a uma política econômica independente. No primeiro caso, talvez seja logrado o desenvolvimento industrial, mas a hegemonia burguesa, em termos nacionais, terá passado para o museu das ideologias e com ela a idéia de economia independente.

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