sábado, 22 de dezembro de 2007

Um Ensaio e Dois Roteiros

Eu Sei Que Eu Vou Te Amar

“A verdade de uma mulher é diferente da verdade de um homem”, é a frase que contêm o motivo-guia do filme que vai ser analisado neste trabalho: Eu Sei que Vou Te Amar, de Arnaldo Jabor.

O livro Eu Sei Que Vou te Amar, baseado no roteiro do filme, se inicia com duas epígrafes: a de Chacal: “Nosso amor puro/ Pulou o muro...” e de Leonardo da Vinci: “O que se vê, antes não era; e o que era, não é mais.”

A mitologia da publicidade e dos meios de comunicação de massa pontua esta história que gira em torno da relação ambivalente de um casal, relação na qual o amor se intercala a momentos de ódio.

Misturam-se no texto referências tão díspares quanto a Kryptonita do super-homem e a cantora de folk Joan Baez:

...E eu sei que conseguirei te desagregar pouco a pouco e que no fim da noite você estará caído feito um joão-ninguém entre pedaços de kriptonita e eu ajeitarei o batom, o salto alto e partirei vingada, pensando: Dorme meu homem...dorme my baby, that’s my boy...(...) Ela está com um sorrisozinho maduro...na vitrola esta música ridícula que eu pus...Joan Baez...que absurdo...

Guantanamera, guajira guatanamera...

Estas referências ao universo dos quadrinhos e ao da contestação dos 60-70 universalizam a tragicomédia que se desenrola entre os dois e situa este diálogo na caótica década de 80.

Tais referências nos levam imediatamente ao universo da cultura de massa, que se desenvolveu em suas características originais a partir da década de 30, nos Estados Unidos. Ela constituiu uma temática coerente depois da Segunda Guerra Mundial, atingindo o conjunto dos países ocidentais. Essa temática corresponde aos desenvolvimentos da sociedade americana, em primeiro lugar, e das sociedades ocidentais em seguida. E agora, nos anos 90, sua abrangência se torna por fim mundial. Ela pode enfim penetrar em mercados que antes lhe eram vedados, como o Leste Europeu.

Esses desenvolvimentos são bem conhecidos: as massas populares urbanas e de uma parte dos campos têm acesso a novos padrões de vida, entram progressivamente no universo do bem-estar, do lazer, do consumo, que era até então o das classes burguesas. As transformações quantitativas (elevação do poder aquisitivo, substituição crescente do trabalho da máquina pelo esforço humano, aumento do tempo de lazer) operam uma lenta metamorfose qualitativa: os problemas da vida individual, privada, os problemas da realização de uma vida pessoal se colocam, a partir daí, com insistência, não mais apenas no nível das classes burguesas, mas da nova camada salarial em desenvolvimento. A cultura de massa se constitui em função das necessidades individuais que emergem. Ela vai fornecer à vida privada as imagens e os modelos que dão forma às suas aspirações. Um gigantesco impulso do imaginário em direção ao real tende a propor mitos de auto-realização, heróis modelos, uma ideologia e receitas práticas para a vida privada. Se considerarmos que, de hoje em diante, o homem das sociedades ocidentais orienta cada vez mais suas preocupações para o bem-estar por um lado, o amor e a felicidade por outro, a cultura de massa fornece os mitos condutores das aspirações privadas da coletividade.

É porque a cultura de massa se torna o grande fornecedor dos mitos condutores do lazer, da felicidade, do amor, que nós podemos compreender o movimento que o impulsiona, não só do real para o imaginário, mas também do imaginário para o real. Ela não é só evasão, ela é ao mesmo tempo, e contraditoriamente, integração.

O filme em dado momento faz uso de uma citação de outro filme, A Um Passo da Eternidade, referência marcante para a geração de Arnaldo Jabor. Um diálogo (ausente do filme) é encenado pelos dois personagens do filme de Jabor, pouco depois que um deles afirma que o “amor é invenção do cinema americano para faturar”:

Tenente Williams: - Quero te dizer que vou para Tóquio, senhorita Bellaway. Mas sempre lhe amei!

Senhorita Bellaway: - Você vai embora, tenente Williams?

Tenente Williams: - Vou, vou e estarei de volta, e faremos um rancho no Tenesee! (...)

Senhorita Bellaway: - Oh, tenente Williams, eu te esperarei até o fim da guerra! Meu amor, estamos a um passo da eternidade!

Esta encenação é um exemplo da promoção em torno das divindades da cultura de massa, os olimpianos modernos. Esses olimpianos não são apenas os astros de cinema, mas também os campeões, príncipes, reis, play-boys, exploradores, artistas célebres, Picasso, Cocteau, Dali, Sagan. O olimpismo de uns nasce do imaginário, isto é, de papéis encarnados nos filmes (astros), o de outros nasce de sua função sagrada (realeza, presidência), de seus trabalhos heróicos (campeões, exploradores). Os novos olimpianos são, simultaneamente, magnetizados no imaginário e no real, simultaneamente, ideais inimitáveis e modelos imitáveis; sua dupla natureza é análoga à dupla natureza teológica do herói-deus da religião cristã: olimpianas e olimpianos são sobre-humanos no papel que eles encarnam, humanos na existência privada que eles levam. Um Olimpo de vedetes domina a cultura de massa, mas se comunica, pela cultura de massa, com a humanidade corrente.

A importância desta citação no filme é que ela desconstrói e satiriza os protagonistas do filme norte-americano como mitos de auto-realização da vida privada. De fato, os olimpianos, e sobretudo as estrelas, se beneficiam da eficácia do espetáculo cinematográfico, isto é, do realismo identificador nos múltiplos gestos e atitudes da vida filmada, são os grandes modelos que trazem a cultura de massa e, sem dúvida, tendem a destronar os antigos modelos (pais, educadores, heróis nacionais).

Eu Sei Que Vou Te Amar é pontuado pela imagem do casal protagonista se abraçando na praia, entre as ondas, realizando finalmente o mito de auto-realização visto na tela do cinema. No final do filme, Jabor tende a fazer um apoteótico final de festa, é como se os problemas fossem jogados para o alto, dissolvidos e esquecidos num frenesi dionisíaco.

Uma olimpiana que simboliza a nova mulher que Hollywood mitificou no Segundo Pós-Guerra é Marilyn Monroe. A referência é colocada num novo contexto em que obtêm um novo sentido:

- Uma vez...rondando pela noite...eu peguei uma mulher na rua...linda...loura...igual a Marilyn Monroe...levei pro motel, na hora...cheguei lá e vi que era um travesti...lindíssima...e aí...eu fiz ela me comer...eu fui comido pela Marilyn Monroe!!! Eu olhava no espelho e via a Marilyn Monroe me beijando pelas costas...eu...um pai de família brasileiro...um homem de bem...graças a Deus...dei para a Marilyn Monroe...dei e tinha um homem mau morrendo em mim...eu via o cabelo de ouro no espelho...a unha vermelha...e tinha um homem mau morrendo em mim...morrendo...morrendo...um macho canalha morrendo em mim...e eu... campeão de vôlei...forte...morria...e eu me sentia livre...graças a Deus...uma vedete...um Cristo de classe média...uma vedete crucificada...ahhh...de dia eu era marido...de noite...meu verdadeiro nome era Cristina e eu fazia trottoir pelas ruas do Brasil!!!

A falta de sintonia entre estes dois universos torna a relação homem/mulher um encontro/desencontro, um estranhamento seguido de súbitos sinais de que há uma possibilidade de contato.

A relação entre o mundo masculino e feminino exige tanto esforço que o filme a mostra parecida com a relação entre um venusiano e um marciano - Arnaldo Jabor arma um diálogo para ilustrar esse embate:

- Nós dois somos vítimas de uma doença extraterrestre e temos de nos curar, você e eu pegamos uma doença gelatinosa que nos agarra um no outro, uma gosma do ET, uma gosma que nos une, e a gente quando se junta vira uma geléia, uma terceira pessoa, a gente tem de se salvar um do outro; pelo amor de Deus me salva de você e pelo amor de Deus te salvo de mim...

- Acabou?

- Se salvar um do outro...

- Chega!

- Temos de matar este amor...

- Cala a boca!

O personagem masculino, anônimo no livro(elaborado a partir do roteiro) e anônimo no filme, exerce a profissão de publicitário. O filme é a fábula do casal em transe num mundo onde a comercialização da sexualidade e dos sentimentos é a regra. Thales Pan Chacon é assombrado por fantasias ‘comercias’:

(...) Você virou uma mulher enorme, cresceu feito um anúncio, você ficou do tamanho do quarto e eu fiquei pequeno, um menino, eu fui diminuindo e você crescendo (...).

A linguagem da propaganda do sabão OMO é satirizada a seguir. O comercial de sabão em pó vende também uma idéia de harmonia e felicidade no lar, criando artificialmente assim uma atmosfera para fazer a apologia do produto a ser consumido - e assim iludindo o freguês de que é possível consumir também a harmonia e a felicidade; o texto trabalha a questão da seguinte forma:

E a senhora, dona fulana, responda que ganha vinte caixas de detergente OMO, o que lava mais branco!...Fez o teste da janela? Fiz, sim senhor...e então, dona fulana? Meu marido é um sujo...Muito bem...e a senhora? Eu...eu lavo mais branco...eu sou pura e branca!...Muito bem...é isto aí! Seis anos para chegar a esta conclusão. Aliás, chega! Não agüento mais este papo...

O tempo da tecnociência, da cibernética e dos robôs também influi no discurso amoroso do filme, que se utiliza do espelho para refletir a realidade desta sociedade tecnológica. No monólogo frente ao espelho, a solidão narcísica da sociedade de consumo é mostrada:

Minha cara no espelho...

- Boa noite, senhor, que lhe aconteceu? O senhor está transtornado!...

- É o seguinte, amigo transeunte espelhar, eu era feliz, um robô feliz, ordeiro na minha mediocridade, até que uma mulher replicante fez isso comigo, uma mulher biônica chamada Cármen, uma batedeira de ovos que evolui!...

- Não brinque comigo, robô!!!Diga seu número de série! Over!

- Meu número de série é 2447 e fui construído em 1949 pelo engenheiro sul-vietnamita Fuck Ya...Meu nome é Daisy...Would you like to hear a song?

- Yes, Daisy!!! sing it to me!!! - Daisy, Daisy, give me your answer, do, I go crazy just for the love of you...

Em outro trecho surge um personagem lendário, mais próximo no entanto do imaginário carioca:

Vou-me embora desta casa e sair por aí, como vai ser bom eu sair por aí, vou pela praia molhando os pés...até o Leblon...andar pela praia até o Leblon...encontrar o Tom Jobim...se o Tom Jobim se apaixonasse por mim poderia me salvar...me salvaria desta merda...e eu diria: ‘Querido...o Tom me ama...e como você é inferior a ele hierarquicamente na escala da humanidade, como ele compôs músicas lindas como Lygia e tua obra-prima é aquele jingle em que a gelatina Royal dança um samba com o pudim Royal...eu irei com ele...fique, seu medíocre...’

Observo neste filme a presença de mitos, lendas, de um imaginário que emerge através da publicidade e do cinema, principalmente. A análise de trechos do texto mostra, como dizia Mircea Eliade, que:

A vida do homem moderno fervilha de mitos semi-esquecidos, hierofanias decadentes, de símbolos esvaziados de sua finalidade. A dessacralização ininterrupta do homem moderno alterou o conteúdo da sua vida espiritual mas não quebrou as matrizes da sua imaginação: todo um resíduo mitológico sobrevive nas zonas mal controladas.

Edgar Morin reitera:

Ao redor das antigas aldeias os homens projetavam seus fantasmas: lugares malditos, anaons, fogos-fátuos, espíritos; a noite pululava de fantasmas. Ao redor das grandes cidades industriais, a franja projetiva é constituída pelos acidentes e os crimes dos fatos variados. As noites são iluminadas, tranqüilizadoras. Os fantasmas em toda parte presentes, dia e noite, modificaram sua natureza (...) A civilização é uma fina película que pode solidificar-se e conter o fogo central, mas sem apagá-lo. A civilização do conforto pacífico, da vida sem riscos, da felicidade que quer ignorar a morte, será que constitui uma crosta cada vez mais sólida abaixo das energias dementes da espécie? Ainda aqui a resposta é dupla. Se, de fato, a superfície se endurece e torna a se fechar sobre o fogo central, então a pressão interna se decuplica. Que a crosta venha a se romper, e os monstros quebrando suas correntes, farão irrupção, não mais sobre as telas e os jornais, mas em cada um de nós. Todas as experiências nos provam que ninguém está definitivamente civilizado: um pequeno burguês pacífico pode tornar-se, em condições dadas, um SS ou um carrasco; a guerra das nações civilizadas é, pelo menos, tão odiosa, atroz, implacável, como as guerras das sociedades primitivas. A cultura de massa nos entorpece, nos embebeda com barulhos e fúrias. Mas ela não nos curou de nossas fúrias fundamentais. Ela as distrai, ela as projeta em filmes e fatos variados. (MORIN)

O Guarani, Uma Metáfora do Cinema Brasileiro

Peri é o cinema brasileiro hoje. Neste filme o selvagem com alma de nobre volta para nos assombrar. Ainda somos índios de terno e gravata. Assim como Norma procurou para seu filme um passado do qual quase nada resta, do cinema novo dos anos 60 pouco vamos encontrar hoje em dia. Os filmes brasileiros andam tentando conquistar público e não estabelecer um laço de continuidade de cultura cinematográfica do passado.

Norma tentou filmar um velho romance e acabou trazendo à tona o drama brasileiro atual, que continua pouco diferente do de Peri. O Brasil está ainda na mesma situação de Peri, tentando agora conseguir o reconhecimento de europeus e norte-americanos. Só que não basta imitar sua linguagem e satisfazer seus caprichos. Não temos a alma pura e a pele clara o suficiente para sermos aceitos de igual para igual. O Guarani representa nossa nacionalidade assim confusa, com problemas de auto-afirmação, subserviente, prestes a entregar tudo em troca dos espelhinhos de Miami. O Guarani, selvagem com alma de nobre, é tão agradável aos poderosos quanto o “preto de alma branca”.

O índio e o cinema brasileiro querem ser aceitos, mas a Disneylândia não deixa. Mickey Mouse herdou o trono de Portugal. Não admira, neste contexto, que o crítico de Veja arrebente com o filme. Veja é a revista do leitor médio, de cultura média, de classe média. O que acontece é que Veja é a revista dos donos de mico em feira de subúrbio. Todos são doidos para morar em Miami, numa sociedade de consumo de verdade. Mas são obrigados a viver aqui, em meio ao subdesenvolvimento, eles que já são pós pós. Por isso os maus tratos. Estamos vivendo uma verdadeira Disneylândia do Absurdo, um parque de miséria. Por isso a grosseria e o cafajestismo. Pior do que O Guarani é O Quatrilho, que nos reinventa para nós mesmos, traduzindo o governo FHC em imagens.

Daniel na Cova dos Leões

Cena 1

Indivíduo observa pela janela. O sujeito é visto da rua. Ext/dia.

Cena 2

A câmera toma a posição do homem que observa. Ela se dirige para fora. Ext/dia.

Cena 3

Casas no subúrbio. GPG. Ext/dia.

Cena 4

A câmera focaliza uma casa somente. Plano geral. Ext/dia.

Cena 5

A câmera observa um casal saindo da casa. Plano médio.

A voz em off:”Eu sempre quis varrer deste mundo os latidos.”

Cena 6

Um cão segue o casal até a porta, Avellar o fecha dentro da casa. Ouvem-se latidos.

Cena 7

Rosto de um homem idoso, claramente marcado pelo desgosto. Ele repete obsessivamente: “Ô cão do inferno! A noite inteira ele late. Late demônio, sempre está latindo, o desgraçado!” Int/dia.

Cena 8

Corta. Imagem de uma mão atirando um pedaço de carne para o outro lado do muro. Ext/dia.

Cena 9

Imagem de um gato. A voz em off comenta, alterada: ”Quem comeu a carne envenenada foi um gato! Um gato! Por mim quem matasse um gato deveria ser levado ao patíbulo!” Ext/dia.

Cena 10

O rosto do velho entra em close. Destaque para sua face torturada, obcecada. Ele sorri entre dentes: “Até que numa noite fizeram por mim a tarefa que eu sempre quis fazer.”

Cena 11

O casal está chegando em casa numa noite. Avellar abre a porta. O cão se aproxima. Plano americano.Int/dia

Cena 12

Close para o rosto de Avellar, aturdido, assombrado. Corta para a boca do cachorro, também em close.Int/dia.

Cena 13

Rosto da mulher desesperada (close)

Cena 14

Flashback do bebê sendo abraçado pela mãe. A homem o abraça, satisfeito.

Cena 15

Penduricalhos balançam no quarto vazio do bebê, por trás se vê uma janela. Plano médio.

Cena 16

Os pais são mostrados saindo, fechando as janelas e deixando o bebê a dormir. O cachorro é mostrado solto. O moço é jovem, ela é adolescente.

Cena 17

Flashback: Uma senhora esbraveja, os dois moços estão num sofá, cabisbaixos. A senhora grita: “Meu Deus! Você, Avellar, cresceu aqui na vizinhança! Você é um irresponsável! Agora vocês têm de se casar!” Int/dia. Plano médio.

Cena 18

A moça está caída no sofá,inerte, chocada. Avellar está debruçado sobre ela. Plano médio. Int/dia

Cena 19

Close do rosto transtornado de Avellar.

Int/dia.

Cena 20

A voz em off do homem idoso comenta: “Avellar resolveu cobrar o sangue do filho. Olho por olho, dente por dente”. Int/dia. Avellar é mostrado em plano médio.

Cena 21

O homem corta as unhas tranqüilamente.Plano médio, int/dia.

Cena 22

Close de uma unha sendo cortada repentinamente.

Int/dia.

Cena 24

Avellar dando vários tiros. Plano americano.

Int/dia.

Cena 25

A câmera se desloca, saindo rapidamente para a rua. Int/dia para Ext/dia. Ouvem-se ganidos de cão e uma voz em off comenta:”O tempo dos latidos chegou ao fim, afinal.”

Cena 25

Close do sangue escorrendo pelo chão.Int/dia.

Cena 26

A mulher entra na sala gritando.Avellar está perplexo. Plano geral. A câmera se aproxima lentamente, acabando por fixar um close no rosto do bebê, que chora insistentemente.

Int/dia.

Cena 27

Avellar entra no quarto do bebê, encontrando um corpo ensangüentado junto à janela, que está arrombada. Plano médio.

Cena 28

A voz em off comenta:”O ladrão morreu pelas dentadas do cachorro. O cão morreu pelas dentadas da humanidade.” Grande plano geral novamente, ext/dia. Casas no subúrbio.

Observação de Plano/ Ação/ Áudio / Duração

1. Plano conjunto / quadro/trilha/ 3 segundos

2. Plano detalhe /objetos /trilha/ 6 segundos

3. Contraplano /homem observa pela janela/trilha/ 3 segundos

4. Câmera subjetiva

Zoom in /casas do subúrbio/ trilha/ vinte segundos

casal saindo, casa de Avellar

5. Close up / cão acariciado por Avellar/ som ambiente/ 3 segundos

6. Plano conjunto/ Avellar fecha a porta/ latidos/ dois segundos

7. Plano detalhe / mão de Avellar tranca a porta/ som ambiente/dois segundos

8. Plano conjunto/ cão latindo/ voz em off/ dois segundos

9. Close up /Rosto do homem/”Ô cão do inferno! A noite inteira ele late. Late demônio, sempre está latindo, o desgraçado!”/três segundos

10.Panorâmica vertical/muro/trilha/dois segundos

11.Plano detalhe/ mão atira carne/ latidos/ dois segundos

12.Câmera subjetiva(alta)/gato freezado/”Quem comeu a carne envenenada foi um gato! Um gato! Por mim quem matasse um gato deveria ser levado ao patíbulo!”/ três segundos

13.close up/ rosto do homem/“Até que numa noite fizeram por mim a tarefa que eu sempre quis fazer.”/três segundos

14.contraplano/ casal na igreja/ trilha/ três segundos

15.Plano conjunto/casal chega em casa e o cão se aproxima, fazendo festa./ trilha/ três segundos

16.Plano americano/ homem de lado atirando/ som dos tiros e ganidos de cão/ cinco segundos

17.Primeiríssimo plano/ mulher gritando, fusão com o quadro O Grito, do Edvard Munch/ cinco segundos.

18.Plano médio/mulher com bebê no colo, Avellar a abraça/ silêncio/ cinco segundos

19.Plano detalhe/ móbile do quarto do bebê e janela ao fundo/ silêncio/ três segundos

20.Plano médio/Avellar fecha janela do quarto/silêncio/ três segundos

21.Contraplano/Mulher fecha cortinado do berço/ silêncio/ dois segundos. Avellar repete, ao fundo, a ação de fechar janelas

22.Câmara alta (subjetiva)/ bebê dormindo (backlight)/som do móbile/ dois segundos

23.Plano conjunto/ quarto do bebê, cão em primeiro plano/silêncio/três segundos

24.Câmera alta, primeiro plano/ casal adolescente no sofá./“Meu Deus! Você, Avellar, cresceu aqui na vizinhança! Você é um irresponsável! Agora vocês têm de se casar!”.../cinco segundos

25.Close up/ Avellar transtornado/Avellar resolveu.../ cinco segundos

26.Plano vertical/ sangue escorrendo/ trilha/ cinco segundos

27.Plano médio/ mãe acalenta bebê/ choro de bebê/ cinco segundos

28.Plano detalhe/pernas de Avellar e corpo caído, ensangüentado/trilha/cinco segundos

29.Plano geral/casas no subúrbio/ trilha e voz em off: ”O ladrão morreu pelas dentadas do cachorro. O cão morreu pelas dentadas da humanidade.”/cinco segundos

As Felicíssimas Esquinas de João Evangelista

Imagem Áudio Plano

João lendo som plano

um poema ambiente médio

Interior da música de Gilvan plano

casa de Oliveira americano

(acompanhando João)

João mostra

fotografias close

J. lendo outro

poema ou crônica fundo de música close

clássica

Imagem da cidade

de Belo Horizonte voz de João em off

falando de sua trajetória grande

plano

geral

Rosto de João,

enquanto ele fala de

sua trajetória som ambiente plano americano

A Volta do Cinema Catástrofe

O todo poderoso cinema de Hollywood demonstra, nos anos 90, a clara preponderância de uma vertente: o cinema catástrofe. O gênero nasceu em meio à Guerra Fria, nos anos 50, e ajudou Hollywood a reconstruir sua hegemonia, abalada na década de 60 pela popularização da televisão.

No filme Titanic (1998, direção de James Cameron), o arrasa-quarteirões de maior bilheteria da indústria cultural norte-americana, o tema é o navio afundado como símbolo dos amores que já foram destruídos. A dor e a delícia do casal é adoçada com orçamento milionário, música melosa e efeitos visuais mirabolantes. Neste produto da cultura de massas, o amor idealizado romanticamente abole a diferença de classes. A androginia fica por conta do face púbere de Leonardo Dicaprio. O rapaz representa com freqüência o papel de jovem, belo e rebelde – um rebelde absolutamente sem causa. Se em Rebel Without a Cause (1956, direção de Nicholas Ray), James Dean simbolizava a juventude americana do pós-guerra, confusa em sua identidade, afásica e violenta, Dicaprio significa uma continuidade daquela rebeldia. Mas hoje, no entanto, sua rebeldia é apenas um ritual sagrado de transgressão. Dicaprio oscila entre Rimbaud e um modelo de roupas, e sua beleza é uma armadilha para ambos os sexos.

Dicaprio, o centro oscilante do navio, está ancorado em muitas outras ambigüidades: a abordagem de pseudo-documentário que marca a obra, o “neón-realismo”, a sua pose de herói problemático. Titanic afasta-se do primarismo de Guerra nas Estrelas e do cinema-videogame de Spielberg – pero no mucho. Seu realismo é dosado, é minimamente calculado. A tragédia do Titanic em 1910 marcou o século pela flagrante reversão de expectativas. O século começou num clima de otimismo, e termina com a falência do humanismo, com a crise da razão, dos valores e das hierarquias, dando uma sensação de fim de mundo, de morte de uma cultura. Antes do fim, Dicaprio grita eufórico: “Eu sou o rei do mundo!” e James Cameron ecoa este grito no momento da entrega do Oscar. Esse grito, saído da garganta de Roliúde, festeja a vitória da América do Norte no século XX. O grito de gozo seguido do doloroso naufrágio relativiza, no entanto, tal sucesso. Mas o aplauso das massas vem quase mecânico. E até a crítica cai de joelhos, diante de tanto poder. Aqui em Belo Horizonte mesmo há a revista Clap, especializada no cinemão americano, que desde o título já entrega o seu conteúdo subdesenvolvido e deslumbrado.

Em Titanic há a dramatização de um naufrágio anunciado. Mas é também explorada uma nostalgia. O cenário é a Belle Époque, o período em que a civilização européia chegou ao apogeu, entre 1870 e 1914. A beleza da arte desta época, o cavalheirismo, as boas maneiras, a nobreza da orquestra que toca até no caos, o capitão que afunda com seu navio, como manda a tradição, a prioridade dada às mulheres e crianças, também de acordo com o figurino, tudo isso se perdeu em meio aos extremos do século XX. Nas catástrofes de hoje, vale Darwin: só os fortes sobrevivem.

O Corte

Plano de conjunto: a lagoa da Pampulha

Plano médio: pessoas mascaradas dançam

Plano americano: um dos mascarados se revela e grita: por que não um plano Cristo? Uma moeda Cristo?

Primeiríssimo plano: uma das figuras grita, imitando o quadro de Munch.

Plano médio: os três mascarados erguem tesouras e facas e simulam o corte dos painéis na Fafich e na prefeitura.

Primeiro plano ou plano conjunto: trem fantasma do Mangueiras.

Plano médio: mascarado simula cortar o painel da prefeitura da UFMG

Cenas do interior do trem fantasma

Primeiro plano ou plano detalhe: mascarado se mostra e fica cortando imagens dos estudantes do Borges. Repete: Borges Herzegovina, do neoclássico ao neohippie! Recita trechos desconexos do texto. Corta o texto também, por fim.

Figura fantasiada avança para o primeiro plano, brandindo a nota de um real, ameaçando cortar a câmera: quando eu filmar a odisseya, convidarei o professor Fernando Henrique Cardoso para o papel de sedutor, embora não saiba se o pryncype topa contracenar nu com Ariadne no labyrynto do Cebrap.

Mascarado simular cortar o painel de Portinari na reitoria. Música: Villa-Lobos.

Tesoura em close, perto de uma flor, cortando pétalas. Música de Villa-Lobos.

Tela escurece. Barulho de tesoura. Sobe um trecho da carta testamento de Getúlio Vargas.

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