Lendo o artigo de Pondé na Folha sobre a produção acadêmica ("Um Relatório para a academia"), faço algumas observações: o artigo inicia-se respondendo a uma pergunta de Clóvis Rossi, se a burocracia asfixia e o desinteresse assola os alunos nas universidades brasileiras, assim como na Espanha.
Pondé diz que é isso e muito mais. Não nos esqueçamos que Pondé veio substituir Nelson Ascher. Se aquele era Bush escancarado, Pondé é seu continuador, mas é dono de um discurso cirúrgico, cheio de matreirices, cheio de circunlóquios. Logo de início, ele diz que, quando entrou a "gente sem posses", ou seja, a classe média na academia, a decadência foi inevitável. Gentalha, gentalha. Não deveríamos criticar políticos e propor saídas e não "gentes"? Se foi assim no passado, assim é no presente e também deve ser no futuro, afinal, entrou pequeno-burguês, desmancha-se a rodinha dos ricos. Não deveria ser "gente com pequenas posses"? Afinal, a classe média compõe-se de pequenos burgueses e não proletários...
Mas logo a seguir, ele escreve que, com a classe média entrando, tudo adoece, como se essa classe social fosse portadora de uma AIDS ou H1N1 mental. O antigo cenário, com a "zelite" travando tertúlias sobre o Padre Vieira em latim ou fazendo troca troca em francês, torna-se, instantaneamente, um paraíso perdido ao qual não se pode retornar, aliás uma imagem bem recorrente em muitos discursos conservadores.
Mas a questão, que deveria ser democratização versus massificação, vira, logo a seguir, proletarização versus elitização. E Pondé não deixa claro se o artigo em questão é uma sociologia de classes sociais ou das mentalidades. Mas o ponto onde quer chegar revela-se quando parafraseia uma citação de Marx, tirada de uma das Teses sobre Feuerbach, que assume conotação pejorativa. Criar um mundo melhor, ascender socialmente, transformar o mundo, melhorar de vida, tudo se derrete na geléia geral brasileira que a Folha Ilustrada anuncia...
Ao contrário de existir luta de classes, na universidade, na linha de raciocínio de Pondé, existe aliança de classes em favor da mediocridade: quem busca ascensão social alia-se a quem quer fazer curso de Informática ("inclusão digital"?) para melhorar de vida, tudo em prol da classe média. Já pensou se, essa gentinha, em sua busca de ascensão social marxista, ainda por cima fizer um BLOG? São Andrew McQueen que nos proteja!
Assim, na ambiência de modernidade covarde da pequena burguesia, todos dão-se as mãos e cobram maldosamente dos acadêmicos de Teologia que produzam algo além de tratados metafísicos catando piolho nos Padres da Igreja! Ah! Que queimem todos no fogo do inferno!
E classe média, nesse texto de Pondé, vira sinônimo de carreirismo, asfixia burocrática, cálculos para manter o emprego. Logo em seguida, ele inventa um estranho curso de graduação: "Gestão de Favelas". O Rio de Janeiro está com cada curso, hein? Aonde está sendo oferecido esse curso, Pondé, na Estácio de Sá?
Penso que Pondé não se oporia, em tese, à "gestão de negócios". No mundo de Pondé não existe luta de classes, tudo se irmana, tudo se une em torno da mediocridade e da pequena burguesia. Mas nós todos (somos muito lúbricos, muito pecadores, nós, acadêmicos?) vamos para o inferno, pondera Pondé; o pior é que os gestores de favela acreditam que não. E isso, seguindo a linha de raciocínio do Pondé, deve ser um pecado ainda pior, passível de castigo aqui na Terra. Ajoelhem no milho do PAC, Programa de Aceleração do Currículo da Dilma! Será que posso exemplificar assim: Gestor de favela: Lula? Gestor de negócios: FHC? Ficaria muito errado, professor Pondé?
Curioso acontece quando a esquerda refuta esse discurso dos resultados na universidade. A resposta vem em um tom bem diverso, com sabor neoliberal: os acadêmicos não produzem, são vagabundos sustentados pelo estado, são guevarinhas mimados, doutrinados, etc. Esse tipo de xingamento ideológico à la Reinaldo Azevedo que já conhecemos. Mas quando alguém, digamos assim, saudosista de um paraíso perdido, atenta para isso, provavelmente será tido pelos Clóvis Rossi da vida, companheiros de redação de Serra, como exemplo de lucidez. Nada de colocar preservativos em bananas com a boca, nada de preconceitos sujos. Querem um mundo sem elites, sem sombra e água fresca?
E o artigo que começou com Russell Kirks decola facilmente para Kafka: do pesquisador estatístico americano para a literatura do absurdo. E o debate, que deveria ser entre democratização e massificação, já está bem longe, longe, voando quase no céu.
Mas a introdução de Kafka dá lugar a uma imagem ainda mais surpreendente: a do professor que é recém-homem, ex-macacaco há pouco, provavelmente fazendo macaquices para sua platéia de alunos-playmobil. O que ele traz de sua antiga condição de macaco? Será a descrença e o não cultuar a Deus, como o fazem todos os animais? Será que o jovem professor é criacionista ou evolucionista? Contra ou a favor das cotas? É uma imagem que Pondé poderia ter desenvolvido mais, para que fosse melhor compreendida...
E por fim, ele fala que a academia virou circo ou show de variedades. Ao quê ele se refere? Nunca vi acrobata burocrata, nem palhaço escrevendo relatório de suas palhaçadas. Se assim fosse, não existiria tédio, nem desinteresse, nem asfixia -- e sim acrobacia burocrática, não é não? O quê será que Pondé esperava, ver Gianotti batendo palmas em meio a focas, Marilena Chauí cuspindo fogo?
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