O
livro de Carlos Marcelo (Renato Russo, o
Filho da Revolução) é um estudo de 400 pgs (Ed. Agir, 2008), um estudo
enciclopédico e muito bom. O título, no entanto, é problemático. E merece uma
explicação.
Era comum dizer-se que a geração 68
era a geração dos filhos de Marx e da Coca-Cola, opondo-se à geração que viveu
a Segunda Guerra Mundial e querendo abolir suas dicotomias. Era geração 45
versus geração 68. A geração que viveu a guerra e combateu o fascismo reivindicava
autoridade diante dos jovens, que passaram a chamar indiscriminadamente
qualquer um de fascista. Curiosamente, o texto de Carlos Marcelo registra uma
certa herança de Renato Russo nesse sentido, quando ele tende a chamar os
jovens universitários que gostavam de MPB e rejeitavam o rock de fascistas. A oposição entre MPB e rock, combatida pela
tropicália, continuava a existir. Renato nunca a pautou de forma explícita, mas
na biografia é bem evidente que Renato pouco se interessou por música
brasileira, com exceção de Chico Buarque e Clube da Esquina.
A canção Geração Coca-Cola chega
justamente para falar de uma geração onde o “Marx”, o socialismo, estaria
excluído. Sobrava só a indústria cultural norte-americana mesmo. Havia, na
imprensa, no início dos anos 80, um debate sobre os filhos espirituais da
ditadura. Naquele tempo, os jovens jamais tinham vivido, diferente da geração
68, um período democrático, tinham tido toda sua formação sob a ditadura. A
indagação era sobre como seria o Brasil dali por diante, com esses jovens. A
expectativa é que, como o país, tivessem internalizado profundamente a ditadura
militar.
A canção de Renato busca responder
de forma agressiva e contundente a essa pergunta. Ele usa o termo “revolução”
para referir-se ao golpe militar de 64: ele avisa que os jovens não são “Deus-pátria-família”,
como esperavam os adeptos da ditadura, mas sim “burgueses sem religião” que
irão “fazer comédia no cinema com suas leis” e irão “derrubar reis”, ou seja,
também seriam capazes de revolucionar.
A ideia é que o rock punk seria a
resposta contestatória, dentro da própria indústria cultural, ao fato de nossa
geração (a que cresceu vendo TV quando a TV era como a internet de hoje),
consumir doses grandes da indústria cultural dos USA, o que curiosamente deixa
parecer que Renato não era formado justamente pela TV, por séries
norte-americanas como Elo Perdido, ou
que fosse radicalmente contra a indústria cultural e o imperialismo
norte-americano. A indústria cultural hoje varreu a crítica e não fez jus às
esperanças de Renato, digamos assim. Justamente devido à polarização entre a
ditadura militar e a resistência, houve aberto espaço para o tipo de crítica
social que a banda fazia, espaço crítico esse que, no Brasil de hoje, podemos
assim dizer reaberto pelas manifestações de junho de 2013, mas que ainda não
teve expressão à altura na cultura.
Renato
chegou a se dizer anarquista, assim como não acreditava em partidos, mas votava
no PT (!). A posição política dele ficou diluída em meio painel que Carlos
Marcelo buscou criar. O painel do texto é corretíssimo num certo sentido: Renato,
embora seja hoje um mito, na época estava longe de ser um consenso. A banda Engenheiros do Havaí tinha até mais sucesso
e teve maior aceitação, além de ter gerado uma rivalidade entre ambos que quase
não é lembrada.
Por
isso, é uma grande incompreensão que jovens de hoje utilizem-se dessa passagem
e coloquem cartazes, como ocorreu em junho de 2013, dizendo-se “os filhos da
revolução”. Verifica-se enorme simpatia e permanência da banda entre os jovens.
Igor Mendes, jovem preso político preso pela primeira vez depois das
manifestações da Copa e desde então perseguido, é, segundo li no jornal A Nova Democracia, fã de Legião Urbana.
Eu dedico essa postagem a ele.
Liberdade para os presos políticos!
Viva o Movimento Estudantil Popular Revolucionário!
Por uma nova democracia!
2 comentários:
Quando você diz que o Renato Russo era filho da contrarrevolução, você quer dizer que ele não era tão revolucionário quanto os seus fãs acham que ele era?
Oi, Felipe. Falar que é filho da revolução causa confusão. Ele estava debochando do termo revolução de 64. No livro do Carlos Marcelo há pelo menos uma canção em que ele escreve que, nesse país, "revolução é golpe militar".
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