segunda-feira, 12 de janeiro de 2015

Renato Russo, o Filho da Contrarrevolução






O livro de Carlos Marcelo (Renato Russo, o Filho da Revolução) é um estudo de 400 pgs (Ed. Agir, 2008), um estudo enciclopédico e muito bom. O título, no entanto, é problemático. E merece uma explicação.
            Era comum dizer-se que a geração 68 era a geração dos filhos de Marx e da Coca-Cola, opondo-se à geração que viveu a Segunda Guerra Mundial e querendo abolir suas dicotomias. Era geração 45 versus geração 68. A geração que viveu a guerra e combateu o fascismo reivindicava autoridade diante dos jovens, que passaram a chamar indiscriminadamente qualquer um de fascista. Curiosamente, o texto de Carlos Marcelo registra uma certa herança de Renato Russo nesse sentido, quando ele tende a chamar os jovens universitários que gostavam de MPB e rejeitavam o rock de fascistas. A oposição entre MPB e rock, combatida pela tropicália, continuava a existir. Renato nunca a pautou de forma explícita, mas na biografia é bem evidente que Renato pouco se interessou por música brasileira, com exceção de Chico Buarque e Clube da Esquina.
            A canção Geração Coca-Cola chega justamente para falar de uma geração onde o “Marx”, o socialismo, estaria excluído. Sobrava só a indústria cultural norte-americana mesmo. Havia, na imprensa, no início dos anos 80, um debate sobre os filhos espirituais da ditadura. Naquele tempo, os jovens jamais tinham vivido, diferente da geração 68, um período democrático, tinham tido toda sua formação sob a ditadura. A indagação era sobre como seria o Brasil dali por diante, com esses jovens. A expectativa é que, como o país, tivessem internalizado profundamente a ditadura militar.
            A canção de Renato busca responder de forma agressiva e contundente a essa pergunta. Ele usa o termo “revolução” para referir-se ao golpe militar de 64: ele avisa que os jovens não são “Deus-pátria-família”, como esperavam os adeptos da ditadura, mas sim “burgueses sem religião” que irão “fazer comédia no cinema com suas leis” e irão “derrubar reis”, ou seja, também seriam capazes de revolucionar.
            A ideia é que o rock punk seria a resposta contestatória, dentro da própria indústria cultural, ao fato de nossa geração (a que cresceu vendo TV quando a TV era como a internet de hoje), consumir doses grandes da indústria cultural dos USA, o que curiosamente deixa parecer que Renato não era formado justamente pela TV, por séries norte-americanas como Elo Perdido, ou que fosse radicalmente contra a indústria cultural e o imperialismo norte-americano. A indústria cultural hoje varreu a crítica e não fez jus às esperanças de Renato, digamos assim. Justamente devido à polarização entre a ditadura militar e a resistência, houve aberto espaço para o tipo de crítica social que a banda fazia, espaço crítico esse que, no Brasil de hoje, podemos assim dizer reaberto pelas manifestações de junho de 2013, mas que ainda não teve expressão à altura na cultura.
Renato chegou a se dizer anarquista, assim como não acreditava em partidos, mas votava no PT (!). A posição política dele ficou diluída em meio painel que Carlos Marcelo buscou criar. O painel do texto é corretíssimo num certo sentido: Renato, embora seja hoje um mito, na época estava longe de ser um consenso. A banda Engenheiros do Havaí tinha até mais sucesso e teve maior aceitação, além de ter gerado uma rivalidade entre ambos que quase não é lembrada.
Por isso, é uma grande incompreensão que jovens de hoje utilizem-se dessa passagem e coloquem cartazes, como ocorreu em junho de 2013, dizendo-se “os filhos da revolução”. Verifica-se enorme simpatia e permanência da banda entre os jovens. Igor Mendes, jovem preso político preso pela primeira vez depois das manifestações da Copa e desde então perseguido, é, segundo li no jornal A Nova Democracia, fã de Legião Urbana.
Eu dedico essa postagem a ele.

Liberdade para os presos políticos!
Viva o Movimento Estudantil Popular Revolucionário!
Por uma nova democracia!



2 comentários:

Felipe disse...

Quando você diz que o Renato Russo era filho da contrarrevolução, você quer dizer que ele não era tão revolucionário quanto os seus fãs acham que ele era?

Revistacidadesol disse...

Oi, Felipe. Falar que é filho da revolução causa confusão. Ele estava debochando do termo revolução de 64. No livro do Carlos Marcelo há pelo menos uma canção em que ele escreve que, nesse país, "revolução é golpe militar".