Façamos uma análise da conjuntura
das eleições em Bom Despacho em 2016. Aqui, o PT não se aliou ao PSDB para
formar um polo contra a oligarquia mais tradicional que é chefiada por Haroldo
Queiroz (que se não me engano é PDT). Haroldo é parente do Coronel Robertinho,
oligarca local cujo poder político derivava da posse da terra, tendo alguns
traços semifeudais, portanto.
No entanto, atualmente Haroldo
Queiroz não tem fazendas, mas a família ainda tem algumas, assim como algumas
empresas. Na última eleição, seu grupo só perdeu porque dividiu-se entre os que
apoiaram Joice e Marco Túlio e os que apoiaram Vital. Na última eleição em que
se candidatou, Haroldo teve cinquenta por cento dos votos, e é, portanto, ainda
um forte postulante à gestão do velho estado.
Para compreender um sistema político
é preciso encontrar sua polarização. No
passado, a polarização era entre PSD e UDN. O PSD estava próximo de Dr. Roberto
Queiroz, filho do Coronel Robertinho e a UDN tinha um grupo composto por
Nicolau Leite e outros. A ditadura civil-militar aboliu esses partidos em 1965.
O
ex-prefeito Geraldo Simão recriou essa polarização a partir do MDB em 1966,
polarizando contra a Arena. A polarização passou a ser entre o grupo de Simão e
o outro grupo. Nos anos 90, o outro grupo passou a ser o grupo de Haroldo
Queiroz, situação cristalizada até hoje.
A
principal contradição no passado recente e hoje é entre a política local e a
federal. O grupo de Simão, Bertolino, Luquini e Vital implodiu nos anos 90,
enquanto no cenário nacional um grupo empresarial semelhante chegava ao poder
em 2001. A reorganização desse setor nunca foi completa: Simão afastou-se,
Vital ficou fora da gestão atual e Luquini associou-se a um “salvador da
pátria”. Sua característica é o oportunismo: sua ideologia implica em tomar o
que estiver mais à mão e busca transforma-se naquilo que for, naquele momento,
mais conveniente. Em termos de programa social, ele é corporativista: seus
gestos mostram que ambiciona que toda a sociedade seja composta harmonicamente
por membros de um mesmo corpo. Nisso ele tem a ver com a UNIPAC, universidade
na qual ele se formou e que já homenageou publicamente: corre a piada de que a
composição de cargos na universidade não é por mérito e sim se compõe de
“amigos, parentes e compadres”.
Na opinião percuciente de um
professor local, o líder do grupo burocrático tinha vindo para ser “um Haroldo
mais sofisticado, um Haroldo que ninguém vai pegar”. O líder é uma figura
complexa, multifacetada, cuja biografia mesmo é nebulosa. O que é certo é que,
depois algum tempo na marinha e exército, fixou-se em Brasília, onde criou uma
empresa de informática que prosperou durante o governo Collor. Como ele mesmo
admite ser deficiente físico (daltônico) ele entrou no Tribunal de Contas da
União em uma vaga de deficiente físico. No entanto, como teria sido possível
entrar na marinha ou servir o exército em plena ditadura militar, sendo um
deficiente físico?
E é pelo menos hilariante que um
deficiente físico viva exibindo-se, como alegou um intelectual de pensamento semifeudal,
“em gincanas no Saara”.
Esse mesmo intelectual semifeudal
explicou como supostamente foi feita a composição das secretarias dessa gestão:
são em boa parte pessoas que fizeram jogo duplo dentro de outras campanhas ou
agiram em prol do grupo burocrático em entidades (jornais, ONGs, entidades
organizadoras de debates) que deveriam
ser neutras.
Sobre a semifeudalidade, é bom
observar que não reuni elementos sobre zona rural. Sei que existe o latifúndio
moderno que é a fazenda Santa Helena, que possivelmente pode ilustrar a entrada
do capitalismo burocrático no campo. No mais, a economia rural é composta por
pequenos proprietários pobres e organizados em uma cooperativa que organizou
até mesmo um banco, mas posta politicamente sob a hegemonia do latifúndio, pois
já foi gerida por um aliado de Kátia Abreu. A produção de leite arruinou-se há
alguns anos, embora a região prossiga sendo bacia leiteira. No Mato Seco,
distrito da cidade, não há cobertura de celular, há poucas ruas asfaltadas e
nem o acesso não se faz por via asfaltada. Isso tudo encarece o preço da
produção. A parte urbana, concentrada no setor de serviços, é possivelmente
mais rica do que a zona rural.
Esse político parece de alguma forma exercer
influência sobre ele, tanto para o bem como para o mal: bonapartista,
personalista, exímio em utilizar o marketing político, por outro lado não sabe
trabalhar em equipe e aceitar críticas (elas facilmente o enfurecem,
principalmente se feitas publicamente).
A disputa política local, pendular
entre dois grupos oligárquicos, toma em 2016 a forma de disputa entre duas
famílias.
No passado recente, quando um promotor
afrontou o grupo de Haroldo, seu carro surgiu todo riscado. Já o grupo
burocrático não pratica violência dessa forma e sim indiretamente, através de
processos. Igualmente, não pratica nepotismo como Haroldo Queiroz: desde a
composição de chapa com o irmão, mostrou como colocar parentes de forma mais
sofisticada, mantendo-se dentro da lei. Esse é seu ponto forte: conseguiu
evitar escândalos de corrupção. Um dos casos mais efetivos foi denunciado por
Zé Ivo, vereador ligado a Haroldo: foram gastos sessenta mil reais em coxinhas
pela prefeitura, muito mais do que o dinheiro gasto na pediatria. E existe,
mais recentemente, uma chamada ao líder do grupo burocrático para depor na Operação Mainframe da Polícia Federal, em um processo por formação de cartel
em empresas de informática.
O ponto fraco do personagem e do
grupo é o personalismo excessivo, assim como um traço acentuado de vaidade, característico
dos intelectuais pequeno-burgueses em geral. Isso gera um óbice psicológico
(que também podemos chamar de burrice) e o leva a equívocos vergonhosos, como
quando elaborou um documento “acadêmico” defendendo que alimentos com validade
vencida podem ser consumidos. Sua tendência ao sofisma é insofismável. É
irritante até mesmo para os simplórios.
Outro ponto que enfraquece o líder e
ao grupo do setor “burocrático” é que ele vem acirrar todas as contradições: o
jornal local mais avançado foi jogado na aventura de apoiar um líder
personalista, permitindo que outro mais frágil (e ligado ao PSDB e a Vital)
ganhasse credibilidade; o PT local associou-se a um líder neoliberal e
privatizante convicto, atirando no atoleiro as poucas pessoas progressistas;
como a segurança pública local degradou-se em função da queda de nível de vida
das classes trabalhadoras, fruto do arrocho, essa degradação colou-se muito ao
atual gestor (cuja mentalidade de guarda-livros e sovinice anal-crematística
quase santifica o arrocho).
Numa cidade onde a cultura predominante é
muito ligada à PM, a proliferação de crimes gerou uma situação de pânico e
perplexidade gerais, mas cujos reflexos voltam-se contra a gestão em curso. Em
determinados períodos, ocorreu em média um homicídio a cada fim de semana.
Houve relatos de toque de recolher, tiroteios próximos a escolas, assaltos a
mão armada em postos de gasolina diante do batalhão da PM. Agora em 2016 a
situação parece ter melhorado, mas a violência urbana e rural é um problema que
veio para ficar.
Igualmente, o arrocho e a pressão
sobre o funcionalismo público realizadas pelo grupo burocrático tendem a
justificar e a embelezar a imagem do grupo de Haroldo, muitíssimo desgastada
devido a escândalos de corrupção, em boa parte denunciados pelo Jornal de Negócios (jornal em que o grupo
está encastelado) e pelo líder do grupo burocrático enquanto vereador.
O que Haroldo dizia em entrevistas
em rádio mostrou-se em boa parte como tendo embasamento. Ele chamava seu
adversário de “santanás”, “obcecado comigo”. Atualmente, o líder do grupo
burocrático processa um intelectual de pensamento semifeudal, supostamente
próximo a Haroldo, por preconceito religioso. Mas qual seria a religião em
questão, uma vez que o líder, pouco depois de tomar posse, teve até o púlpito
franqueado a ele na Praça da Matriz?
O
fato é que, pouco depois de eleito, o líder do grupo burocrático passou a dar
declarações muito semelhantes, em seu tom coronelístico, às do grupo
agro-exportador. O trato com o baixo escalão (formiguinhas e garis) foi ainda
pior do que o trato dado a estes por Haroldo. Foi relatado que a prefeitura
queria que os garis assinassem um contrato em que retirava direitos, mas os
garis, apoiados por um advogado de Belo Horizonte, mostrou as irregularidades,
fazendo que o funcionário responsável da prefeitura se retirasse envergonhado.
Eleito com apoio dos intelectuais, o
grupo logo conseguiu gerar tensões com esse setor, extinguindo a secretaria de
cultura logo nos primeiros meses de gestão (a secretaria voltou tendo à frente
uma figura altamente destrambelhada e sem ressonância ou liderança entre os
intelectuais). Como, após a posse, o líder colocou a face realista do arrocho,
disparou palavras duras contra professores e contra um músico local que
desejava fazer shows para a
prefeitura obtendo remuneração, sua base entre os intelectuais foi abalada, mas
não totalmente.
O líder deixou bem claro que, diante da
necessidade do arrocho advinda de Brasília, o amor pela cultura local foi
apenas uma forma de tomar o poder e não seria, de forma alguma, uma prioridade,
como não foi. O mesmo músico cobrou que o atual clube social fosse
transformado em casa de cultura e foi rechaçado. O clube foi retomado pela
prefeitura e tornou-se secretaria de saúde (a finalidade alegada foi economizar
aluguel). A cultura tinha sido, durante a campanha, o principal instrumento
político utilizando pelo grupo que manobra à esquerda. Qualquer grupo que
deseje derrotar o grupo capaz de manobrar à esquerda deve dar bastante atenção
a esse ponto.
O grupo conseguiu atritar junto a
três intelectuais notáveis e que favoreceram muito sua campanha: um intelectual
orgânico do grupo, elo entre esse grupo e o grupo de Simão, colunista do Jornal de Negócios, entrou e saiu da
prefeitura, não tendo obtido o cargo anterior que tinha, secretário de cultura,
tendo permanecido em um cargo praticamente ornamental durante alguns meses e
depois sido demitido. Ele foi o principal formulador da imagem do salvador da
pátria enquanto tática de arregimentar votos entre o povão para um líder
elitista, arrogante e sem carisma algum. O líder de um grupo skatista e
militante fanático durante a campanha, não durou nem três meses enquanto
secretário de cultura; e por, fim, a tensão com o músico, em que o músico
polemizou pelo fato da prefeitura não pagar cachê para músicos, desejando a
participação “espontânea”. Igualmente, houve uma relação tumultuada, de
aproximações e afastamentos, com o Bloco de carnaval e com um radialista e
blogueiro, que chegou a cognominar o líder de “Hitler Pinóquio”, mas que hoje o
apóia. Uma atitude recorrente do grupo é negar apoio ao carnaval (no primeiro e
no último ano a festa não teve um centavo de dinheiro público, em outro ano
cedeu a custo dois banheiros químicos), mas tentar, através do marketing, faturar algum dividendo
político, dando a entender ter dado alguma ajuda.
O erro de tensionar frente aos
intelectuais e artistas, junto ao erro de pressionar excessivamente o
funcionalismo, foram dois erros que podem custar ao grupo burocrático sua
reeleição. O correto seria agradar aos que já tinham sido ganhos para o grupo e
procurar aumentar sua base de apoio (que ainda era pequena). O que foi feito
foi justamente o contrário. O efeito disso é que o líder do grupo está tendo
que atacar constantemente intelectuais em sua coluna semanal.
A cidade prossegue com um lixão a céu aberto
bem próximo dela e sem nenhum parque, trânsito cada vez mais complicado,
violência crescente, desemprego em alta. A média salarial da maioria é de
apenas um salário mínimo. A falta de saneamento básico gerou uma epidemia de
dengue e zica.
Durante
a gestão atual o hospital privado local faliu e passou a abrigar algumas
unidades de atendimento municipais. Na prática, a cidade passou a depender de
um único hospital que tem parceria com a prefeitura, na verdade gerenciado por
alguns médicos, embora se passe por hospital público, utilizando o nome de
fantasia de “Lactário Menino Jesus”. Os problemas no Pronto Atendimento
continuam. Os médicos alegam que o repasse da prefeitura é insuficiente, mas ao
mesmo tempo expandiram seus negócios para uma unidade de hemodiálise, o que
representa uma expansão lucrativa em relação ao atendimento dos traumas que é o
que geralmente faz um PA.
Dr
Bertolino (PMDB) jogou um importante papel tentando resolver a situação desse
hospital, reunindo-se com seus pares e comentando que eles tendem a socializar
prejuízos e privatizar lucros. Em resposta, houve a acusação de que Dr.
Bertolino, ao tempo da gestão Simão, fez um convênio com a FELUMA que teria
sido desastroso para tal hospital. Essa alegação parece ter desmotivado Dr.
Bertolino de executar mais ações louváveis nesse sentido.
Durante a atual gestão, que foi
precedida por uma campanha supostamente ecológica, a nascente do rio Picão
secou e o rio Lambari, que abastece a cidade, praticamente chegou a seu limite,
pois há anos está diminuindo sua vazão. No ano de 2015 o racionamento de água
tornou-se uma realidade e bem possivelmente continuará sendo.
A
característica mais marcante desse setor atualmente no poder é que ele é a ala
esquerda da direita, ou melhor, é um setor da direita, apoiado por elementos
oligárquicos e empresários, mas que manobra com mais desenvoltura à esquerda.
Isso ficou bastante evidente na campanha eleitoral de 2012, mais do que na
gestão em si. A gestão, marcada pelo arrocho que parece ter sido ordem de
Brasília, foi bem mais conservadora e surgiram bem mais claramente os traços
oligárquicos. No entanto, as manobras continuaram, como quando o gestor propôs
cota para negros no serviço público. Localmente, no entanto, essas manobras à
esquerda são muito mal vistas e mesmo o progressismo retórico foi várias vezes
barrado na Câmara (tanto a previsão de estudar gênero na escola e as cotas para
negros foram barradas). O conservadorismo local assentado na Câmara Municipal é
alérgico a essas manobras e aprovou, na Câmara, um projeto tirado do grupo de
extrema-direita Escola sem Partido.
Na internet, uma pessoa ligada ao Escola
Sem Partido resumiu, grosso modo, o pensamento do grupo: “o professor que
não ensinar português e matemática tem que ser espancado”.
Como
na esfera nacional, o fato do governo utilizar os direitos civis como massa de
manobra abre o flanco para ataques do conservadorismo e cria um clima onde
floresce, mesmo entre os jovens, a extrema-direita, com muitos mostrando
simpatia pela figura de Jair Bolsonaro. Por outro lado, a oposição extraparlamentar
também está presente na cidade, na pessoa dos anarquistas que picham frases
como “o capitalismo é a crise”. Desconheço quem seja o grupo, pois parece atuar
na clandestinidade, pichando muros (o que é crime conforme a legalidade
burguesa). Cumpre registrar que o PT jamais fez algo semelhante na cidade,
mesmo no passado.
O que gera tensão no cenário atual é
que a reorganização do grupo ligado ao atual governo federal fez-se apenas em
torno do líder, sua família e alguns poucos setores minoritários, entre os
quais os intelectuais. E se fez no momento (2012) em que o governo federal
passou a sentir mais brutalmente os efeitos da crise mundial.
A vitória em 2012 derivou nem tanto
de sua aceitação (sua rejeição era e é enorme), mas da enorme fragmentação em
inúmeros candidatos. Foi muito útil para esse setor a fragmentação do grupo
haroldista e a impossibilidade de Haroldo de se candidatar pessoalmente, pois
já tinha obtido dois mandatos seguidos.
A contradição entre o cenário
nacional e o municipal voltou a agudizar-se entre 2012-2016. O grupo presente
na gestão federal perde forças, deteriorando a situação já frágil do grupo
local. O líder do grupo burocrático veio com a ideia de fazer os funcionários
públicos trabalharem mais. Já os funcionários queixam-se que, na prática, isso
significa arrocho e assédio moral, direcionado principalmente aos funcionários
haroldistas. O arrocho é tanto que a prefeitura recentemente abriu edital para
procurador do município, exigindo curso superior em Direito, mas propõe-se a
pagar menos de um salário e meio por quarenta horas de serviço semanais (!).
Os funcionários haroldistas, especialmente,
queixam-se que o líder do grupo burocrático tem traços megalômanos e
paranoicos, por isso busca amedrontá-los e tirá-los da zona de conforto,
alegando que reclamam muito e trabalham pouco. Eles alegam que a quantidade de
processos administrativos é crescente e o líder nega licenças sem remuneração
até em casos de câncer. Eles relatam também que o líder, que, a exemplo de
Collor, entrou no curso de direito da UNIPAC e formou-se advogado na UNB
(Collor entrou na faculdade em Alagoas e também formou-se pela UNB), não
aceitando, no entanto, perder processos na justiça. Há relatos de profissionais
que, ao serem empossados após ganho de causa na justiça, são exonerados pelo
prefeito, obrigando-os a recorrer. Eles relatam que o mesmo sempre recorre até
à última instância.
No entanto, na cidade quem faz o papel do
partido político é o funcionalismo. Esse pareceu-me ser o erro mais fatal do
grupo burocrático. Sendo assim, para derrotar o atual grupo seria preciso: 1)
conquistar os intelectuais e artistas; buscar atrair a simpatia do grupo
anarquista clandestino; 2) enfrentar sua hegemonia na comunicação e imprensa,
ventilando seus deslizes; 3) acenar com propostas ao funcionalismo público; 4)
centrar forças no meio rural e na periferia do município, onde o grupo é fraco
e tem pouca ressonância. 5) Unificar todas as forças opositoras em torno de um
ou do menor número possível de candidatos.
Sendo assim, se a fragmentação anterior
ocorrer, o grupo burocrático será, sem dúvida, reeleito. Se a disputa ocorrer
somente entre dois candidatos, a vitória, a meu ver, será de Haroldo Queiroz. É
bem evidente, também, que ganhe quem ganhar, o arrocho municipal derivado da
crise internacional irá prosseguir.