Um observatório da imprensa para a cidade de Bom Despacho e os arquivos do blog Penetrália
terça-feira, 14 de fevereiro de 2012
Uma carta de Gerson Soares de Melo
Materialista quer dizer que o mundo se apresenta como matéria em movimento, não quer dizer, por exemplo, que Marx ou os marxistas proclamem que Deus não existe. Sobre Deus, não há qualquer conclusão científica. O que foi afirmado por Feuerbach e que Marx encampou foi que a religião organizada, em nosso mundo, é a transferência das potencialidades do homem para uma outra esfera, a dos sacerdotes que são os intermediários de Deus. Analisando Deus da forma como é representada pelas igrejas, o marxismo aponta que a religião foi criada pelos homens e que sua criação passou, depois, a governá-los com regras e preceitos para atingir a salvação.
Seria preciso, então, negar uma determinada concepção de religião, aquela que ajuda a esconder a opressão e a exploração do homem pelo homem. A partir dessa crítica negativa, muitos entenderam que o marxismo proclama que “Deus não existe” ou que pretende sumariamente abolir as religiões ou, ainda, que seria legítimo fazer uma leitura da arte enquanto “sexo sublimado”. No entanto, os marxistas têm evoluído no sentido de criticar a visão positivista (predominante no tempo de Marx) e que privilegia a ciência em prol das outras formas de conhecimento organizado que são a arte e a religião, evoluindo no sentido de respeitar o valor e o direito de existir dessas outras formas de conhecimento.
O escrito acima, retirado do trabalho Marx Hoje: Alguns Conceitos Introdutórios, escrito pelo jovem filósofo brasileiro Lúcio Junior, ora, se sua essência estivesse presente na mente de todos os marxistas com certeza, absoluta certeza, não somente o socialismo não teria caído como ele teria se espalhado para toda a terra. A terra inteira teria se convertido no paraíso socialista.
Por que a essência desta visão de Lúcio Junior, sem a pretensão, é ela a única visão que teria evitado a derrocada do Marxismo. A rigor, foi percepção de que ela não esteve na mente dos marxistas – como deveria estar – que fez com que os primeiros luminares da Escola de Frankfurt, em especial Horkheimer, fizessem o diagnóstico de que à revolução estava posto a decisão fundamental: ou se livrar de uma visão atéia do mundo ou acabar se apartando das massas (certamente que a Escola de Frankfurt, ao menos no início, partiu não de uma visão filosófica, mas pragmática. Ao invés de lutar para limpar da mente das massas algo que não tinha como sair, estava enraizado no profundo de sua alma, então fazer uso deste algo de modo a despertar na mente popular que ele está de acordo com o ideal revolucionário, e não com o ideal dos opressores).
Mas, se os marxistas não tiveram essa visão lúcida assim como aparece no escrito de Lúcio Junior, a verdade é que tem chegado o tempo de também tê-la. A rigor, será neste preciso momento que então os marxistas começarão a sair do profundo coma em que se encontram desde o final da década de 80 para reviver os dias de glória, quando eram um só com as massas populares. Se o vaticínio dos primeiros luminares da Escola de Frankfurt se concretizou, a revolução acabou se apartando das massas populares que hoje estão na mão e no domínio dos escribas do imperialismo (e dos seus bugios, lembrando Brizola), a verdade é que a essência do escrito de Lúcio Junior abre espaço para que seja novamente reatada a união em corpo único da revolução com as massas populares.
Mas é preciso esclarecer: não foi por acaso ou acidente que os marxistas no início tomaram e assumiram uma postura que custou caro à revolução. Ter enveredado por um caminho que rejeitava e excluía por completo todo e qualquer conhecimento oriundo da religião e todo e qualquer conhecimento fundado na metafísica, tratou-se de uma necessidade. Primeiro, o conhecimento passa pela via do imperfeito para chegar ao perfeito. Do acidente para chegar à essência. É o seu devir dialético. Segundo, esta visão dos marxistas, contrários à religião e à metafísica, antes de estar neles esteve antes em Deus. Deus tinha um juízo para proferir contra todo o universo da religião, incluso o Deus de sua metafísica. No seu juízo Deus os iria rejeitar por completo, no conjunto de sua obra, como está ali no profeta Sofonias, tanto os sacerdotes do Deus Altíssimo como os sacerdotes dos deuses pagãos iriam sentir e conhecer contra si toda a ira divina. E é certo, muito certo, que toda a preparação para o cumprimento da escatologia conforme se acha no profeta Sofonias começou mesmo a se formar com Feuerbach. Começando por Feuerbach, passando por Marx, a ira divina então iria ser derramado justamente com a revolução. Os sacerdotes do Altíssimo, bem como os sacerdotes de deuses pagãos, com todo o conjunto de sua obra, os príncipes, o rei, os que usavam vestuário estrangeiro (burguesia), os que pesavam a prata (comerciantes), os poderosos (governantes desta escuridão), iriam clamar amargamente e nem a sua prata e nem o seu ouro os iria livrar da ira divina (Sofonias 1.1-18).
Mas, é preciso este esclarecimento: os vaticínios do profeta Sofonias foram originariamente endereçados à Judá. Foram proferidos cerca de quarenta anos antes da destruição de Judá por parte do rei caldeu Nabucodonozor. Sofonias está profetizando sobre a destruição de Judá, é verdade, mas o seu vaticínio, abarcando e transcendendo a questão de Judá, convertido em escatologia, acaba por alcançar, também, a destruição da Cristandade por parte da revolução. A ira que Deus derramou contra a impenitente e rebelde Judá por intermédio de Nabucodonozor e os caldeus, a quem chama de Meu Servo, é também a ira que Deus vai derramar contra a Cristandade por intermédio de Lênin e dos revolucionários. Destarte, a ação de Nabucodonozor contra Judá iria ser repetida passo a passo pela revolução, mesmo porque a Cristandade repetia passo a passo a já julgada infiel e rebelde, Judá.
No entanto Sofonias profetizando a destruição de Judá-Cristandade não realizava toda a escatologia, senão que parte dela. A escatologia iria ter duas seções, dois momentos distintos. De fato, se encontramos o profeta Sofonias vaticinando escatologicamente contra a Cristandade, por outro encontramos o profeta Isaías também de posse de um vaticínio escatológico. De modo que não somente Sofonias vaticina sobre o Grande Dia de Deus, mas também há vaticínio do profeta Isaías sobre este grande dia.
No entanto o objeto de Isaías por certo que não é o mesmo de Sofonias. Se Sofonias pode ver a destruição da Cristandade por parte da revolução prefigurada na destruição de Judá, por Nabucodonozor, ora, a escatologia de Isaías é concebida a partir da conquista de Babilônia por Ciro. Assim como uma Nova Judá iria se manifestar, a Cristandade, de igual modo uma Nova Babilônia iria se manifestar; e, se uma nova ação caldéia iria se manifestar, o que se deu com a revolução, de igual modo uma nova ação de Ciro iria se manifestar. De fato, tal está profetizado no livro do Apocalipse sobre o aparecimento DOS REIS DO NASCENTE DO SOL (Apocalipse 16..12), que são forças que revivem as forças de medos e persas que conquistou Babilônia e libertaram o povo de Deus no seu meio com os cativos voltando novamente para Judá. E agora estas novas forças dos reis do nascente do sol irão libertar a inteira humanidade do domínio do imperialismo e o seu, conseqüente, retorno para o paraíso de Deus.
E é certo, muito certo, que assim como a ação de Deus no fundamento tipológico se deslocou de Nabucodonozor para Ciro, no fundamento escatológico tem chegado o momento do Dia de Deus se deslocar da ação da Revolução contra a Cristandade e o conjunto de sua obra para a ação da conquista de Babilônia, a Grande, aquela que todas as nações caíram vítimas por causa do vinho da ira de sua fornicação, e os reis da terra cometeram fornicação com ela, e os comerciantes viajantes da terra ficaram ricos devido ao poder de sua impudente luxúria, Apocalipse18.
E é certo que o pensamento de Lúcio Junior, separando o trigo do joio, pondo dum lado Deus e de outro as religiões organizadas que passaram a se utilizar do seu nome para seus próprios propósitos (Isaías 4.1), abre caminho para o cumprimento da escatologia do profeta Isaías. Para a mudança de estação no operar dialético da revolução, pois que ela se desloca de uma situação que reviveu os dramáticos acontecimentos da destruição de Judá para a nova situação em que ela revive os acontecimentos da conquista de Babilônia por parte de Ciro à frente de medos e persas. E será agora, e somente agora, que podemos dizer tem chegado o momento em que os marxistas começarão a se levantar do coma profundo que estão desde o final da década de 80. Pois ao surgir no horizonte possibilidade concreta da união dos marxistas com os cristãos, ora, podemos dizer com certeza que é a revolução ressuscitando, se Levantando dentre os mortos. Pois se ela perdeu a força do apoio dos camponeses e dos operários das cidades, por conta do já falado vaticínio dos primeiros luminares da Escola de Frankfurt, em conexão com a criação de leis trabalhistas e de melhoria da vida de um modo geral, que abrandou o fervor revolucionário, agora a revolução vai buscar as forças que perdeu justamente nos cristãos. Os sindicatos de ontem, onde ali se discutia os passos da revolução, serão agora as igrejas espalhadas por toda a periferia das cidades. Porque são os dois lados que estão sofrendo profunda mudança – não somente a revolução está se deslocando da escatologia do profeta Sofonias para a escatologia do profeta Isaías como a Cristandade está se deslocando do castigo de Nabucodonozor para a libertação de Ciro –, ora, nas igrejas, onde se discutia os modos para agradar a Deus, e como encontrar o caminho da vida eterna, agora se discute abertamente (Mateus 7.22) o modo de superar o moribundo sistema capitalista e instaurar no lugar o sistema socialista. Porque então nas igrejas se descobre que esta é a vontade de Deus.
Pois é, o escrito de Lúcio Junior abre as possibilidades para a formação desta nova confederação de povos, cristãos e marxistas, que se unirão para libertar a inteira humanidade do domínio nefasto do imperialismo, desde o pólo norte ao pólo sul, desde o Congo à Bolívia, desde os Estados Unidos á Rússia, pois o imperialismo sobrevive do escravizar, os que estão pertos e os que estão longe.
Destarte, nesta virada de estação, os marxistas voltando o seu olhar para o início do primeiro século, compreendendo na essência o que foi de fato o movimento trazido por Jesus, a salvação absoluta do gênero humano, que se concretizaria no devir histórico, no absoluto total da História, o seu tempo teológico e o seu tempo antropológico, do qual o Marxismo foi parte sim, a sua libertação material, a libertação do Egito, ao passo que o Cristianismo foi a sua libertação espiritual, a libertação de Sodoma, sim, o reconhecimento de que o corpo do Cristianismo é parte do corpo do Socialismo, carne e unha, um só espírito, que no sangue dos jovens cristãos e de seus pais derramados nos coliseus de Roma e no sangue dos jovens marxistas e de seus líderes derramados nos porões das ditaduras é que se gestava o reino da liberdade concreta, em que cada um tem segundo as suas necessidades, ora, é neste preciso momento que a pedra que foi rolada sobre a sepultura da revolução para que ele nunca mais se levantasse estará sendo rolada. E a revolução estará se levantando novamente, em vestes novas, imperecível, revivendo todas as suas glórias do passado, agora numa proporção muito mais gloriosa, pois, deveras, as glórias da segunda casa da revolução – Deus dizendo para Marx: senta-te à minha direita, até que meu filho Jesus ponha os teus inimigos por escabelo dos teus pés – serão muito maiores do que as glórias da primeira casa da revolução.
Ora, esta mudança de estação implica que os marxistas terão de abandonar a antiga crítica à religião e à metafísica, assim como ela começou a ganhar forma em Feuerbach, a fim de ganhar o favor dos cristãos e, assim, se levantar do coma profundo em que se acha? Que isto nunca aconteça!
Os marxistas devem continuar com o seu juízo negativo sobre religião e metafísica, primeiro, como já dito, provém de Deus que não os concebeu gratuitamente, mas por necessidade. Está escrito ali no livro do profeta Sofonias: e vou causar aflição à humanidade, e hão de andar como cegos; porque foi contra Javé que eles pecaram. E está reafirmado em uma das cartas paulinas: o nome de Deus está sendo blasfemado entre as nações por causa de vós. A crítica à religião por parte dos marxistas tem de continuar. Não deve cessar enquanto existir a Cristandade, até que no seu lugar se manifeste a religião genuína de Jesus Cristo, decodificada no profeta Isaías: Ouvi a Palavra de Javé, ditadores de Sodoma. Daí ouvidos à lei de nosso Deus, povo de Gomorra. “De que me serve a multidão dos vossos sacrifícios?”, diz Javé. “Já estou farto dos holocaustos de carneiros e da gordura de animais bem cevados; e não me agrado do sangue de novilhos, e de cordeiros, e de cabritos. Quando estais entrando para ver a minha face, quem é que requereu isso da minha mão, pisar meus pátios? Parai de trazer mais ofertas de cereais sem valor algum. Incenso – é algo detestável para mim. Lua nova e sábado, a convocação de um congresso – não posso tolerar o uso de poder mágico junto com a assembléia solene. Minha alma tem odiado as vossas luas novas e as vossas épocas festivas. Tornaram-se para mim um fardo; fiquei cansado de suportá-las. E quando estendeis as palmas de vossas mãos, oculto de vós os meus olhos. Embora façais muitas orações, não escuto; as vossas próprias mãos se encheram de derramamento de sangue. Lavai-vos; limpai-vos; removei a ruindade das vossas ações de diante dos meus olhos; cessai de fazer o mal. Aprendei a fazer o bem; buscai a justiça; endireitai o opressor; fazei julgamento para o menino órfão de pai; pleiteai a causa da viúva” (Isaías 1).
É verdade, não devem cessar a sua crítica á metafísica, pois esta é a condição para que o Deus que era, e que é, cedam o lugar para o Deus que vem! Destarte, o povo marxista deve tomar para si as lições de Apocalipse 14, mantendo a sua castidade e não se poluindo com “mulheres”, mas cuidando para estar junto com o Cordeiro no Monte Sião, cantando com ele o cântico como que novo e o seguindo para onde quer que vá. Devem cuidar para serem os primeiros que receberão das mãos do Cordeiro O SEU NOVO NOME (Apocalipse 3..12).
O que os marxistas não fizeram, mas agora terão de fazer, é ter interesse pela Palavra de Deus. É ler a Bíblia com o mesmo interesse que liam O Capital. É ler a Bíblia com o mesmo interesse que a lê um professor de Teologia. Devem se interessar sobremaneira pela Palavra de Deus; e, na medida em que forem penetrando nos seus mistérios mais profundos, mais e mais a Cristandade estará passando, porque mais e mais estará aflorando a verdadeira religião de Cristo. Cada vez que lerem um livro e dominar os seus mistérios, mais e mais os pecados da cristandade, que se mostram como escarlate, serão tornados brancos como a neve. Embora sejam vermelhos como pano carmesin, tornar-se-ão como a lã.
Socialismo Celestial versus Escola de Frankfurt
Ora, sabemos que no final da década de vinte e início da década de trinta luminares da Escola de Frankfurt, conscientes de que a religião e a crença em Deus era algo enraizado na mente popular, unido não por laço acidental, mas essencial, não tiveram dificuldade em divisar num horizonte próximo a revolução se afastando das massas até a ruptura final.
Levantaram o sinal de aviso, tocaram a buzina, mas não foram ouvidos pelos condutores da revolução e da construção do socialismo real.
E não podiam mesmo ter dado ouvido à Escola de Frankfurt. Porque a sua proposta era tão somente que os marxistas se reconciliassem com a Cristandade. Tanto é que seus luminares voltaram a freqüentar os bancos religiosos da Cristandade, e os mais afoitos, como Roger Garaudy, os bancos religiosos do Islã.
Mas agora a proposta é diferente. Os marxistas deverão retornar à Cristandade sim, sentar no banco religioso da Cristandade sim, mas com a missão de expurgar para fora dela tudo o que é praticado para manter as massas alienada das condições terrenas, que são as suas condições próprias. Deverão ser a voz dos profetas no meio do povo religioso de Deus. Ensinando-os, os instruindo, no próprio caminho de Deus. Pois que os marxistas são depositários de um espírito privilegiado, em condições de compreender os desígnios e a vontade de Deus tais como são em si, sem a interferência e a mediação do poder da ideologia, a tal ponto que a Palavra de Deus em suas bocas chegará ao coração dos necessitados como água límpida, e não mais como água poluída, como assim veio a estar nas mãos da Cristandade.
Então para tudo há um tempo debaixo dos céus. E o tempo do final da década de 20 não foi o tempo da revolução, abandonar as armas da crítica religiosa, mas era um tempo em que a ira de Deus ainda estava acesa. Era um tempo em que Deus estava apenas começando a enviar o seu anjo que haveria de guardar a revolução pela estrada e introduzi-la no lugar que preparou, o socialismo. Era um tempo em que Deus estava apenas fortalecendo a mão do homem que iria erigir o socialismo real, Stálin, o enviando na frente como o seu anjo, como o seu Josué (Êxodo 23.20).. E eles não deveriam ter acordo com os habitantes da Cristandade. Não deveriam temer os seus latifundiários amorreus, os seus banqueiros hititas, os seus comerciantes perizeus, os seus chefes militares cananeus, os seus magistrados heveus, e os seus sacerdotes jebuseus, pois Deus certamente os eliminaria do seu meio. E destroçaria as suas colunas sagradas. Servindo unicamente a Javé, e não mais à casta dos opressores, como ocorria quando estavam no Egito.
É tempo novo, tempo da revolução se levantar dentre os mortos, todos estes que riram na queda do socialismo, e se entregaram aos prazeres enganosos do capitalismo. Que seja o ano de 2012 o ano da batalha do Armagedom, quando os marxistas levantando-se em vestes novas, com a força dos cristãos do seu lado, possa então dar o golpe de misericórdia ao capitalismo que agoniza, construindo no lugar uma nova ordem social quando plenamente efetivada as coisas velhas não serão mais lembradas e nem mais subirão ao coração. Certamente que neste ano de 2012 a força avassaladora de Javé (Isaías 2.10) estará levantando por dentro a revolução, para novas e grandes giestas.
terça-feira, 20 de outubro de 2009
Marx X Bolívar: polêmica em O Globo
Raízes do socialismo bolivariano
PAULO GUEDES
"Simón Bolívar nasceu em Caracas em 24 de julho de 1783, filho de uma família da nobreza crioula da Venezuela. De acordo com os costumes dos americanos ricos da época, foi mandado para a Europa aos 14 anos de idade. Esteve presente na coroação de Napoleão Bonaparte como imperador, em 1804."
Tenho simpatia pela figura histórica de Simón Bolívar, o Libertador. Compreendo a impaciência de Hugo Chávez com uma elite política corrupta, incompetente e sem consideração pela miséria dos povos latino-americanos. Compreendo também sua solidariedade com os países vizinhos. Mas temo que o socialismo bolivariano se torne mais uma tragédia de reengenharia social para o círculo de influência chavista. E também uma guerra expiatória desse fracasso contra países que não aderirem, como a Colômbia.
Prossegue o biógrafo: "No comando de Puerto Cabello, a mais sólida fortaleza da Venezuela, Bolívar dispunha de uma guarnição numerosa e grande quantidade de munição. Mas, quando os prisioneiros espanhóis se rebelaram, apesar de desarmados, Bolívar partiu precipitadamente durante a noite com seus oficiais. Ao tomar conhecimento da fuga de seu comandante, a guarnição retirou-se do local. A balança pendeu em favor da Espanha, obrigando o general Miranda, comandante supremo das forças insurgentes, a assinar o Tratado de La Victoria, devolvendo a Venezuela ao controle espanhol. Miranda tentaria embarcar em La Guaira num navio inglês, mas foi convencido por Bolívar a ficar pelo menos uma noite no local. Às 2 horas da madrugada, com Bolívar à frente, soldados armados apoderaram-se da espada e da pistola de Miranda e lhe ordenaram que se levantasse e se vestisse. Puseram-no a ferro e o entregaram aos espanhóis. Despachado para Cádiz, na Espanha, Miranda morreu acorrentado, após alguns anos de cativeiro."
"Em direção a Valência, Bolívar deparou com o general espanhol Morales à frente de 200 soldados e cem milicianos. Ao ver dispersada sua guarda, Bolívar fez meia-volta com seu cavalo, fugiu a toda velocidade, passou por um vilarejo num galope desabalado, chegou à baía próxima e embarcou, ordenando a toda a esquadra que o seguisse e deixando seus companheiros em terra privados de qualquer auxílio. Piar, homem de cor, general conquistador das Guianas, que ameaçara levar Bolívar à corte marcial por deserção e covardia, não poupava de ironias o 'Napoleão das Retiradas'. Bolívar aprovou um plano para se livrar dele. Sob falsas acusações de ter conspirado contra brancos, planejado um atentado contra Bolívar e aspirado ao poder supremo, Piar foi levado a julgamento por um conselho de guerra, condenado à morte e fuzilado em 16 de outubro de 1817."
Seu biógrafo, Karl Marx, admitiu numa carta a Engels que "seria ultrapassar todos os limites querer apresentar como um novo Napoleão o mais covarde, brutal e miserável dos canalhas".
Texto publicado no Globo de hoje.
Resposta da Embajada:
SOBRE BOLÌVAR E MARX: UM ATO DE JUSTIÇA HISTÓRICA
Para hablar con franqueza, hay cosas que cansan. Agota, por ejemplo, la absoluta ausencia ética derivada del odio visceral sobre lo diferente, lo distinto, lo distinguido. Y agota porque si la crítica de intención destructiva que genera el odio fuera más bien análisis objetivo, con sustento en la realidad, pudiera establecerse un proceso de intercambio de opiniones que contribuya a la articulación o a la aproximación de la verdad histórica, política, social (no digo a la verdad económica, porque la economía se rige por parámetros tan objetuales que no necesita ni reclama aproximación alguna a la verdad).
No obstante, siendo que la manipulación ideológica prima sobre aquellos intentos críticos motivados por el odio a lo diferente, lo único que surge de éstos es la tergiversación de la realidad, el insulto a la inteligencia humana, la violencia conceptual y la subjetividad mal intencionada.
Predicciones sombrías, descalificaciones apriorísticas, arengas catastróficas, señalamientos infundados o fundados en la mentira, son el resultado de las opiniones que se sustentan en la ausencia de ética al momento de asumir un espacio para la defensa o el enaltecimiento de las ideas que constituyen el bagaje de intereses sociopolíticos, culturales y económicos de cada quien.
El mundo libre garantiza la posibilidad de expresar con profusa abertura, sin cortapisas, sin coerciones, nuestras ideas y querencias. Y el mundo libre también permite que esto sea hecho de manera sustentada, objetiva, con base en comparaciones que pueden apoyarse en el análisis complementario, en la pluralidad ideológica y en la diversidad histórica y cultural. El mundo libre está cerca de la perfección gracias a esto y por ello resulta inentendible –y agotador- el empleo de recursos que se alejan o desconocen estas posibilidades.
Es obvio que quien se aleja de estos recursos, quien emplea mecanismos antiéticos, quien echa mano de la mentira y la tergiversación de los hechos, para construir matrices de opinión en contra o a favor de intereses exclusivos, atenta contra las virtudes y ventajas del mundo libre y, al mismo tiempo, irrespeta la dignidad humana. Es obvio que quien hace esto sabe que sus acciones generan confusión, violencia ideológica, y de allí devienen las ideas matizadas por los ismos más desagradables y peligrosos que ha creado la sociedad elitista: clasismo, racismo, apriorismo.
Lamentablemente hemos sido testigos de la repetición de estas posiciones antiéticas y de tendencia negativa en un reciente artículo publicado en el Diario O Globo, bajo el título Raíces del Socialismo Bolivariano.
El autor del texto, Paulo Guedes, con escaso respeto por la verdad histórica y, en consecuencia, por sus lectores, pretende nutrir las posiciones de conflicto frente al proceso revolucionario venezolano mediante una práctica poco honesta: la de la desacreditación de la imagen del Libertador Simón Bolívar. Lo triste es que Guedes pretenda hacer esto mediante la manipulación de la capacidad de arbitrio del lector y la burla a su dignidad cultural, al echar mano de un texto reconocidamente inconsistente, caprichoso y carente de fuentes objetivas, además de anti-suramericano.
Al usar esta fuente, el propio artículo de Paulo Guedes se torna parcial e insostenible. Guedes cita con profusión pasajes de su fuente, la biografía sobre Bolívar escrita por Carlos Marx en 1857.
Lo que Guedes no revela son las motivaciones impulsadas por el alto grado de prejuicio contra la sociedad americana, que se articulaba en el pensamiento marxista desde su asunción de las ideas hegelianas de los pueblos sin historia.
Desde esta perspectiva ideológica es fácil comprender la noción marxista del proceso de independencia suramericano y su prejuicio contra varios de los articuladores del mismo, especialmente de aquellos que habían tomado posición contra el eurocentrismo imperante en la época para intentar la fundación de un sistema ideológico autóctono. No en balde vemos como Marx repite loas a la presencia y acción de tropas y personajes de origen europeo, o vinculados al eurocentrismo, en su texto, tal como aquel pasaje donde asegura que “la conquista de Nueva Granada no se le debe a Bolívar y a las tropas patriotas, sino a las tropas extranjeras, compuestas fundamentalmente por ingleses”.
Desde nuestra perspectiva podemos reconocer el valor de las tropas, de los soldados y los oficiales extranjeros, en el proceso independentista venezolano y suramericano, como lo hemos hecho, por ejemplo, con el Gran Pernambucano General José Inácio de Abreu y Lima, o como lo hacemos con los veteranos ingleses e irlandeses que acompañaron al ejército libertador en la batalla del 12 de mayo de 1819, por la libertad de Nueva Granada.
Desde nuestra visión de la realidad histórica, libre de vileza, fortalecida por el sentimiento de respeto a nuestra identidad suramericana y por la idea de unión de nuestros pueblos, otorgamos el peso que merece la sangre derramada por aquellos compañeros libertarios y revolucionarios integrantes del Ejército Libertador que vinieron de otras latitudes del Continente americano y de Europa, y por ello hacemos el esfuerzo por explicar también los condicionamientos que condujeron aquella biografía escrita por Marx, la dimensión eurocéntrica de su pensamiento, la influencia hegeliana y la noción imperial dominadora de la época, que obstaculizaron la comprensión marxista sobre un proceso emancipador, al punto de que Marx achaca al ejército patriota una condición conquistadora, cuando en realidad fue libertaria.
Claro, en la lógica marxista de la época no cabía sino esta visión del ejercicio bélico militarista, por eso habla de la “conquista de Nueva Granada” y no de la liberación de las fuerzas imperiales españolas. Lástima para ustedes, lectores, que el señor Guedes no se muestre capaz de hacer ese análisis contextual.
De igual manera, el autor de Raíces del Socialismo Bolivariano obvia documentos tan importantes para el análisis de esta posición de Carlos Marx frente a Bolívar como aquel del sacerdote jesuita M. Aguirre Elorriaga a propósito de polémica suscitada, a mediados de 1941, por la edición rusa de la Nueva Historia de los países coloniales y dependientes, donde un grupo de líderes políticos y escritores rusos asumen la defensa de la biografía escrita por Marx sobre Bolívar.
Aguirre Elorriaga dice “La Nueva historia de los países coloniales es una obra sectaria, redactada con una miopía clasista, con una visión absolutamente chata y adulterada de los acontecimientos históricos”. Y este sacerdote jesuita continúa su análisis para ubicar en el contexto histórico e ideológico de la época las razones que impulsaron –de manera lógica entonces- la posición antibolivariana de Marx y de los comunistas rusos que lo siguieron: “Si todo lo español y criollo es malo, si todo lo negro y todo lo indio es bueno, si toda revuelta popular es loable y toda iniciativa de los ricos terratenientes es necesariamente mala, es consecuencia lógica que Bolívar fue un hombre detestable.”
Como vemos, desde la perspectiva católica, la posición de Marx y los comunistas que intentaron desacreditar a Bolívar es comprensible porque, dadas las condiciones de clase y origen social y económico del Libertador, “sería un absurdo que lo comprendieran los profesores comunistas”.
Es lamentable que el señor Paulo Guedes no se haya ocupado en indagar un poco más allá del texto de Marx. Pudo haber hecho un esfuerzo investigativo y llegar hasta esta polémica que involucró a católicos y comunistas, o pudo haber leído también los trabajos de Lallement y De Prat, que otorgan elementos distintos a los de Marx sobre el Libertador.
Es una lástima también que Paulo Guedes oculte realidades contextualizadoras del trabajo de Marx que revelan su verdadera orientación. Por ejemplo el hecho de que esta biografía sobre Bolívar fue rechazada por su propio encomendador, Charles Dana, director del New York Daily Tribune, por considerar que estaba escrita con prejuicio y que –según informa un trabajo investigativo de Carlos M. Ayala Corao, que Guedes obviamente no se ocupó en leer y tal vez ni siquiera en procurar- fue “el propio Marx quien dio noticias a Engels sobre los reparos de Dana contra su artículo sobre Bolívar, porque estaba escrito en un tono prejuiciado y, además, le había exigido más fuentes”.
Sí, el propio solicitante de la biografía sobre Bolívar exigió a su redactor, Carlos Marx, un trabajo objetivo, basado en fuentes diversas que pudieran avalar lo expresado en el trabajo del filósofo alemán, por considerar que la percepción del estado de la sociedad suramericana que se trasmitía, ponía de relieve los errores de mezclar la ideología con la historia.
Otra cosa que se cuida de no exponer el señor Guedes es que en la segunda edición en ruso de las obras de Marx y Engels, datada en 1959, se incluyó por primera vez una severa crítica de las posiciones sostenidas en la biografía de Marx sobre Bolívar. La propia sociedad intelectual alemana de la época realizó un apelo para aprender la historia de los historiadores y sus diversas fuentes objetivas, para evitar reproducir errores históricos como el de Carlos Marx en su biografía rechazada sobre Bolívar.
Por otro lado, Paulo Guedes no informa en su artículo Raíces del Socialismo Bolivariano, que gran parte del mundo marxista contemporáneo coincide en catalogar el artículo de Marx sobre Bolívar como un hecho poco feliz. Juan Marinello, político y escritor cubano que prologa las obras completas del primer difusor en América de este texto de Carlos Marx, el argentino Anibal Ponce, lo califica de “lamentable”, por ejemplo.
Como lo expresa también el periodista argentino Armando De Magdalena –a quien Guedes seguramente tampoco leyó ni procuró-, en su artículo titulado Aníbal Ponce y el Bolívar de Marx, “…muchos se preguntan (quizás por fetichismo, quizás por sana admiración) como el genio de Marx pudo concebir semejante artículo. Otros (los que creen en la infalibilidad de los clásicos marxistas) lo han defendido a ultranza por dogmatismo. El hecho es que el citado artículo ha sido utilizado por los sectores más reaccionarios (sobre todo en nuestro continente), en primer lugar para descalificar al propio Marx, en segundo, para presentar al marxismo como opuesto a los valores, a las tradiciones y al sentir de nuestros pueblos y tercero para demostrar que el marxismo (como en el caso del citado artículo) distorsiona la realidad, la historia, para forzar una visión de lucha irreconciliable de clases como único modo posible de explicar los acontecimientos presentes y pasados.”
Estas palabras de De Magdalena encuadran bien la intención del pensador liberal-derechista Paulo Guedes en su también poco feliz artículo Raíces del Socialismo Bolivariano y por ello tal vez seguir con este análisis sería redundante y además innecesario, porque chocaríamos, hasta agotarnos, contra la inflexibilidad reaccionaria de Guedes y de los dogmáticos seguidores de su objetivo mal fundado.
No obstante, para aquellos lectores que guardan consideración a los valores autóctonos de la cultura suramericana, para aquellos que han asumido la batalla por el rescate de nuestra dignidad como pueblos con una historia propia, grande y particular, para aquellos que no se arrastran a los pies de los intereses imperiales, ofrecemos la posibilidad de acercarse al pensamiento y los hechos bolivarianos a través de la edición en portugués del libro Simón Bolívar, el libertador, patrocinada por la empresa brasileña Odebrecth, que se encuentra disponible en la Embajada de la República Bolivariana de Venezuela en Brasil. Y luego pueden juzgar por ustedes mismos.
Y como agregado final vale indicar que pese a las diferencias ideológicas de origen presentes entre Marx y Bolívar existen también coincidencias esenciales en sus propuestas y posturas sociopolíticas, comenzando por la convicción de que la libertad no se reduce al rompimiento de las cadenas de un yugo determinado, sino que su alcance definitivo está en el poder libertario que debe tener la conciencia de los hombres en particular y de la sociedad en general, hasta llegar a la concepción bolivariana de que la historia es el hombre, es la acción del hombre en tiempos diversos, nutriéndose del pasado de su identidad.
Nosotros creemos fervorosamente en que cualquier expresión de pensamiento, surja donde surja, si es en beneficio de la humanidad, no debe restringirse a fronteras terrestres e ideológicas, ni mucho menos a sectarismos nacionalistas, y esa condición la otorgamos al marxismo y al bolivarianismo, y, más que por fortuna, por respeto a su enorme dimensión social, política y humana, al lado de Bolívar y en torno a sus ideas hay mucho pueblo militando, hay muchos dirigentes, muchos conductores, en torno a sus propósitos de unión, a su ideario de libertad, y ningún Paulo Guedes puede contra eso.
Fuente: Embajada de la República Bolivariana de Venezuela en Brasil
sábado, 31 de janeiro de 2009
Brasil é isso: uma chuva de mentiras
Ontem deixei a TV na Rede Vida num programa chamado Brasil é isso. Eu já tinha visto lá um tal de Hélio Póvoa, que escreveu um livro chamado O Eixo do Mal Latino-Americano. Eu li também um artigo dele atacando Gerald Thomas quando da polêmica com o Azevedo a respeito de Fidel. O tal Póvoa nem sabia do que estava falando direito.
E ontem a conversa entre o Aristóteles Drummond e o João Ricardo Moreno foi uma campanha de mentiras, uma festa de inverdades. Ricardo começou falando que a ABF existe há vinte anos e luta contra o totalitarismo. Tá, então deveria falar em Hannah Arendt...que Arendt que nada. Aristóteles falou: até o marxismo, os filósofos sempre foram democratas...o quê? Se Sócrates e Platão eram aristocratas que criticavam duramente a democracia, para não falar em outros críticos da democracia, tais como Nietzsche. Imaginei que o papo fosse ser em torno de pensadores católicos conservadores tais como Otávio de Faria, Jackson de Figueiredo, Gustavo Corção. Pensei que o papo fosse ser conservador, mas honesto. Mas que nada! Era pura propaganda. E o que dizer do próprio Aristóteles, que era ligado a Alexandre O Grande, que no final da vida introduziu na Europa o direito divino dos reis?
Em primeiro, contra Chávez. Ele foi associado ao comunismo russo, está com o projeto de tirar as crianças aos três anos para serem criadas pelo estado, daí o fato de uma amiga de Aristóteles estar em Miami contando isso. A coisa evoluiu, mudei de canal e voltei, eles já estavam no Hezbollah. Daí o tal Ricardo dizia que o povo palestino se diz um povo superior, ai que saudades daquele Líbano francês, daquela Beirute parisiense (o que não impediu que milícias cristãs cometeram o massacre de Sabra e Chatila contra os palestinos e com a cumplicidade de Israel), o Hezbollah está organizado na América Latina, em breve teremos crianças-bomba e índios-bomba. Até o Demétrio Magnolli, supostamente um articulista de centro, decepcionava esses dois senhores de extrema direita, o que me deixou pasmo devido ao fato da Rede Vida ser uma televisão católica. Não deveria ter uma visão tão parcial. Mas há mais, há mais.
Magnolli foi vítima de protestos da comunidade judaica, disse Moreno. Ao que Aristóteles redarguiu, sabiamente, que não se poderia comparar a Fatah com o marechal Pétain na França, pois o marechal tinha criado uma zona ali muito benéfica e que protegeu os franceses...heeein? E Aristóteles mostrou saber que a Igreja Católica apoiou Pétain, pois o defendeu, dizendo que ele era "tido" como colaboracionista, como se houvesse alguma dúvida e se ele não tivesse até adiantado as atitudes dos nazistas naquele território em que ele mandava. Do centro passou-se a discutir o anti-semitismo da esquerda, que teria começado com A Questão Judaica do judeu Marx (!). Mas se nessa polêmica Marx justamente escreveu que os judeus não poderiam deixar de ser judeus e sim lutar por direitos...Não há possibilidade de boa fé numa conversa assim, é tudo com base na mentira e na inversão.
Eles só engasgaram no momento em que Moreno quis atacar o governo e Aristóteles cortou, com medo. Na televisão, os vampiros têm medo...Casoy também gaguejou ontem ao comentar a carta de Battisti onde ele denunciou ter sido julgado à revelia. Casoy, fazendo biquinho, inventou um novo direito, pois que eu saiba julgamento à revelia ser altamente democrático é novidade. Mas, como eu dizia, o Brasil é isso, né? Só não dá para se conformar.
quinta-feira, 25 de setembro de 2008
O Capital, obra com status de literatura
Irônico, perfeccionista, Marx escreveu um texto que pode ser lido também como romance ou tragédia
Francis Wheen
Em fevereiro de 1867, pouco antes de entregar o primeiro volume de O Capital aos editores, Karl Marx compeliu Friedrich Engels a ler A Obra-Prima Ignorada de Honoré de Balzac. A história era, em si, uma pequena obra-prima, disse ele, "cheia da mais deliciosa ironia." Não sabemos se Engels seguiu o conselho. Se o fez, certamente terá percebido a ironia, mas pode ter se espantado de que seu velho amigo houvesse se deleitado com ela. A Obra-Prima Ignorada é a história de Frenhofer, um grande pintor que passa 10 anos trabalhando e retrabalhando um retrato que revolucionará a arte ao oferecer "a mais completa representação da realidade". Quando seus colegas artistas Poussin e Porbus são enfim autorizados a conferir a tela acabada, eles ficam estarrecidos ao ver uma maçaroca de formas e cores aleatórias superpostas em grande confusão. "Ah!" grita Frenhofer, sem entender a estupefação dos amigos. "Vocês não haviam antecipado tamanha perfeição!" Mas aí ele entreouve Poussin dizendo a Porbus que Frenhofer acabaria descobrindo a verdade - o retrato havia sido repintado tantas vezes que não restara nada.
"Nada na minha tela!" exclama Frenhofer, olhando alternadamente para os dois pintores e para o quadro.
"O que você fez?" diz Porbus em voz baixa a Poussin.
O velho agarra com rudeza o braço do jovem, e lhe diz: "Você não vê nada ali, palhaço!patife! incrédulo! cão! Mas o que o trouxe aqui, então? - Meu bom Portus," ele continua, virando para o pintor mais velho, "será possível que você, até você, esteja zombando de mim? Responda-me! Sou seu amigo; diga-me, estraguei a minha pintura?" Portus hesita, ele não ousa falar; mas a ansiedade estampada no rosto lívido do velho era tão angustiante que ele aponta para a tela dizendo: "Veja!" Frenhofer olha atentamente a pintura por um instante e cambaleia.
"Nada! Nada! E eu trabalhei durante dez anos!" Ele desaba numa cadeira e chora.
Depois de expulsar os dois homens do estúdio, Frenhofer queima todos os seus quadros e se mata.
Segundo o genro de Marx, Paul Lafargue, o conto de Balzac "causou uma grande impressão nele porque era, em parte, uma descrição de seus próprios sentimentos." Marx havia labutado por muitos anos na sua obra-prima ignorada, e durante essa longa gestação sua resposta habitual aos que pediam para dar uma olhada na obra em progresso era idêntica à de Frenhofer: "Não, não! Ainda preciso dar alguns retoques finais. Ontem, ao anoitecer, achei que estava pronta... Esta manhã, à luz do dia, percebi meu erro." Em 1846, quando o livro já havia estourado o prazo, Marx escreveu a seu editor alemão: "Não permitirei que ele seja publicado sem revisá-lo de novo, tanto com respeito à matéria como ao estilo. Nem é preciso dizer que um escritor que trabalha continuamente não pode, ao cabo de seis meses, publicar palavra por palavra o que escreveu seis meses antes." Doze anos depois, ainda longe da conclusão, ele explicou que "é preciso avançar muito devagar porque mal decidimos finalmente expor temas aos quais dedicamos anos de estudo, eles começam a revelar novos aspectos e precisam ser mais bem pensados." Perfeccionista obsessivo, ele estava sempre procurando novos matizes para a sua paleta - estudando matemática, aprendendo sobre o movimento das esferas celestes, estudando russo por conta própria para ler obras sobre o sistema fundiário do país.
Ou, citando Frenhofer mais uma vez: "Ai de mim! Pensei por um momento que minha obra estava acabada; mas certamente me equivoquei em alguns detalhes, e minha mente não repousará enquanto não houver dissipado minhas dúvidas. Resolvi viajar e visitar Turquia, Grécia e Ásia em busca de modelos para comparar minha pintura à Natureza em diferentes formas." Por que Marx recorda o conto de Balzac no momento exato em que estava se preparando para revelar sua obra maior ao escrutínio público? Recearia que também ele houvesse trabalhado em vão, que sua "representação completa da realidade" se mostraria ininteligível? Ele seguramente teve algumas dessas apreensões - o caráter de Marx era um curioso misto de feroz autoconfiança e angustiada falta de confiança em si - e ele tentou se antecipar à critica advertindo, no prefácio, que "imagino, é claro, um leitor que esteja disposto a aprender algo novo e, portanto, a pensar por si mesmo." Mas o que nos deve chocar mais forçosamente na sua identificação com o criador da obra-prima ignorada é que Frenhofer é um artista - não um economista político, nem tampouco um filósofo, um historiador, ou um polemista.
A "ironia mais deliciosa"
Marx se considerava um artista criativo, um poeta da dialética.
"Agora, com respeito à minha obra, devo lhe dizer a pura verdade sobre ela", escreveu ele a Engels em julho de 1865. "Quaisquer que sejam as insuficiências que possam conter, a vantagem de meus escritos é que eles são um todo artístico." Ele olhava mais para poetas e romancistas do que para filósofos e ensaístas políticos em busca de insights sobre as motivações e interesses materiais das pessoas: numa carta de dezembro de 1868, copiou uma passagem de outra obra de Balzac, O Cura da Aldeia, e perguntou se Engels poderia confirmar o quadro descrito com seu próprio conhecimento de economia prática. Se tivesse desejado escrever um tratado econômico convencional , ele o teria feito, mas sua ambição era muito mais audaciosa. Berman descreve o autor de O Capital como "um dos grandes gigantes atormentados do século 19 - ao lado de Beethoven, Goya, Tolstoi, Dostoievski, Ibsen, Nietzsche, Van Gogh - que nos enlouquecem, como enlouquecem a si mesmos, mas cuja agonia gerou tanto do capital espiritual de que ainda vivemos." E no entanto, quantas pessoas pensariam
Quem estiver disposto a se atracar com Beethoven, Goya, ou Tolstoi, deveria ser capaz de "aprender algo novo" com uma leitura de O Capital - quando menos porque seu tema ainda rege nossas vidas. Berman pergunta: como O Capital pode terminar enquanto o capital continuar vivo? É conveniente que Marx não tenha completado sua obra-prima. O primeiro volume foi o único a sair durante sua vida, e os volumes subseqüentes foram montados por outros depois de sua morte, baseados em notas e esboços encontrados em seu estúdio. A obra de Marx é tão incompleta - e por isso tão resistente - quanto o próprio sistema capitalista.
Embora O Capital seja geralmente classificado como obra de economia, Marx só se dedicou ao estudo da economia política depois de muitos anos preparativos em filosofia e literatura. São esses alicerces intelectuais que sustentam o projeto, e é sua experiência pessoal de alienação que empresta tanta intensidade à análise de um sistema econômico que aliena as pessoas umas das outras e do mundo em que habitam - um mundo em que os humanos são escravizados pelo poder monstruoso de capital e mercadorias.
Marx foi um estrangeiro desde a hora do seu nascimento, em 5 de maio de 1818 - um menino judeu numa cidade predominantemente católica, Trier, dentro de um Estado prussiano cuja religião oficial era o protestantismo evangélico. Embora a Renânia houvesse sido anexada pela França durante as guerras napoleônicas, três anos antes de seu nascimento ela foi reincorporada à Prússia Imperial e os judeus de Trier ficaram sujeitos a um édito que os proibia de praticar profissões: o pai de Karl, Heinrich Marx, teve que se converter ao luteranismo para trabalhar como promotor. O pai encorajou Karl a ler vorazmente. O outro mentor intelectual do menino foi o amigo de Heinrich, barão Ludwig von Westphalen, um funcionário do governo, culto e liberal, que introduziu Karl à poesia e à música (e a sua filha Jenny, futura senhora Karl Marx). Em longas caminhadas juntos, o barão recitava passagens de Homero e Shakespeare que seu jovem companheiro aprendia de cor - e mais tarde usou como temperos fundamentais em seus próprios escritos.
Na vida adulta, Marx reencenou aquelas alegres caminhadas com von Westphalen declamando trechos de Shakespeare, Dante e Goethe enquanto conduzia a própria família em piqueniques dominicais
"Operários e inspetores fabris protestavam com fundamentos higiênicos e morais, mas o Capital respondeu: Que os meus atos me caiam sobre a cabeça. Só reclamo a aplicação da lei. A pena justa prescrita na letra já vencida." Para provar que o dinheiro é um nivelador radical, Marx cita um discurso de Timon de Atenas de Shakespeare sobre o dinheiro como "a prostituta comum da humanidade", seguido de outro de Antígona de Sófocles ("Dinheiro! O dinheiro é a maldição do homem, nenhum é maior!/ É o que arruína cidades, expulsa homens de casa, / Tenta e desilude a alma mais bem intencionada, /Apontando o caminho para a infâmia e a vergonha...") Economistas com categorias e modelos anacrônicos são comparados a Dom Quixote, que "pagou a pena por imaginar erroneamente que a cavalaria andante era igualmente compatível com todas as formas econômicas da sociedade." As ambições iniciais de Marx eram literárias. Quando estudava Direito na Universidade de Berlim, ele escreveu um volume de poemas, um drama em versos, e até um romance, Escorpião e Félix, influenciado pelo romance altamente digressivo de Laurence Sterne, . Depois desses experimentos, ele admitiu a derrota: "De repente, como se por um toque de mágica - oh, o toque foi no início um golpe abalador - eu vislumbrei o reino distante da verdadeira poesia como um palácio de fadas longínquo, e todas minhas criações desmoronaram
Como Marx havia sofrido algum tipo de colapso, seu médico lhe ordenou que se retirasse para o campo para um longo repouso - em conseqüência do qual ele finalmente sucumbiu à voz de sereia de G.W.F. Hegel, o recém-falecido professor de filosofia de Berlim, cujo legado era objeto de intensa disputa entre colegas estudantes e lentes. Na universidade, Marx "adotou a prática de fazer resumos de todos os livros que lia" - um hábito que jamais perdeu. Uma lista de leitura desse período mostra a abrangência precoce de suas explorações intelectuais. Enquanto escrevia um trabalho sobre a filosofia do Direito, ele fez um estudo detalhado da História da Arte de Winckelmann, começou a estudar inglês e italiano por conta própria, traduziu a Germânia de Tácito e a Retórica de Aristóteles, leu Francis Bacon, e "gastei um bom tempo com Reimarius, a cujo livro sobre os instintos artísticos de animais apliquei minha mente com prazer." Foi esse mesmo estilo de pesquisa, eclético, onívoro e freqüentemente tangencial, que deu a O Capital sua amplitude extraordinária de referências.
Quando estudante, Marx era apaixonado por Tristam Shandy, e 30 anos depois ele encontrou um tema que lhe permitiu imitar o estilo solto e desconjuntado de que Sterne fora pioneiro. Como Tristam Shandy, O Capital está repleto de paradoxos e hipóteses, explicações abstrusas e excentricidades, narrativas fragmentadas e estranhezas. De que outra forma ele poderia fazer jus à misteriosa e muitas vezes confusa lógica do capitalismo? "O que te importa o que as pessoas murmuram aqui?" pergunta Virgílio a Dante no Canto 5 do Purgatório. "Segue-me e deixa as pessoas falarem." Na falta de um Virgílio para guiá-lo, Marx emenda a linha em seu prefácio para o primeiro volume de O Capital para advertir que não fará concessões aos preconceitos alheios: "Agora, como sempre, minha máxima é aquela do grande florentino: Segui il tuo corso, e lascia dir le genti (Segue o teu caminho, e deixa as pessoas falarem)." Desde a origem, portanto, o livro é concebido como uma descida às regiões inferiores, e mesmo no meio de complexas abstrações teóricas, ele transmite um senso vívido de lugar e movimento: "Vamos, pois, deixar esta região barulhenta do mercado, onde tudo que ocorre é feito à plena vista de todos, onde tudo parece aberto e franco. Seguiremos o dono do dinheiro e o dono da força de trabalho ao cerne oculto da produção, cruzando o limiar do portal no alto do qual está escrito, 'Entrada proibida exceto para negócios'. Aqui descobriremos, não só como o capital produz, mas também como ele próprio é produzido. Descobriremos, enfim, o segredo da geração da mais-valia."
Os antecedentes literários dessa jornada são freqüentemente relembrados à medida em que ele prossegue em seu caminho. Descrevendo fábricas de palitos de fósforo inglesas, onde metade dos trabalhadores são crianças e adolescentes (alguns com apenas seis anos até) e as condições tão estarrecedoras que "somente a parte mais miserável da classe trabalhadora, viúvas meio mortas de fome etc., entregam seus filhos a elas", ele escreve: "Com um dia de trabalho variando de
"Cavalheiros do júri, com certeza a garganta desse viajante comercial foi cortada. Mas isso não foi culpa minha, foi culpa da faca. Será que devemos, por esse inconveniente temporário, abolir o uso da faca? Considerem só! Onde estariam a agricultura e o comércio sem a faca? Ela não é tão salutar em cirurgia como hábil em anatomia? E uma auxiliar desejável na mesa festiva? Se abolirem a faca - vocês nos atirarão de volta às profundezas da barbárie." Bill Sikes não faz esse discurso
Em 1976, S. S. Prawer escreveu um livro de 450 páginas dedicado às referências literárias de Marx. O primeiro volume de O Capital rendeu citações de Bíblia, Shakespeare, Goethe, Milton, Voltaire, Homero, Balzac, Dante, Schiller, Sófocles, Platão, Tucídides, Xenofonte, Defoe, Cervantes, Dryden, Heine, Virgílio, Juvenal, Horácio, Thomas More, Samuel Butler - além de alusões a contos de horror, novelas românticas inglesas, baladas populares, canções e jingles, melodrama e farsa, mitos e provérbios.
O que possui status literário
Um fator de dissuasão talvez tenha sido o fato de que a estrutura de múltiplas camadas de O Capital escapa a uma categorização fácil. O livro pode ser lido como um vasto romance gótico cujos heróis são escravizados e consumidos pelo monstro que eles criaram ("O capital que vem ao mundo manchado de sangue de cima a baixo e pingando sangue por cada poro"); ou como um melodrama vitoriano; ou como uma farsa macabra (ao ridicularizar a "objetividade fantasmagórica" da mercadoria para expor a diferença entre aparecimento heróico e realidade inglória, Marx está usando um dos métodos clássicos da comédia, despindo a armadura do galante cavaleiro andante para revelar um homenzinho roliço de cueca); ou como tragédia grega ("Como Édipo, os atores no relato de Marx da história humana estão sob o domínio de uma necessidade inexorável que se desdobra à sua revelia", escreve C. Frankel em Marx and Contemporary Scientific Thought). Ou talvez seja uma utopia satírica como a terra de Houyhnhnms
Para fazer jus à lógica desconcertante do capitalismo, o texto de Marx é saturado de ironia - uma ironia que ainda tem escapado à maioria dos estudiosos nos últimos 140 anos. Uma exceção é o crítico americano Edmund Wilson, que argumentou, em Rumo à Estação Finlândia - um estudo sobre a escritura e o funcionamento da história (1940) - que o valor das abstrações de Marx - a dança das mercadorias, o estúpido ponto em cruz do valor - é principalmente irônico, justaposto como estão a cenas sombrias, bem documentadas, da miséria e sujeira que as leis capitalistas criam na prática. Wilson via O Capital como uma paródia da economia clássica. Achava que ninguém jamais tivera um insight psicológico tão implacável da infinita capacidade da natureza humana de permanecer omissa ou indiferente aos sofrimentos que infligimos a outros quando temos uma chance de obter algo deles para nós mesmos. "Ao lidar com esse tema, Karl Marx se tornou um dos grandes mestres da sátira. Marx é seguramente o maior ironista desde Swift, e tem muito em comum com ele." Qual é, então, a conexão entre o discurso literário irônico de Marx e sua avaliação "metafísica" da sociedade burguesa? Se tivesse desejado produzir um texto direto de economia clássica, ele o teria feito e, de fato, o fez. Duas conferências apresentadas em junho de 1865, posteriormente publicadas como Salário, Preço e Lucro, dão um sumário conciso e lúcido de suas teorias sobre mercadorias e trabalho: "Um homem que produz um artigo para seu próprio uso imediato, para consumi-lo ele mesmo, cria um produto mas não uma mercadoria... Uma mercadoria tem um valor, porque é uma cristalização de trabalho social... O preço, em si, não passa da expressão monetária do valor...
O que o trabalhador vende não é diretamente seu trabalho, mas sua força de trabalho, cujo uso temporário ele transfere ao capitalista..." E assim por diante.
Sejam quais forem seus méritos como análise econômica, isso pode ser compreendido por qualquer criança inteligente: nada de metáforas elaboradas ou metafísicas, nada de digressões enigmáticas ou incursões filosóficas, nada de floreios literários. Então, por que O Capital, que cobre o mesmo terreno, tem um estilo tão diferente? Teria Marx perdido o dom da expressão direta? Decididamente não: quando deu essas conferências, ele estava também concluindo o primeiro volume de O Capital. Uma pista pode ser encontrada em uma das pouquíssimas analogias que ele se permitiu em Salário, Preço e Lucro, quando, ao explicar sua crença de que os lucros resultam da venda de mercadorias por seu valor "real" e não, como se poderia supor, pela adição de uma sobretaxa. "Isso parece paradoxal e contrário à observação cotidiana", escreve ele. "É também paradoxal que a terra se mova em volta do sol, e que a água consista de dois gases altamente inflamáveis. A verdade científica é sempre paradoxal, se julgada pela experiência do dia a dia, que capta somente a natureza ilusória das coisas." A função da metáfora é nos fazer olhar para algo de outra maneira, transferindo suas qualidades para uma outra coisa, transformando o familiar em estranho e vice-versa. Ludovico Silva, um crítico mexicano de Marx, se apoiou no significado etimológico de "metáfora" como transferência para argumentar que o próprio capitalismo é uma metáfora, um processo alienante que desloca a vida de sujeito para objeto, de valor de uso para valor de troca, do humano para o monstruoso. Em sua leitura, o estilo literário de Marx adotado
Francis Wheen é autor da biografia Karl Marx (Record). O texto acima é trecho do livro O Capital de Marx: Uma Biografia, lançado na Inglaterra pela Atlantic e com lançamento no Brasil previsto para 2007 pela Jorge Zahar, parte da série Livros Que Abalaram o Mundo
quarta-feira, 24 de setembro de 2008
Escorpião e Félix, a Novela Humorística de Marx
Aos 18 anos, Marx andou escrevendo poemas românticos. Na época, estudava direito em Berlim e sentia grande interesse por filosofia, literatura e arte. Era um período de contradições, dispersão intelectual e confrontação entre seus desejos e os de seus pais. O jovem Marx passou por fases criticas: uma relação amorosa turbulenta, um colapso nervoso e a conhecidíssima carta de 10 de dezembro de 1837 dirigida a seu pai pouco antes de sua morte. Nela, Marx fala de suas recentes tentativas literárias: "No final do semestre saí novamente em busca das danças das Musas e música satírica, e no último caderno que lhes enviei o idealismo abre caminho através de um humorismo forçado ("Escorpião e Félix") e de um drama fantástico ("Oulanem") até mudar e se converter em pura arte de forma, sem objetivos entusiasmantes, sem uma linha social excitante."
Aqui publicamos alguns trechos de "Escorpião e Félix", a "novela humorística" de Marx.
Capítulo 12
"Um cavalo, um cavalo, meu reino por um cavalo", disse Ricardo 3°.
"Um homem, um homem, eu mesma por um homem", disse Greta.
Capítulo 27
"Ignorância, profunda ignorância."
"Porque (refere-se a um capítulo anterior) seu joelho dobrava-se demasiadamente por um lado!", mas faltava a certeza, e quem pode assegurar, quem pode descobrir que parte é a direita e qual é a esquerda?
Diga-me, mortal, de onde vem o vento ou se Deus tem nariz, e te direi o que é direita e o que é esquerda.
Não são nada além de conceitos relativos; é como mesclar loucura e demência com cordura.
Oh! todas as nossas aspirações serão vãs e nossas nostalgias uma ilusão até que não saibamos exatamente o que é direita e o que é esquerda, já que à esquerda se colocarão os machões e à direita os cordeiros.
Se se toma outra direção porque à noite se teve um sonho, então os réprobos estarão à direita e os santos à esquerda, de acordo com nossas miseráveis visões.
Por isso me esclareça o que é direita e o que é esquerda, e se desatará completamente o nó da criação, Acheronte movebo, daí deduzirei com precisão onde irá parar tua alma, e depois deduzirei também em que estágio te encontras agora já que aquela relação originária apareceria mensurável; enquanto tua colocação antes era determinada pelo Senhor, tua posição aqui embaixo pode ser determinada pelo volume de tua cabeça; sinto vertigem, se aparece um Mefistófeles serei Fausto, já que não sabemos que parte é direita e que parte é esquerda, por isso nossa vida é um circo; corremos em círculo, buscamos em todos os lugares até cairmos sobre a areia e o gladiador, precisamente a vida, nos mata; devemos ter um novo salvador, pois - pensamento tormentoso, me roubas o sonho, me roubas a saúde, me matas - não podemos distinguir a parte esquerda e a parte direita, não sabemos onde se encontram.
Capítulo 29
Estava eu sentado meditando, deixei de lado Locke, Fichte e Kant, entreguei-me a investigações profundas para descobrir que relação pode haver entre uma lavadeira e o morgadio, quando um relâmpago me atravessou e idéia, com seus estrondos transfigurou meu olhar, e uma imagem de luz apareceu frente a meus olhos.
O morgadio é a lavadeira da aristocracia, já que uma lavadeira só serve para lavar. Mas a peneira fica mais branca, por isso adquire a pálida luminosidade do que está lavado. Da mesma maneira. O morgadio reveste de uma camada de prata o filho primogênito da casa, lhe confere uma pálida tonalidade prateada, enquanto aos outros impõe a pálida cor romântica da miséria.
Quem se lava nos rios lança-se contra o elemento sonoro, bate-se contra sua ira e luta com braços fortes; mas quem está sentado na lavadeira fica encerrado dentro dela e olha os ângulos do quarto.
O homem comum, ou seja, o que não desfruta da bem-aventurança do morgadio, luta com a vida vertiginosa, arroja-se ao mar que se infla e com o mesmo direito que Prometeu rouba pérolas em suas profundidades; maravilhosamente se lhe apresenta frente aos olhos a configuração interna da idéia e cria mais audazmente; enquanto que o senhor primogênito somente deixa cair gotas sobre si, teme deslocar os membros e por isso senta-se dentro de uma lavadeira.
Encontrei, encontrei a pedra filosofal!