domingo, 15 de fevereiro de 2015

Manifesto CPC/UNE-1962


 (Carlos Estevam Martins)
“O que não é declarado explicitamente pelo artista alienado é dito implicitamente pela obra alienada. Querendo ou não , sabendo ou não , o artista se encontra sempre diante de uma opção radical : ou atuar decidida e conscientemente, interferindo na conformação e  no destino do processo social ou transformar-se na matéria passiva e amorfa sobre a qual se apoia este mesmo processo par avançar” (apud 122)
“Para o artista despolitizado a história da arte não constitui mais do que a história das formas e dos problemas artísticos e a sucessão dos estilos é entendida como não sendo mais que um simples jogo de pergunda e resposta (...) O que distingue os artistas e intelectuais do CPC dos demais grupos e movimentos existentes no país é a clara compreensão  de que toda e qualquer manifestação cultural só pode ser adequadamente compreendida quando colocada  sob a luz de suas relações  com a base material sobre a qual se erigem os processos culturais de superestrutura” (123)
“Se não fosse possível à consciência o adiantar-se em relação ao ser social e converter-se , dentro de certa medida , em uma força modificadora do ser social, também não seriam exequíveis nem a arte revolucionária nem o CPC” (123)
“Os artistas e intelectuais brasileiros distribuem-se em geral por três alternativas distintas: ou o conformismo de que acima falamos, ou o inconformismo ou a atitude revolucionária consequente (...) A classe dominante , enfeixando em suas mãos o poder material e político, não tem porque temer os arroubos esporádicos, a revolta dispersiva , a insatisfação inconsequente que caracteriza o comportamento dos inconformistas” (126)
“O CPC não poderia nascer, nem se desenvolver e se expandir por todo o país senão como momento de um árduo processo de ascensão das massas.  Como orgão cultural do povo, não poderia surgir antes mesmo que o próprio povo tivesse se constituido em personagem histórico, não poderia preceder o movimento fundador e organizativo pelo qual as massas se preparam para a conquista dos seus objetivos sociais (...) Isto significa que o povo tendo lançado as bases de sua defesa material está agora em condições de instituir o dispositivo que lhe permite resguardar e desenvolver seus valores espirituais, sua consciência. O CPC á assim fruto da própria iniciativa, da própria combatividade criadora do povo . Os membros do CPC optaram por ser povo...” (127)
“Para os artistas do CPC que tem no povo o público de sua opção o problema surge na medida em que o povo não é uma entidade homogênea em sua composição uma vez que dele faz parte não apenas a classe revolucionária mas também outras classes e estratos sociais os mais diversos. Assim , via de regra, ocorre que o artista do CPC embora pertencendo ao povo não pertença a classe revolucionária, senão pelo espírito, pela adoção consciente da ideologia revolucionária. Os conflitos que daí resultam não se atenuam quando se considera que o artista do CPC não tem como público exclusivamente a classe revolucionária. De fato sua obrigação é muito mais ampla pois ele deve dirigir-se a todos os setores do povo (...) o artista deve ir munido do ponto de vista da classe revocionária e à sua luz examinar aqueles problemas dando a eles soluções consetâneas com  os interesses da classe revolcionária, os quais , em última análise correspondem aos interesses gerais de toda a sociedade”
O POVO E SUAS 3 ARTES
“A arte do povo é predominantemente o produto das comunidades economicamente atrasadas e floresce  de preferência no meio rural ou em áreas urbanas que ainda não atingiram as formas de vida que acompanham a industrialização. O traço que melhor a define é que o artista não se distingue da massa consumidora (...) Com efeito a arte do povo é tão desprovida de qualidade artística e de pretensões culturais que nunca vai além de uma tentativa tosca e desajeitada de exprimir fatos triviais dados à sensibilidade mais embotada” (129)
“A arte popular , por sua vez, é mais apurada e apresentando um grau de elaboração técnica superior não consegue entretanto , atingir o nível de dignidade artística que a credenciasse como experiência legítima no campo da arte, pois a finalidade que a orienta é a de oferecer ao público um passatempo, uma ocupação inconsequente para o lazer (...) produção em massa de obras convencionais cujo objetivo supremo consiste em distrair o espectador em vez de formá-lo” (124)

“Tanto a arte do povo, em sua ingênua inconsequência, quanto a arte popular , como arte da distração vital, não podem ser aceitas pelo CPC como métodos válidos de comunicação com as massas pois tais formas artísticas expressam o povo apenas em suas manifestações fenomênicas, e não em sua essência”(124)
“Os artistas e intelectuais do CPC escolheram outro caminho: a arte popular revolucionária (...) Radical como é nossa arte revolucionária pretende ser popular quando se identifica com a aspiração fundamental do povo, quando se une ao esforço coletivo que visa darcumprimento ao projeto de existência do povo o qual não poder ser outro senão o de deixar de ser povo tal como ele se apresenta na sociedade de classes, ou seja , um povo que não dirige a sociedade da qual ele é povo (...) Eis porque afirmamos que, em nosso país e em nossa época, fora da arte política não há arte popular” (131)
“Os artistas e intelecutais do CPC não sentem qualquer dificuldade em reconhecer o fato de que, do ponto de vista forma, a arte ilustrada descortina para aqueles  que a praticam as oportunidades mais ricas e valiosas, mas consideram que a situacão não é a mesma quando se pensa em termos de conteúdo (...) Com efeito, seria uma atitude acrítica e cientificamente irresponsável negar a superioridade da arte de minorias sobre a arte das massas no que se refere às possibilidades formais que ela encerra” (134)
MÉTODO E PROCEDIMENTO DE CRIAÇÃO (p. 139/140)
Pesquisa formal se desdobra em dois planos distintos:
“Por um lado ela tem antes o caráter sociológico de levantamentodas regras e dos modelos, dos símbolos e dos critérios de apreciação estética que se encontram em vigência na consciência popular”
“Outra direção em que se desdobra a pesquisa formal do artista revolucionário consiste no trabalho constante de aferir os seus instrumentos a fim de que com eles poder penetrar cada vez mais fundo na receptividade das massas. Certamente mais rigorosas e implacáveis as regras que dirigem o processo de comunicação com as massas do que aquelas que facilitam o entendimento com as elites”
“Entre os argumentos daqueles que vem no CPC perigosa ameaça ao desenvolvimento harmonioso e ascendente da arte brasileira, destaca-se a acusação de que arte revolucionária , limitando-se em sua forma, limita-se implicitamente em seu conteúdo. De fato trata-se de uma afirmação procedente embora seja de todo ilícito concluir daí que o conteúdo de nossa arte por ser assim contido em sua expansão seja inferior ao conteúdo da arte das elites. Ele é menor apenas em relacão a si mesmo”
“A popularidade de nossa arte consiste por isso  em seu poder de popularizar não a obra ou o artista que a produz, mais o indivíduo que a recebe e em torna-lo, por fim, o autor politizado da pólis” (144)


(apud HOLLANDA, Heloisa B. Impressões de Viagem: CPC, Vanguarda e Desbunde. São Paulo, Brasiliense, 1981, p.121-144)

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