Marina de Oliveira [1]
RA 2730022
Janice Costa [2]
RA: 2730014
RESUMO
Esse
artigo baseia-se em textos analíticos de Denis Moraes e Janer Cristaldo, dentre
outros, para analisar o romance realista socialista, focando na obra de
Graciliano Ramos. Graciliano, escritor
que foi ligado ao partido comunista brasileiro, ficou famoso por ter contestado
o teórico Andrei Jdanov e suas propostas para um certo tipo de romance. No
entanto, essa contestação não foi movida por uma argumentação refutando as
ideias de Jdanov. Inclusive, pode-se dizer que Vidas Secas aproxima-se do romance realista socialista por adotar o
ponto de vista do camponês e ter um sentido forte de denúncia social.
Graciliano Ramos, formalmente, alegou não aceitar as discussões ideológicas
propriamente ditas da maneira como eram colocadas no romance realista
socialista. Não aceitava, então, nenhum romance realista socialista russo, mas
ao mesmo tempo elogiava Jorge Amado, autor que ganhou o prêmio Stálin em 1954 e
escreveu uma trilogia que pode sem dúvida ser classificada como romance
realista socialista: os Subterrâneos da
Liberdade. A crítica ligada aos
comunistas, em contrapartida, criticou o excesso de subjetividade em seus
romances e alegou que ele só chegava ao realismo crítico burguês, não chegando
ao realismo socialista propriamente dito. A única concessão que Graciliano
Ramos fez efetivamente foi dizer que São
Bernardo foi uma tentativa no sentido do romance realista socialista. O que
se pode dizer, no entanto, foi que Graciliano Ramos sempre guardou certo
distanciamento dos direcionamentos mais diretos do partido comunista, adotando
certas posições favoráveis a elementos subjetivos dentro dos romances, assim
como mantinha um estilo autoral.
Palavras-chave: realismo socialista, Graciliano
Ramos, Stálin, Jdanov, crítica literária, São Bernardo
1 INTRODUÇÃO
Em nossa época dita
pós-moderna, a ficção perdeu o status de atividade central na sociedade,
decaindo a um espaço marginal, substituída por outras mídias tais como a
televisão, o best-seller (quase sempre um livro estrangeiro traduzido) e a
reportagem jornalística.
Embora as narrativas
realistas ainda sejam hegemônicas, especialmente na produção ficcional mais
extensa, o realismo é objeto de crítico nas universidades. A teoria separa
entre o autor biográfico e o narrador dos textos, desresponsabilizando o autor,
o chamado autor empírico, das posições políticas e sociais tomadas por sua
literatura. A teoria crítica predominante nas universidades valoriza muitos
autores que fogem ao realismo do século XIX: Joyce, Kafka, Jorge Luís Borges,
autores que criam um mundo próprio, muitas vezes com uma lógica muito própria,
com uma estética muitas vezes derivada do surrealismo francês, do dadaísmo e,
no geral, das vanguardas do início do século XX. O público, embora esteja mais
aberto a esse tipo de escritor, prossegue preferindo o realismo ao estilo
canônico do século XX. No entanto, como denunciar a alienação se o mundo
apresentado por esses romancistas é todo ele absurdo, ou seja, é todo um mundo
alienado?
É preciso, então, indagar,
numa época em que ele está praticamente morto: o que é o realismo socialista?
Que obras gerou? Nesse artigo, por questões de brevidade, essas questões são
respondidas de forma a focalizar como esse debate refletiu-se na obra de um
grande escritor brasileiro: Graciliano Ramos. Em seu tempo, Ramos foi
contemporâneo desse tipo de realismo, tem alguns elementos em comum com ele (ao
apresentar o mundo dos sertanejos de forma cru, áspera, sem enfeites ou
meios-tons, apresenta também uma denúncia social), mas efetivamente Ramos não
aprofundou-se em sua teorização, rejeitando o seu teórico, Andrei Zdanov. Nesse
artigo serão abordados alguns elementos dessa relação entre esse tipo de realismo
e o referido escritor brasileiro.
1
GRACILIANO E O ROMANCE REALISTA E SOCIALISTA: contrastes e aproximações
Na atualidade, o realismo
socialista não encontra lugar nem entre os best-sellers
realistas e nem na academia. Graciliano Ramos rejeitou o realismo socialista,
mas continuou tendo pontos em comum com ele. Ele não pretende fazer uma
literatura falando de coisas agradáveis; ele rejeita, então, a literatura burguesa.
Para a burguesia, os outros não teriam motivo para estar descontentes. Esses
literatos, então, não questionam conflitos importantes. Graciliano Ramos
questionava a literatura que se entregava ao subjetivo em termos semelhantes,
pois quando o ficcionista envereda por temas subjetivos, tende a fazer
“criações mais ou menos arbitrárias, complicações psicológicas, às vezes um
lirismo atordoante, espécie de morfina, poesia adocicada, música de palavras”
(RAMOS, APUD. MORAES, 2014).
A literatura de Graciliano
Ramos é fortemente marcada pelo convívio de perto que ele teve com os
sofrimentos que provinham da opressão econômica em Pernambuco e na cidade
alagoana de Palmeira dos Índios, onde chegou a ser prefeito.
Assim, Vidas Secas, embora não sugira o
socialismo como solução, expõe as brutalidades no sertão nordestino,
articulando diversos elementos: o homem e seu destino errante numa paisagem
calcinada e árida. Os bichos, a seca, a
humilhação, o todo compõe um quadro que realista que remete a Emile Zola e o
retrato que ele fez, no século XIX, da vida entre os trabalhadores das minas.
Essa forte preocupação social e essa denúncia chocante interessa ao ponto de
vista da classe operária e, ao não florear uma realidade áspera, serve como
denúncia da opressão semi-feudal no Nordeste, assim como do latifúndio,
problemas profundamente enraizados na realidade nacional e até hoje presentes.
Vidas secas expõe, sem meias verdades, o entorno de
brutalidades no sertão. [...] Procurei auscultar a alma do ser rude e quase
primitivo que mora na zona mais recuada do sertão, observar a reação desse
espírito bronco ante o mundo exterior, isto é, a hostilidade do meio físico e a
injustiça humana. Por pouco que o selvagem pense — e os meus personagens são
quase selvagens —, o que ele pensa merece anotação (RAMOS apud MORAES, 2014).
É curioso notar que,
embora apresente adjetivos críticos no que diz respeito ao sertanejo, tal como
“bronco”, “rude”, “primitivo”, é bastante notória, em seus romances, a
injustiça humana voltada contra esses camponeses. Ao invés de chamá-lo de
preguiçoso e supô-lo analfabeto e ignorante, o narrador de Vidas Secas apresenta interesse humanista pelos humildes, cuja voz
é importante escutar. Era uma voz ignorada, escutada por poucos até então.
Ao dar voz aos camponeses
do mais profundo sertão, faz o que a estética socialista propõe: leva os oprimidos
e suas questões até um campo em que eles não estavam presentes ou não tinham
sua voz escutada. Ele exibe as exclusões e não usa preconceitos para torná-las
mais digeríveis. Numa carta para Portinari, ele analisa a curiosa relação entre
realidade e estética, observando que existiam modelos reais para as obras dele
e do amigo. Ambos vinculam-se ao povo humilde dos grotões, retratando-os e
dando-lhes voz. Comenta Graciliano Ramos:
Você fixa na tela a
nossa pobre gente da roça. Não há trabalho mais digno, penso eu. Dizem que
somos pessimistas e exibimos deformações; contudo as deformações e a miséria
existem fora da arte e são cultivadas pelos que nos censuram (RAMOS apud MORAES, 2014).
Essa questão apresentada
acima é premente ainda hoje: embora os pobres e famintos não apareçam mais nas
obras de arte que cultivam mundos sonhados ou imaginários, eles continuam a
existir na realidade. Ainda que o refinado professor universitário não remeta
aos desvalidos, eles continuam a existir na realidade e o estado muitas vezes
tolera e administra essa pobreza. Como escreve Graciliano Ramos:
Os inimigos da vida
torcem o nariz diante da narrativa crua, da expressão áspera. Querem que se
fabrique nos romances um mundo diferente deste, uma confusa humanidade só de almas,
cheias de sofrimentos atrapalhados que o leitor comum não entende. Põem essas
almas longe da terra, soltas no espaço. Um espiritismo literário excelente como
tapeação [...]. A miséria é incômoda. Não toquemos em monturos [...]. São
delicados, são refinados, os seus nervos sensíveis em demasia não toleram a
imagem da fome e o palavrão obsceno. Façamos frases doces. Ou arranjemos torturas
interiores, sem causa [...]. E a literatura se purificará, tornar-se-á
inofensiva e cor-de-rosa, não provocará o mau humor de ninguém, não perturbará
a digestão dos que podem comer. Amém
(RAMOS apud MORAES, 2014).
Sendo assim, tem-se acima
mais um norteamento adotado pelos romances do realismo socialista: literatura
interessada nas grandes questões sociais de seu tempo, tomando partido dos
trabalhadores e camponeses contra os burgueses e latifundiários. Literatura voltada para a sociologia e não
para o aprofundamento em questões psicológicas.
O chamado ciclo
regionalista de 1930 foi elogiado por Graciliano Ramos, opondo-se às
investigações formais da Semana de 22. Havia preocupações, entre esses
escritores (Jorge Amado, Rachel de Queiroz, José Lins do Rego e, há quem
considere, dentro desse ciclo, o próprio Graciliano) em recriar um nordeste que
as elites esqueceram, um nordeste árido. Ou seja, só por tomarem esse tema, já
estariam se opondo ao conservadorismo, assumindo posição política,
revolucionária. Os personagens bebem cachaça, matam gente e vão para a cadeia,
passam fome em quartos sujos de uma hospedaria. Trata-se, então, de uma
literatura próxima da vida dos próprios escritores. Mesmo a literatura torre de
marfim seria um trabalho e uma luta social, dessa perspectiva: seria um esforço
para fazer esquecer os problemas. Os romances com preocupação social não atingiram
a massa e sim a pequena burguesia do sudeste brasileiro. E sem citar o romance
realista socialista, ele tratou de um conceito correlato, o “romance social”:
Se fôssemos
conceituar romance social como romance dos problemas do povo, só haveria um
romance social quando escrito pelo próprio operário, como já ficou dito. Um
escritor pode escrever para a massa e o operário nem o ler. Eu já tentei isso
quando escrevi São Bernardo, mas o povo não leu e continuo sem saber por quê.
De qualquer modo, o romance social terá que ser sentido e é preciso que o
personagem seja o próprio autor. Gênero popular é o folhetim, que a massa vai
aceitando como entorpecente
(RAMOS apud MORAES, 2014).
Embora tivesse todos esses
pontos em comum em relação ao realismo socialista, é em relação ao realismo
socialista russo que ele exprime irritação ou rejeição, mas não em reação ao
realismo socialista de Jorge Amado. A raiz do dissenso quanto ao realismo
socialista parece estar, não no tal culto da personalidade (que é debatido na própria
União Soviética no livro A Viagem),
mas na questão de que, embora preocupado com as questões sociais, Graciliano
ainda era, mesmo assim, um autor individual, que não gostava de ser pressionado
por grupos e nem ser constrangido por preceitos ideológicos, podendo criar mais
livremente. A esse respeito, o próprio Graciliano esclareceu:
Acho que transformar
a literatura em cartaz, em instrumento de propaganda política, é horrível. Li
umas novelas russas e, francamente, não gostei. O que é certo é que não podemos,
honestamente, apresentar cabras do eito, homens da bagaceira, discutindo
reformas sociais. Em primeiro lugar, essa gente não se ocupa com semelhante
assunto; depois os nossos escritores, burgueses, não poderiam penetrar a alma
dos trabalhadores rurais (...). Eu não admito literatura de elogio. Quando uma
ala política domina inteiramente, a literatura não pode viver, pelo menos até
que não haja mais necessidade de coagir, o que significa liberdade outra vez. O
conformismo exclui a arte, que só pode vir da insatisfação. Felizmente para
nós, porém, uma satisfação completa não virá nunca. A raiz da equação,
portanto, era entrelaçar arte e ideologia, sem que uma subjugasse a outra
(...). Esse troço não é literatura. A gente vai lendo aos trancos e barrancos
as coisas que vêm de Moscou. De repente, o narrador diz: ‘O camarada Stalin...’
Isto no meio de um romance?! Tomei horror
(RAMOS apud MORAIS, 2013).
No entanto, não se pode
dizer que Ramos desconhece e rejeitasse qualquer romance inspirado no realismo
socialista, pois Graciliano aceitava e reconhecia os romances de seu
contemporâneo Jorge Amado. Pode-se supor que a discussão de questões
ideológicas por parte de pessoas da classe trabalhadora, o que muito raramente
ocorre no Brasil, quem sabe devido ao atraso cultural, à violentíssima
repressão e à despolitização, não é elemento propagandístico na União
Soviética. Esse debate de fato acontecia, ainda que de modo simples ou
primário, não sendo mero recurso propagandístico ou artificialismo.
Ramos rejeita em bloco o
realismo socialista, o que incluiria também rejeitar o autor de Subterrâneos da Liberdade. Ele não
acredita nem sequer em melhorar o estilo do romance socialista. Diante disso,
Graciliano julga que o importante para caracterizar uma literatura como
revolucionária seria que “a literatura é revolucionária em essência, e não pelo
estilo do panfleto” (RAMOS, apud: MORAES, 2014).
É bastante curiosa a
observação acima, pois sabe-se que Graciliano tinha obsessão em trabalhar o
estilo e seu estilo é bem característico. A essência, quem sabe, seria o
próprio tema abordado. No entanto, tal formulação é falha: um literato burguês
pode abordar a fome no nordeste e fazer dela uma descrição realista, mas ao
mesmo tempo justificá-la de forma preconceituosa: há fome porque “têm preguiça”
de trabalhar, porque são demasiado sensuais, rudes, analfabetos, incapazes,
“inferiores”, já nascidos de negros e índios e condenados a não aderir à
civilização, inclusive devido ao calor de sua terra, etc. Assim, para criar o realismo
socialista, o estilo, o tema e o ponto de vista ligam-se uns aos outros e não
podem ser separados.
Assim, Dênis de Moraes
registra que Graciliano Ramos, segundo críticos da época, chegou somente até o
realismo crítico burguês, não entrando propriamente no realismo socialista.
Seus romances teriam, ainda que muito objetivos, um excesso de subjetividade,
em detrimento de análises objetivas. Graciliano Ramos era, ainda segundo Paulo
Mercadante, favorável a fazer intervenções ideológicas quanto a produção
literária trazia, como em Balzac, o momento social e econômico em que os
personagens viviam. Tal observação é curiosa, pois Balzac era monarquista. Ele
julgava que não se deveria introduzir arroubos retóricos que artificializavam
os sentimentos.
2
SÃO BERNARDO: romance socialista de Graciliano Ramos?
Graciliano Ramo considera
São Bernardo um romance seria algo que ele fez de mais próximo do romance do
realismo socialista. O romance São Bernardo tem como protagonista Paulo
Honório, um prepotente dono de terras que coisifica todos ao seu redor. Paulo
ascende socialmente e só passa a entender o que fez a todos ao seu redor depois
do suicídio de sua esposa. Paulo saiu do nada e entrou em confronto com as
ideias novas de Padilha, um bacharel de quem tomou a fazenda. Madalena, sua
esposa, tem ideias progressistas que entram em choque com a rude incultura de
Paulo Honório.
Padres! exclamou Luís
Padilha com desprezo (...). Era ateu e transformista. Depois que eu o havia
desembaraçado da fazenda, manifestava ideias sanguinárias e pregava,
cochichando, o extermínio dos burgueses (...). Essas doutrinas exóticas não se
adaptam entre nós. O comunismo é a miséria, a desorganização da sociedade, a
fome (...). Uma nação sem Deus! Bradava padre Silvestre a d. Glória. Fuzilaram
os padres, não escapou um. E os soldados, bêbados, espatifavam os santos e
dançavam em cima dos altares
(RAMOS apud CRISTALDO, 2014).
É bastante curioso e atual
o painel que Graciliano traça: o ateísmo de Padilha tende a levar ao socialismo
(o que nem sempre acontece, mas é verdade).
Paulo Honório não é humanitário e trata de criticar com brutalidade as
ideias da mulher, o que acaba causando seu suicídio. Paulo pode ser tomado como
símbolo da incultura, da rudeza e das relações atrasadas no interior
brasileiro, em especial no campo:
A verdade é que não
me preocupo muito com o outro mundo. Admito Deus, pagador celeste dos meus
trabalhadores, mal remunerados cá na terra, e admito o diabo, futuro carrasco
do ladrão que me furtou uma vaca de raça. Tenho portanto um pouco de religião,
embora julgue que, em parte, ela é dispensável num homem. Mas mulher sem
religião é horrível (...). Comunista, materialista. Bonito casamento! Amizade
com o Padilha, aquele imbecil. ‘Palestras amenas e variadas’. Que haveria nas
palestras? Reformas sociais, ou coisa pior. Sei lá! Mulher sem religião é capaz
de tudo. Misturei tudo ao materialismo e ao comunismo de Madalena e comecei a
sentir ciúmes (RAMOS apud CRISTALDO, 2014).
Paulo Honório deixa de
pagar a seu empregado Padilha durante quatro meses, seu emprego, debochando de
sua esperança na revolução socialista. Quando Padilha busca outro emprego, ele
é ainda mais cruel:
Tenha paciência. Logo
você se desforra. Você é um apóstolo. Continue a escrever os contozinhos sobre
o proletário (...). Impossível, Padilha. Espere o soviete. Você se colocará com
facilidade na guarda vermelha. Quando isso acontecer, não se lembre de mim não,
Padilha, seja camarada
(RAMOS apud CRISTALDO, 2014).
Assim como a própria
exposição de suas ideias religiosas mostra que Paulo Honório está interessado é
em usar a religião para explorar, sua relação com o empregado é a exploração
sob a forma mais crua, expressão das relações atrasadas no interior do Brasil.
No Nordeste brasileiro chegou a existir o direito dos senhores medievais, que
era o direito de pernada: o senhor tinha direito a desvirginar a esposa do
empregado.
A relação com a esposa
gera uma dupla tensão: ao mesmo tempo a mulher não pode ser dominada e as
ideias progressistas implicam em perda de sua posição de latifundiário. Paulo
sentiu muito o suicídio de sua mulher, que considerava seu patrimônio, passando
a repensar aquilo que fazia aos outros. Esse romance é militante no seguinte
sentido: Madalena e Padilha são cultos, socialistas, comunistas, progressistas,
pessoas civilizadas, que desejam a modernização. Paulo é tão bárbaro que admite
suas atrocidades, adotando postura boçal e opondo-se às ideias novas que as
vítimas professam. A tendência é o leitor entender a fala de Paulo Honório como
denúncia da classe dominante brasileira como um todo e não tomar o seu partido.
Embora em entrevista tenha
recomendado São Bernardo como romance que aborda o socialismo, Graciliano não o
fez ao visitar a União Soviética. Perguntado, em viagem à URSS, sobre que
romance seu deveria ser editado lá, responde secamente que nenhum e justificou:
São narrativas de um
mundo morto, as minhas personagens comportam-se como duendes. Na sociedade nova
ali patente, alegre, de confiança ilimitada em si mesma, lembrava-me da minha
gente fusca, triste, e achava-me um anacronismo. Essa idéia, que iria
assaltar-me com freqüência, não me dava tristeza. Necessário conformar-me: não
me havia sido possível trabalhar de maneira diferente: vivendo em sepulturas,
ocupara-me em relatar cadáveres
(RAMOS apud CRISTALDO, 2014).
Assim, ao ter chance de
recomendar São Bernardo, deprime-se ao ver o contraste entre a nova sociedade e
a situação sofrida, maltrapilha, aniquilida do povo que descreveu, não
conseguindo, então, fazer uma escolha ou abordagem adequada de seus textos a
serem traduzidos. Evidentemente que São Bernardo, por tematizar o socialismo,
teria interesse, assim como a denúncia social de Vidas Secas.
CONSIDERAÇÕES
FINAIS
Essa pesquisa buscou
investigar a posição teórica e prática de Graciliano Ramos a respeito do
romance realista socialista. Parece-nos que Graciliano Ramos praticou uma
modalidade do realismo crítico, mas o romance, segundo ele próprio, que mais se
aproxima do realismo socialista é São Bernardo. No entanto, Graciliano se
posicionava diretamente contra as teorias de Jdanov e a discussão direta dos
conteúdos ideológicos no interior dos romances, julgando que isso transformava
os romances em propaganda ou cartaz.
Isto posto, Graciliano se
colocou diretamente em oposição ao realismo socialista, alegando não ler ou
aceitar nenhum romance realista socialista, nenhum romance russo. No entanto, é
sabido que Graciliano Ramos admirava o seu contemporâneo Jorge Amado, autor de
romances realistas socialistas como a trilogia Subterrâneos da Liberdade. Sendo assim, Graciliano aproxima-se,
sim, do realismo socialista, mas afasta-se, ao mesmo tempo, de aceitar
determinadas interferências do partido, resguardando o aspecto autoral de seus
livros e sua individualidade. Um admirador de Graciliano, Paulo Mercadante,
afirma que Graciliano estaria de acordo não com Zdanov, mas com Gorki. As
observações de Gorki, no entanto, valeriam para todas as linhas políticas, o
que nos parece um equívoco. O romance realista socialista, como se pode ver em
exemplos como o já citado Subterrâneos da Liberdade, não produziu somente obras
medíocres, sendo esse julgamento de Dênis Moraes, assim como alguns outros
semelhantes, um tanto quanto apressados e derivados de críticas um tanto quanto
exageradas.
Portanto, embora a
narrativa realista esteja em alta, a academia tem se voltado para criticar o
realismo e valorizar a ficção que não tem referência no real, enquanto a
sociedade adere aos best-sellers estrangeiros, que são uma forma de realismo
burguês pouco ou nada crítico. O realismo socialista não encontra espaço para
debate, então, nem na academia e nem no mercado. Sempre que se trata do romance
realista socialista, há questões políticas um tanto quanto que turvam o debate
e deixam em segundo plano os debates estéticos.
REFERÊNCIAS
BIBLIOGRÁFICAS
CRISTALDO,
Janer. Engenheiros de Almas.
Disponível em: <http://www.ebooksbra sil.org/eLibris/engenheirosdealmas.html>.
Acesso em 26 de março de 2014.
MORAES,
Dênis. Graciliano, literatura e
engajamento. Disponível em: <http://ww w.pcb.org.br/fdr/index.php?option=com_content&view=article&id=77:gracilianoliteratura-e-engajamento&catid=13:120-anos-de-graciliano>.
Acesso em 26 de março de 2014.
OSTROVSKI,
Nikolai. Assim foi temperado o aço. Disponível
em: <http://www.mepr.org.br/cultura-popular/literatura/380-a-fortaleza-literaria-de-qassim-foi-temperado-o-acoq.html>.
Acesso em 15 de março de 2014.
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