Observações
Sobre a Carta Sobre o Stalinismo: Lukács e a Metamorfose Ambulante
Lúcio
Jr.
Em primeiro, o termo stalinismo. O
termo é usado por Trotsky para dissociar bolchevismo e a pessoa de Stálin.
Usá-lo já é tomar partido de Trotsky.
Ele
fala em culto da personalidade como se Lênin também não dissesse que se deve
promover os líderes. Stálin aceitou ser símbolo do poder soviético, o que não
quer dizer que tivesse o poder absoluto e fosse um ditador. Suas decisões eram
sempre coletivas, dependiam da aprovação do Comitê Central. Ao menos, Lukács vê
o problema como do sistema, sistêmico, não ligado a um indivíduo.
Em
geral, a partir daí, quando essa expressão culto da personalidade surge, é para
decapitar os líderes do partido revolucionário. Ela teve esse uso na China de
Deng Siaoping.
Lukács
comenta que o problema é, em grande parte, da historiografia. Para ele,
Kruschev tratou corretamente a questão de Trotsky e Stálin no XX Congresso. Nem
isso parece-me tão bem resolvido. Ele despertou o velho fantasma do
trotsquismo. Há muito favorável a Trotsky nessa carta, bem como há muito
favorável a Kruschev.
Primeiramente
Lukács esclarece que Trotsky colocou, nos anos 20, o dilema entre exportar a
revolução militarmente ou retornar ao que havia antes de outubro de 1917, ou
seja, uma democracia liberal. O húngaro dá razão a Stálin, comenta que a
história refutou essa teoria. Mas logo em seguida, mais uma mancada: afirma que
Stálin, na realidade, teria continuado na linha de Trotsky, roubando seu programa,
ao militarizar os sindicatos, opondo-se, então, a Lênin. Esta foi uma das
poucas passagens em que Lukács deu razão a Stálin nessa Carta.
E ainda assim, logo em seguida sai-se com algo
bastante duvidoso: Stálin seguia muito Lênin e dificilmente retornaria nesse
ponto onde Lênin já tinha exposto seu ponto de vista.
Trotsky
teria razão ao dizer que Stálin tomou o seu programa, o georgiano estaria
realizando “o que havia de despótico e antidemocrático na linha de Trotsky”.
Stálin é acusado de ser trotsquista, contra o leninismo!
Ele
foge da questão de Bukharin, dando a entender que o problema é apenas teórico e
não político. Ele, a seguir, considera os processos supérfluos, uma vez que as
oposições não tinham mais força no partido. Logo, ele toma partido a favor de
Bukharin: seria vítima de um processo falso, supérfluo, que representou um
ataque a uma oposição que já não tinha mais poder. Mas o sentido dos Processos
de Moscou não foi mera luta do poder, havia evidências de colaboração com
nazistas e japoneses. Lukács nunca menciona isso.
Nos
anos 30, Stálin estaria defendendo Lênin apenas da boca para fora. Ele
estabeleceu ligações muito imediatas entre teoria e prática, abolindo as
mediações. Que mediações seriam essas?
Como
fica evidente desde o uso do termo stalinismo, Lukács separa o que há de
específico no stalinismo do marxismo-leninismo.
Stálin
não teria grandes ações (sic) e nem realizações teóricas a ele devidas (hein?). “Não
dispunha da mesma autoridade de Lênin” (como assim? Depois de derrotar Hitler?). As categorias de Lênin desaparecem do
horizonte de Stálin. Mas ele não é acusado de citar demais? Ou cita demais, como mania, ou desaparece com as categorias, das duas, uma.
Lukács
entra na questão chinesa, de início dá razão a Stálin, “na ocasião, do ponto de
vista tático, estava com toda razão”. Logo a seguir, acusa-o de inventar um
feudalismo asiático. Se ele não chama Stálin de culpado pela derrota de 1927
para Chiang Kai Shek, ele acusa de outra coisa, de inventar um feudalismo
–conceito falso-- para justificar a idéia da etapa, bem como mobilizar forças
em torno de um conceito falso. Mas se a reovlução não é socialista, é que a
contradição no país não é entre proletariado e burguesia e há uma etapa
anterior a vencer: há o imperialismo, há o latifúndio no papel do feudalismo
asiático.
Lukács
concorda que Stálin esteve certo ao afastar a idéia da revolução proletária
imediata, sem etapas, idéia de Trotsky, mas ridiculariza e destrói o edifício
conceitual que refutou os trotsquistas, o que repõe a porta aberta para a volta
do mesmo fantasma para nos assombrar.
As vitórias da revolução chinesa graças a esse
arcabouço de reflexões de Stálin são totalmente descontextualizadas, assim com
as denúncias de que os trotsquistas se aliaram aos japoneses, realizadas pelos
maoístas, não são levadas em conta.
Mesmo
o Pacto Ribbentrop-Molotov, que permitiu ganhar a guerra, é visto fora do
contexto histórico. É acentuado o erro de entender que essa deveria ser a
estratégia internacional do proletariado, a aliança com Hitler. A importância história e estratégia do Pacto, historicamente um acerto, é obscurecida.
Kruschev
é chamado de herdeiro das idéias do stalinismo, única crítica a Kruschev nessa
carta, mas a Carta parece ir também no sentido contrário, de que no XX Congresso, Kruschev refutou essas teses falsas. Stálin e suas justificações
teóricas seriam agradáveis para os pensadores burgueses. Quais? Ele fala que
Salvador Madariga (liberal espanhol anticomunista) e Hoxha convergem no elogio
a Stálin. Talvez esteja ocultando justamente o contrário: o entusiasmo de
ideólogos burgueses a ataques a obras de Stálin tanto no campo teórico quanto
às suas ações.
É
preciso liquidar a metodologia staliniana. Lukács não faz isso? Faz tábula rasa
da obra econômica staliniana e seu ensaio sobre Linguística nessa Carta, com poucos argumentos,
apenas argumenta que Stálin cria “leis fundamentais” que seriam levianas,
falsas, bem como analisa que a decadência da estrutura não seria a decadência da
ideologia (superestrutura). É saber se para o teórico húngaro a estrutura ainda
determinada a superestrutura ou isso é subjetivismo staliniano. Lukács não
menciona ter elogiado esse ensaio sobre Linguística anos antes.
Para
Lukács, Stálin era subjetivista em economia, isso faria parte de seu método.
Ele transformou um texto de Lênin de 1905 em “Bíblia”. Stálin deformou textos
de Lênin. A continuidade entre Lênin e Stálin era “citacional”, ou seja, Stálin
tentou sempre fundamentar tudo o que dizia citando Lênin. Lukács não contesta,
mas a seguir afirma que Kruschev já deixou isso de lado, afirmando que Lênin
não se preocuparia com isso. Disso resulta que Stálin está sempre muito bem
fundamentado em seu líder.
Lukács
denuncia que Hegel, durante a II Guerra, virou opositor da Revolução Francesa,
que teria defendido a vida inteira, enquanto o general Suvorov virou um
revolucionário. Como Lukács escreveu durante a II Guerra um livro sobre o jovem
Hegel, é possível que ele tenha abordado esse tipo de questão enquanto os
outros lutavam nos campos de batalha. Ao invés de encomendar a ele uma análise
da situação das classes na Hungria, que serviria ao pós-guerra, Lukács teve
liberdade para escrever e pesquisar o que lhe interessava, embora a URSS
vivesse as condições mais precárias e terríveis.
Segundo
Lukács, na História do Partido Comunista da URSS, só Lênin e Stálin teriam
existência concreta, outros nomes não são citados. Ao verificar, notei que
Lukács errou, outros nomes são extensamente citados. Lukács faz tábula rasa do
período Stálin, afirmando que Historiografia, Filosofia e Economia ficaram
estagnadas. Reconhece como obras importantes apenas as de Lênin de 1915-16 sobre
esses assuntos. Lukács deixa para estudiosos do assunto decidirem se as lutas
de classes agravam-se durante o socialismo. Stálin teria transformado isso em
lei fundamental. Essa tese falsa teria sido desmascarada no XX Congresso.
Possivelmente é parte do “falso sistema de idéias gradualmente montado” por
Stálin.
O marxismo de Stálin tem atração sobre ideólogos
burgueses. Em que sentido? Adesão? Logo a seguir, ele diz que o marxismo
reduzido tem menos atração sobre as massas que o marxismo genuíno. Não seria,
nos ambos os casos, justamente o contrário? Os burgueses com repulsa a Stálin,
as massas com simpatia por textos didáticos, “reduzidos”.
Lukács conta que, no período Stálin,
se uma enciclopédia ia rodar (ser publicada), logo a seguir passava a ter erros
e mentiras, era preciso rodar de novo. Muito bizarro o que acontecia. Questão
de Historiografia, realmente. Afinal, tudo converge no sentido de incompetência
da “burocracia cultural stalinista” (termo que ele usa e que mais uma vez
remete e valida Trotsky).
Enfim,
a carta: 1) reintroduz Trotsky, reavivando seus debates e terminologia; 2) toma
partido de Kruschev, criticando-o muito pouco e louvando o XX Congresso com
suas reflexões, sem voltar às análises anteriores de Lukács louvando Stálin, o
que dá a entender que Lukács acusa Stálin daquilo que ele mesmo faz, mudar de
posição de forma oportunista, sempre em metamorfoses oportunistas, para acolher
decisões do poder, sem voltar ao que foi dito antes e explicar como foi
possível dizer justamente.
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