sábado, 12 de setembro de 2020

Jorge Amado, trecho de Subterrâneos de Liberdade

 O senhor não vai quer me convencer que é com a ditadura do proletariado que o homem se liberta…

– Não quero convencê-lo de nada, doutor. Para mim é suficiente que os operários o compreendam. Sim, a ditadura do proletariado libera o homem da miséria, da ignorância, da exploração, do egoísmo, de todas as cadeias em que o amarra a ditadura da burguesia e dos latifundiários a que os senhores chamam de democracia e que agora se transforma no fascismo. Democracia para um grupo, ditadura para as massas. A ditadura do proletariado quer dizer democracia para as grandes massas.

O juiz forçou um sorriso:

– Já li isso em qualquer parte: “tipo superior de democracia…” Chega a ser divertido. Nem liberdade de expressão, nem liberdade de crítica, nem de religião…

– O senhor está descrevendo o Estado Novo e não o regime socialista – comentou João. Num Estado socialista, na URSS, existe liberdade de expressão, de religião, de crítica. Basta ler a Constituição Soviética. O senhor a conhece? Eu recomendo-lhe a leitura, doutor. Para um jurista é essencial.

– Liberdade na Rússia… Liberdade de ser escravo do Estado, de trabalhar para os demais. Liberdade de não possuir nada, de não ser dono de nada.

– Sim, a liberdade de explorar os demais, de possuir os meios de produção, essa não existe na URSS. Essa existe aqui , doutor, liberdade para os ricos, para uns quantos. Para os demais, para a imensa maioria dos brasileiros, o que existe é liberdade de passar fome e de ser analfabeto. E a cadeia, as pancadas, a solitária, se protestar contra isso. O senhor se esquece que está falando com um preso, doutor, uma vítima da vossa liberdade. Os senhores se contentam com a liberdade para sua classe. Nós queremos a verdadeira liberdade: liberdade do homem com sua fome saciada, do homem livre da ignorância, do homem com trabalho garantido, sem problemas para o sustento dos filhos. Doutor, não fale de liberdade aqui, na Casa de Detenção. Aqui a nossa liberdade vale bem pouco. É abusar de uma palavra que para nós, comunistas, tem um significado muito concreto.

– Com os senhores não se pode conversar. Querem impor as idéias pela força.

– Pela força? – João sorriu novamente. – cuidado, doutor, assim o senhor vai terminar afirmando que fui eu quem espancou a polícia…

– O senhor é um moço inteligente – a voz do juiz fazia aconselhadora. – Até é difícil acreditar que o senhor seja mesmo um operário. Se o senhor abandonasse essas idéias ainda poderia vir a ser um homem útil ao país, quem sabe não poderia ainda…

– Não, não poderia, doutor. Sou comunista, esta é minha honra, meu orgulho. Não troco esse título por nenhum outro – seus olhos se estenderam além das grades das janelas, viam-se diante dos muros, os tetos das casas na rua.

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