O
Elixir do Pajé, Origem e Orgia: Textos de Prazer
O
Elixir do Pajé (Editora O Sexo da Palavra, 2017), acoplado a
outros dois saborosos textos, Origem do
Mênstruo e Orgia dos Duendes, é
um bom exemplo de texto de prazer. O prefácio de André Luís Gomes de Jesus
também é muito preciso, situa muito bem o autor e essas obras.
É
pensar que esses poemas são de 1875, ou seja, são contemporâneos das narrativas
indianistas que satirizam! São tão modernos que parecem ter sido escritos um
século depois! E Bernardo Guimarães foi também o autor da canônica Escrava Isaura...Consagrada depois no
meio audiovisual e cuja trilha sonora, inesquecível, ainda ressoa nos ouvidos: “lá-iê-iê...lá...iê...iê”..
Como
diz André Jesus no prefácio, o nosso cânone ocultou essa poesia erótica. O Elixir é antes de mais nada um elixir contra a hipocrisia. A
semelhança entre métrica e rima com o Canto
do Guerreiro de Gonçalves Dias é mais que um diálogo, é hilária. Após criar
uma “garrafada” com as “plantas cabalísticas” colhidas, graças a esse feitiço,
o pajé passou a praticar a diversidade sexual, pois era visto com os machos e
as fêmeas de sua aldeia: “Esse vejo pajé de pica mole/com uma gota do
feitiço/Sentiu de novo renascer os brios de seu velho chouriço”. Não como não
ouvir I Juca Pirama: “Meu canto de
morte, guerreiros ouvi”. Recentemente, Elixir
do Pajé foi transformado em filme por Helvécio Ratton, com participação do
ator Paulo José.
A Origem do Mênstruo faz
piada com os deuses do Olimpo, inventando o mito que deu origem à menstruação. Aparece
como “fábula inédita de Ovídio”. A deusa Vênus, a quem a ninfa Galatéia quis
pregar uma peça, rasgar acidentalmente sua genitália com uma navalha e pôs-se a
sangrar: “Vê! Que fizeste, desastrada ninfa,/Que crime cometeste! /Que castigo
há no céu, que punir possa um crime como esse?!/ Assim, por mais de um mês
inutilizas/O vaso das delícias.../E em que hei de gastar das longas noites/As
horas tão propícias?” Apolo, então, curou a deusa, mas lançou sobre todas as
mulheres a maldição de sangrarem todos os meses: “Para punir tão bárbaro
atentado, toda humana crica, de hoje em diante, lá de tempo em tempo, escorre
sangue em bica...”
A
Orgia dos Duendes, por sua vez, é a
descrição de uma festa noturna macabra: “Lobisome apanhava os gravetos/ E a
fogueira no chão escondia/revirando os compridos espetos/para a ceia da grande
folia. Junto dele um vermelho diabo/Que saía do antro das focas/pendurado num
pau pelo rabo/no borralho torrava pipocas”. É uma linguagem erótica e burlesca,
ao meu ver, tanto para sua época quanto para a nossa. André de Jesus, no
prefácio, recomenda a leitura do conto Onde
Estivestes de Noite, de Clarice Lispector, como tendo intertextualidade com
o poema de Guimarães. O conto refere-se a uma “viagem astral”, um ritual
iniciático do qual participa uma figura andrógina, referida como “Lúcifer
Querubim”. Duendes também participam desse ritual que, no texto de Clarice, se
passa no imaginário. Já o poema de Guimarães é apresentado como real.
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