terça-feira, 9 de fevereiro de 2021

O Menino de Gouveia e Impotência, de João do Rio

 

O Menino de Gouveia e Impotência

 

            O Menino de Gouveia (Uberândia,Ed. Sexo da Palavra, 2017) é uma narrativa compilada da revista Rio Nu, revista carioca que existiu entre 1910 e 1916. A revista trazia mulheres nuas e narrativas eróticas, sendo considerada pornográfica e, depois de pressões religiosas, proibida. É bastante curioso que esse conto de temática gay tenha aparecido nessa revista voltado ao público heterossexual. No prefácio, Fábio Camargo e Edwilson Kennedy explicam que a existência desse conto deve-se ao fato de que a temática sexual vendia produtos já no início do século XX, abrangendo até mesmo a diversidade sexual.

A narrativa utiliza-se de fala popular e crua (usando termos como “mangalho”, “leitada”, “fanchono”) e foi narrada de forma bem coloquial e erótica por “Capadócio Maluco”, um pseudônimo. Mesmo no prefácio de Leandro não há informações sobre quem pudesse ser “Capadócio Maluco”.

A história de um rapaz que, ao declarar amor pelo tio, é expulso de casa e encontra um homem chamado Gouveia, homem que o acolhe. Um “Gouveia”, na época, era o homem maduro que bancava alguém. Daí o apelido do rapaz ser “Bembém”. Bembém é um tipo estereotipado, um homossexual afeminado que tem em seu ânus seu único órgão sexual capaz de lhe dar prazer. Bembém é relacionado com “bombom”. Na narrativa, Capadócio Maluco (pseudônimo do narrador) ouve Bembém falar de sua iniciação sexual com Gouveia, logo após Capadócio e Bembém também terem ficado juntos. São memórias de alcova, por assim dizer.

Ficção de estréia pouco conhecida de um autor depois consagrado, Impotência (Sexo da Palavra, Uberlândia, 2018) é um conto de João do Rio, escritor que completa esse ano o seu centenário de morte.  Não é uma crônica leve e sim uma passagem densa e dramática. Segundo Leandro Mendes, o conto possivelmente é uma narrativa que passa-se no cérebro de um homem gay do século XIX. Nesse tempo, 1899, João do Rio ainda escrevia com seu nome verdadeiro, Paulo Barreto. Esse primeiro conto, agora esquecido, foi editado em 1943 num volume com ilustrações de Oswaldo Goeldi, hoje muito prestigiado e reconhecido. A estética e a cor ocupam grande espaço nesse conto, pois Gustavo Barreto decorou a casa toda de rosa para agradar um amigo e depois passou a sentir o ambiente como insuportável. Note-se que o rosa é uma cor associada ao feminino. Gustavo passou a vida “deitado no divã de damasco rosa”, “pelo salão todo tapetado de rosa pálido, com grandes rosas vermelhas”, “abriu as cortinas do filó d´ ouro sobre um fundo de damasco rosa seco”. Essa monocromia rosa passou a ser uma das razões de sua agonia!

            Em suas primeiras resenhas para jornal, Paulo Barreto profetizou que a arte brasileira e seu futuro passariam pelo realismo naturalismo. Nisso acertou, pois são influenciadas por esse estilo tanto o romance de 30 quanto Nelson Rodrigues e, mais recentemente, o romance Cidade de Deus, de Paulo Lins.

 O narrador de Impotência é sobre a vida vazia de Gustavo Nogueira, um homem de 70 anos, solitário, que lembra seu passado e seus relacionamentos fracassados: seus colegas de tempo de escola, um jardineiro, uma lavadeira. É um conto de um escritor que, com dezoito anos, demonstrava muita erudição em resenhas em jornais defendendo o realismo naturalismo, em especial Zola e Flaubert. João do Rio ainda assina como Paulo Barreto e demonstra, nesse conto, influência do pessimismo schopenhaueriano.

 

 

 

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