O
Menino de Gouveia e Impotência
O Menino de Gouveia (Uberândia,Ed. Sexo da Palavra, 2017) é uma
narrativa compilada da revista Rio Nu, revista carioca que existiu entre 1910 e
1916. A revista trazia mulheres nuas e narrativas eróticas, sendo considerada pornográfica
e, depois de pressões religiosas, proibida. É bastante curioso que esse conto
de temática gay tenha aparecido nessa revista voltado ao público heterossexual.
No prefácio, Fábio Camargo e Edwilson Kennedy explicam que a existência desse
conto deve-se ao fato de que a temática sexual vendia produtos já no início do
século XX, abrangendo até mesmo a diversidade sexual.
A
narrativa utiliza-se de fala popular e crua (usando termos como “mangalho”, “leitada”,
“fanchono”) e foi narrada de forma bem coloquial e erótica por “Capadócio
Maluco”, um pseudônimo. Mesmo no prefácio de Leandro não há informações sobre
quem pudesse ser “Capadócio Maluco”.
A
história de um rapaz que, ao declarar amor pelo tio, é expulso de casa e
encontra um homem chamado Gouveia, homem que o acolhe. Um “Gouveia”, na época,
era o homem maduro que bancava alguém. Daí o apelido do rapaz ser “Bembém”.
Bembém é um tipo estereotipado, um homossexual afeminado que tem em seu ânus
seu único órgão sexual capaz de lhe dar prazer. Bembém é relacionado com “bombom”.
Na narrativa, Capadócio Maluco (pseudônimo do narrador) ouve Bembém falar de
sua iniciação sexual com Gouveia, logo após Capadócio e Bembém também terem
ficado juntos. São memórias de alcova, por assim dizer.
Ficção
de estréia pouco conhecida de um autor depois consagrado, Impotência (Sexo da Palavra, Uberlândia, 2018) é um conto de João
do Rio, escritor que completa esse ano o seu centenário de morte. Não é uma crônica leve e sim uma passagem
densa e dramática. Segundo Leandro Mendes, o conto possivelmente é uma
narrativa que passa-se no cérebro de um homem gay do século XIX. Nesse tempo, 1899, João do Rio ainda escrevia
com seu nome verdadeiro, Paulo Barreto. Esse primeiro conto, agora esquecido,
foi editado em 1943 num volume com ilustrações de Oswaldo Goeldi, hoje muito
prestigiado e reconhecido. A estética e a cor ocupam grande espaço nesse conto,
pois Gustavo Barreto decorou a casa toda de rosa para agradar um amigo e depois
passou a sentir o ambiente como insuportável. Note-se que o rosa é uma cor
associada ao feminino. Gustavo passou a vida “deitado no divã de damasco rosa”,
“pelo salão todo tapetado de rosa pálido, com grandes rosas vermelhas”, “abriu
as cortinas do filó d´ ouro sobre um fundo de damasco rosa seco”. Essa
monocromia rosa passou a ser uma das razões de sua agonia!
Em suas primeiras resenhas para
jornal, Paulo Barreto profetizou que a arte brasileira e seu futuro passariam
pelo realismo naturalismo. Nisso acertou, pois são influenciadas por esse estilo
tanto o romance de 30 quanto Nelson Rodrigues e, mais recentemente, o romance Cidade de Deus, de Paulo Lins.
O narrador de Impotência é sobre a vida vazia de Gustavo Nogueira, um homem de 70
anos, solitário, que lembra seu passado e seus relacionamentos fracassados:
seus colegas de tempo de escola, um jardineiro, uma lavadeira. É um conto de um
escritor que, com dezoito anos, demonstrava muita erudição em resenhas em
jornais defendendo o realismo naturalismo, em especial Zola e Flaubert. João do
Rio ainda assina como Paulo Barreto e demonstra, nesse conto, influência do
pessimismo schopenhaueriano.
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