Esse livro de Saulo Mazagão e
Eduardo Andrade, que também tem o nome de “Trem
com Tanta Coisa Escrita” (Editora Literatura
em Cena, 2020) contêm dois livros em um, dois poetas coabitando e colorindo
o espaço literário.
Saulo
Mazagão gera a poesia a partir de registros que lembram diários e apresenta
nostalgia das cartas. Num deles, Dias
Cinzas, admite sentir inadaptação diante do mundo volátil como ele é hoje: “Ainda
assim, é mais difícil encontrar quem nos leia com respeito e atenção”. Como ele
explicou: “Para alguns, caracteres, mas para o escritor, a palavra se sente”.
Achei
tocante a forma como Mazagão aproveitou uma assonância execrada pelos
professores de Português, “a boca dela” para poder criar uma poesia expressando
sua dor a respeito de um amor por uma mulher bonita, mas que o chamou de
chato, não gostou de sua voz, dentre outros signos de rejeição. É um achado falar
do feio de uma forma bela.
O
poeta fala das coisas que o fazem sofrer, mas destaca as que lhe fazem feliz no
poema Entre Livros e Cafés: “Cheiro
de livro, cheiro de pessoas, de inteligência, cerveja ou café”. Muito agradável
pensar nessa ambiência evocada pelo poeta. Seus poemas também são como cartas
falando de suas estranhezas, referências boas ou ruins, suas singularidades e
particularidades e do amor. Ele mesmo avisa que poetas falam do amor, falam de
amores e, por vezes, são malditos. Em Um
Escritor Como Outro Qualquer, ele fala também do amor correspondido, algo
que acontece mesmo nesses tempos de internet,
uma garota comprou o livro e acertou o seu coração em cheio. Apesar da
volatilidade, da falta de tempo, o amor pode desabrochar, pode acontecer.
Mazagão
é jovem, mas admira a maturidade, como em Ode à Maturidade. Ele admira Carlos
Drummond de Andrade e conta que, no Rio, sua namorada, uma “guria" catarinense, tirou uma foto dele junto ao poeta, momento maravilhoso de amor que ele
guarda dentro de si.
Eduardo Lucas Andrade, nesse livro,
estabelece conexões e retorna a alguns temas abordados em livros anteriores. Como
um Sísifo poeta, ele repete, mas repete de outra forma.
Eduardo Lucas continua a ligar
poesia e psicanálise, desta vez, no primeiro poema do livro, tomando um mito, o
da serpente Ouroboros, para poder diferenciar entre gozo e desejo. O ato
repetitivo da serpente de destruir-se é o gozo. O desejo, motor do movimento, é
justamente o espaço entre a cauda e a boca da serpente.
As considerações de Eduardo são
muito divertidas, ele mistura crônica, poesia e observação do cotidiano. A
leitura me faz rir, quando, em A Automutilação
dos Vínculos, ele comenta o quanto o diálogo é algo raro nos dias atuais.
Em geral, a pessoa fala e o outro diz, às vezes no meio da fala do outro: “olha
aquela abelha ali voando”! Quantas vezes isso não acontece no nosso dia a dia. Na
ausência do simbólico, os jovens atuam na carne. Os poemas de Eduardo ensinam
que somos como o lagarto que por vezes perde a cauda para fugir do predador:
nós precisamos, também, livrar-nos de nossos predadores internos.
Eduardo escreve uma carta, em 2018,
para si mesmo, uma carta onde ele descobre que na doença encontrou o cuidado de
si, o conhecimento da ciência médica como um prazer a mais. Ele demonstra,
também, gratidão aos lugares onde foi acolhido, como o BH Hostel em Belo
Horizonte, lugar onde deixou um livro e fez amizades, lugar onde esqueceu uma
insulina e via-a cuidada, guardada. Um lugar onde, mais do que hospedar,
simplesmente, há acolhida dos hóspedes como sujeitos, como pessoas.
Ele também posiciona-se sobre o
momento histórico em que vivemos, em que “esfakeamos” uns aos outros, ou seja,
as pessoas passam fake news. A política virou futebol, onde uns fazem bullying uns com os outros. No contexto
em que vivemos, uma música de Natal torna-se tortura. Ele alerta, em Legitimação do Pior, que não devemos
tolerar o insuportável, o preconceito, a violência, a aniquilação das minorias.
Eduardo também desenvolve o conceito
de “superhorroridade”, também muito irônico: é a vontade de mostrar
superioridade desnecessariamente, sendo algo que não leva a nada.
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