Lúcio Emílio do Espírito Santo Júnior
Jesus eu achava que você era carne escrita/Mas você é escrita de carne. Trecho do livro Coisa de Louco, de Lúcia Castelo Branco
Morte Porca (Edições Selo Zero, 2002, selozero@hotmail.com), amostra da prosa do jornalista Wir Caetano, possui um arrojado projeto gráfico da autoria de Juarez Gonçalves. Isso. Sim, a capa de Morte Porca é bela. Já o texto não se ocupa da beleza das formas clássicas, ou pelo menos rejeita violentamente a idéia da literatura como sorriso da sociedade. Adentrando suas páginas, o texto me remete ao artista plástico Pedro Moraleida (1977-1999), que reuniu lixo e pintou sobre uma camisa: “A barbárie também é poesia”. Em sua vez, e provavelmente sem ter conhecido “Moral”, Wir Caetano diz: “A poesia é uma coisa ordinária”. As palavras chulas no conto Trate-me Leon em inglês reforçaram essa impressão: Moraleida sempre ilustrava os quadros com frases em português, inglês ou alemão, contendo frases de amor desfeito ou não. Afinal, se a pornografia é desfazer o amor, W. Caetano desfaz as narrativas no aspecto formal, acompanhando a desfeita das relações homem/mulher. No texto de W. Caetano reina o anacoluto, tal como nos textos de outro prosador nascido no princípio dos anos 60 tal como Renato Russo e Bono Vox: Jorge Pieiro.
A Morte Porca contagia. Belesma. Mistura da beleza e da lesma. O texto de Wir Caetano é seminal, ou seja, estimula-nos a entrar em sua tripi. Nós também derramamos nossa semente. Ele é o Caetano que fala de bosta, de próstata, sem discos, mas mesmo assim sua dentadura antropófaga morde fundo. Deixa na sua carne aquela ferida. Sossega leão! Algumas vezes a prosa se desprega e assume o formato da poesia. O homem comeu peixe (atum? Irrthum?) & o peixe é símbolo caro aos cristãos. Jesus multiplicou peixes & depois virou peixe. Referiam-se a ele de forma cifrada a ele enquanto Ictus: as iniciais significavam Inri Cristi Teum Sanctus. Porém, “foram as letras que comeram o homem”, como diz o narrador da Morte Porca. Esta obra trata das ruínas urbanas, mas principalmente da ruína da relação homem/mulher, assunto presente no ambiente jornalístico tréxi de “Bandido Bate Palminha”. Morte Porca é bom no encaixe entre palavra e imagem. Trata-se de um bode fenomenológico, urbano, arruinado, e que ama os detritos. Mas não torçam o nariz: o ar nauseabundo que haurimos em Morte Porca não é estranho às páginas policiais lidas com gula em nossos jornais, onde ocorrem MORTES PORCAS REAIS. Não seria o Brasil? Fascinado com o tema da ruína, tratei disso na minha dissertação de mestrado, intitulada As Imagens do Brasil em O Estrangeiro de Plínio Salgado:
Dá o Brasil, por vezes, a impressão de uma dessas obras feitas às pressas, errada desde os alicerces até a última descrição interna; em corrigindo aqui, em retocando além, terminamos por nos convencer de que o remédio decisivo estaria na sua destruição total, para a recomeçar, cuidadosa e pacientemente, sob outras bases. E como não é possível destruir uma nação, como se destrói uma casa, temos que limitar a nossa atividade a esta obra de reformas e de retoques diários, a esta espécie de equilíbrio instável, que tão bem caracteriza a nossa vida pública...Realizamos o estranho paradoxo dum país novo e semideserto eivado de taras especiais das civilizações esgotadas, uma Grécia ou Espanha em decadência e em ruína. (José Maria Bello, Apud: LUCA, 1998, p.190)
A nossa ruína: carne humana flanando do alto do edifício Acaiaca em busca de sentir o gosto do seu próprio espatifo, de seu próprio nada.
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