O
Encontro Marcado: Fernando Sabino e o Maestro das Águas
Lúcio Emílio do Espírito Santo
Júnior
Nesse
domingo de Páscoa, infelizmente, Bom Despacho perdeu um dos maiores artistas de
maior expressão que já pisou e viveu nessa terra, o maestro Nivaldo de Oliveira
Santiago (1929-2021), o chamado “Maestro das Águas”. Amazonense, Nivaldo
aclimatou-se muito bem em Minas, tinha inclusive um estilo discreto de ser,
muito mineiro, nunca buscando publicidade. Isso, com certeza, fez com que
muitos de vocês leitores não o conhecessem.
Lembro-me
que estávamos numa festa quando professora Maria do Socorro, minha querida
colega de universidade, contou-me que ela e Nivaldo já eram eternos, tornados
que foram personagens de um dos maiores escritores mineiros e um dos maiores
brasileiros: Fernando Sabino, autor de O
Encontro Marcado, O Homem Nu, O Grande Mentecapto, esses dois últimos
adaptados para com sucesso para o cinema.
O
livro Encontro das Águas, Crônica Irreverente de uma Cidade Tropical
(1977) traz Nivaldo e Maria do Socorro Santiago entre seus principais
personagens.
Encontro Márcio Souza e Nivaldo
Santiago me esperando no aeroporto: --estamos aqui há mais de duas horas (...).
Márcio Souza é escritor. Nivaldo Santiago é maestro. São ambos da Fundação
Cultural, e a eles fui em boa hora recomendado (SABINO, 1977, p. 16).
Ambos
me contaram que o texto de Sabino foi encomendado pela Sharp e recusado, pois não falou bem da Zona Franca de Manaus;
Sabino transformou-o, então, em livro. A empresa ficou desgostosa,
especialmente, com uma frase de Nivaldo: “Quando lhe digo que me sinto como se
estivesse dentro d´água, Nivaldo Santiago sorri: --Nós temos aqui mesmo o
cérebro meio aguado” (SABINO, 1977, p. 34).
Nivaldo
contou-me que falou isso com Sabino em meio a muitas outras conversas e ele
pegou e colocou no livro. Essa frase foi considerada muito crítica e foi um dos
motivos da recusa da empresa em adquiri-la para um encarte para seus clientes.
O texto, em geral, é positivo quanto a Manaus, mas salga quando fala na Zona
Franca.
Muitas
de suas características curiosas são captadas: Maria do Socorro dirige, Nivaldo
não, enquanto isso, Nivaldo ficava “orquestrando” o trânsito. Eu ainda observei
isso quando “naveguei” junto aos dois em Bom Despacho.
Nivaldo
e Socorro são os astros do livro de Sabino. Além de servirem de interlocutores,
algumas das situações vividas pela intrépida dupla repetem-se junto a outras pessoas
da cidade, o que tornou-os símbolos de toda Manaus: ao pegar um táxi, Sabino
encarnou o maestro ao auxiliar o rapaz a enfrentar o confuso trânsito manauara;
ao sair de barco para conhecer a floresta, saindo do porto cheio de outros
barcos e canoas, Sabino é quem transforma-se em maestro preocupado com a
orquestra que é o trânsito fluvial! Como diz canção, todo encontro é também
despedida. Como contou Sabino no final do Encontro
das Águas:
Conta-nos [Nivaldo
Santiago] que em breve irá ao Rio para contratar músicos: o governador assinou
o ato criando a orquestra sinfônica de Manaus. É uma boa notícia: para
celebrar, consumimos o resto de uísque que sobrou de meu primeiro dia. E eles
se vão, deixando-nos a sós – integrados, nós próprios, em terna harmonia. Já
nos despedimos dos outros amigos que fizemos aqui. E já dissemos adeus a
Manaus. Agora vamos partir. Manaus, Manaus! Em breve estaremos lá em cima e
esta cidade que durante alguns dias me desnorteou com suas contradições, me
entusiasmou com sua grandeza, me deprimiu com seus problemas, me seduziu com
seus encantos não será mais do que um ponto de luz cercado pela escuridão. De
luz e de esperança (SABINO,
1977, p. 110).
Há
dezessete anos partiu Sabino, agora partiu Nivaldo. Um dia todos vamos partir. Esperamos
encontrá-los em outro plano agora, lá em cima. Já são sem dúvida dois pontos de
luz. E a esperança, essa eles deixam aqui dentro de nós.
Nenhum comentário:
Postar um comentário