Os Homens do Pau-Brasil: Os 80 Anos da Semana de Arte Moderna.
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Há exatamente oitenta anos (15-02-2002) davam-se as primeiras apresentações da Semana de Arte Moderna no Teatro Municipal de São Paulo. Em antecipação a esta data, o Canal Brasil passou ontem o filme O Homem do Pau-Brasil (1981) de Joaquim Pedro de Andrade. O filme reuniu muito do clima intelectual e das anedotas em torno do Modernismo. Muitos dos diálogos foram inspirados na vida e obra de José Oswald de Andrade (1895-1954).
Um exemplo de “causo” aproveitado pelo filme foi um episódio pitoresco presente no romance Marco Zero I – Chão. O “presidente” do estado de São Paulo ( um personagem representando por Antônio Fagundes e que nos pareceu inspirado em Washington Luís, pois além de político era historiador) estava para ajudar o poeta franco-suíço Blaise Cendrars a fazer um filme propagandístico sobre o Brasil. Neste momento começou o levante tenentista. O canhão que os rebeldes dispunham não atingia jamais o palácio do governo. Então os rebeldes conseguiram, através de um espião, levar o governador para a secretaria de segurança pública, prédio que o canhão podia atingir com mira certeira. E assim foi feito, e o governador acabou morto. Conclusão de um dos militares rebelados: “pela primeira vez na história da balística, foi o alvo que procurou a bala, e não a bala que procurou o alvo”. E o Brasil ficou sem o seu filme de autoria de Blaise Cendrars, escritor que se faz presente na antologia Lagarde & Michard como um dos grandes dos século XX.
Muito engraçado também foi o ingresso do personagem inspirado em Oswald no partido comunista brasileiro. Considerado burguês pelo seu senso de humor, era criticado dentro do partido e perseguido fora dele pelo regime getulista. Oswald dizia que a União Soviética tinha dado certo devido à eletrificação rural e a transferência da metafísica para as fábricas. Depois da Segunda Guerra, afastou-se do partido e profetizou que a URSS pagaria monumentalmente os erros de Stálin, este que era, segundo ele, um ditador que achava que a ópera italiana iria salvar o mundo.
No fim da vida, Oswald passou a se dedicar a uma tese (A Crise da Filosfia Messiânica) com a qual concorreu (e foi reprovado por não ter diploma de curso superior, apesar do fato de que em seu tempo de jovem o Brasil não dispunha de universidades) à cátedra de filosofia na USP. A tese prenunciava a revolução dos costumes dos anos 60, prevendo um afrouxamento da moralidade paternalista, do messianismo cristão e do messianismo marxista. Oswald avisou, no entanto, que a humanidade não se desfaria facilmente da religiosidade, chamada por ele de “sentimento órfico”. Consta também que no final da vida, Oswald retomou a antropofagia, e a apresentou como uma forma de resistência da identidade brasileira diante dos países mais fortes e ricos. Sempre boêmio e muito bem humorado, Oswald não aconselhava os jovens como fazia Mário de Andrade, mas sua casa permaneceu aberta para as novas gerações, tendo dialogado até os últimos dias com Gustavo Corção (intelectual católico que foi o único a apoiar a ditadura nos anos 70) e com o então adolescente José Arthur Gianotti, agora um medalhão com coluna semanal da Folha de São Paulo, e acadêmico próximo de FHC. Por tudo isso, podemos dizer que a influência da Semana de Arte Moderna – e em especial Oswald de Andrade -- está dissolvida em praticamente toda a cultura brasileira contemporânea.
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Lúcio Emílio do Espírito Santo Júnior, mestre em Estudos Literários pela UFMG e professor da UNIPAC em Bom Despacho-MG.
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