quinta-feira, 31 de agosto de 2023

Colônia de Carapebus: Bom Despacho à Beira-Mar

 

Colônia de Carapebus: Bom Despacho à Beira-Mar

 

            Chorando pelo campo: Em Busca do Tempo Perdido

 

            Há alguns meses, em abril, fiz uma visita à colônia de férias da Polícia Militar de Minas Gerais em Carapebus, lugar onde não ia há trinta anos. A colônia está situada no município de Serra, próximo a Vitória, no estado do Espírito Santo. O nome do município derivado do nome tupi dado um tipo de peixe saboroso, semelhante ao acará, possível de encontrar em lagoas.

            O lugar não mudou muito nesses anos todos. Reencontrei a casa estilo “bangalô” onde passamos aquele veraneio em 1988. A rua continua a ser uma rua de terra, mas o passado parece ter acontecido em outra vida. Lembro-me especialmente do primo Roberto de Melo Queiroz Neto e do filho do amigo colunista professor Tadeu, o Bruno, pois juntos pegávamos as ondas, que, como pude observar, não são pequenas. Hoje há até surfistas nessa praia, em número considerável. Ao observar o mar e as pedras ao fundo, ou um lugar da colônia onde havia mato e eucaliptos, sempre há uma outra imagem mental que reaparece e se sobrepõe. Ao fundo, no horizonte, pode-se ver o porto de Vitória, bastante movimentado.

            Desde então, estive em muitas praias, Trancoso, Floripa, mas nenhuma me trouxe essa curiosa sensação de paz e reencontro com algo que parece que é interior e não exterior. É um como o bolinho chamado Madeleine (que, segundo a professora Jeanne Marie Gagnebin, é como uma quitanda mineira) que desencadeia a série de lembranças que inicia os romances Em Busca do Tempo Perdido, de Marcel Proust.

Num bangalô vizinho encontrei um coronel aposentado também de Bom Despacho, coronel Edgar. Estava cheio de roupas coloridas dependuradas parecendo um festival que é me é bastante familiar. Essa colônia é um pedacinho de Bom Despacho à beira mar. Daquele tempo, lembro-me especialmente de uma canção que tocava em rádio naquele tempo, Chorando no Campo, de autoria de Lobão, sucesso de 1987: “a chuva cai chorando/ e o meu amor vai e vem (...) Pela estrada enquanto eu passo/O cinema é só ilusão/Vou chorando pelo campo/No meio do temporal”. E a canção dá saudade, mas no caso é de um lugar onde eu fui (ao contrário da letra, que fala de um lugar onde o eu lírico nunca foi). Era um tempo em que era preciso deixar a fita cassete engatilhada no aparelho para gravar a canção quando ela passasse no rádio.

 

Vamos a la Playa

 

            A praia não é excepcionalmente bonita, mas é muito agradável e minha filha fez belas fotos (ela, Isa Júlia, tem talento para fotografia que pode ser conferido no instagram, na página chamada Flora Photos, recomendo muito aos leitores). Há um encontro de um lago com o mar ao lado da colônia que, ao lado dos coqueiros, produz essa “imagem de paraíso”. No passado, o restaurante da colônia tinha uma excelente vista do lago e era muito agradável nadar ora na água doce, ora na salgada. Em abril, o restaurante não funciona, éramos alguns dos poucos hóspedes a ocupar a colônia naquela Semana Santa. Agora o lago, alguém avisou, está poluído e achei melhor evitar. A colônia, curiosamente, tem história: o casarão que domina o cenário, prédio mais antigo do lugar, que agora está sendo reformado, era um cassino nos anos 40, que em mim evoca a era Vargas e a Segunda Guerra Mundial. Li em algum lugar que a batalha dos PMs mineiros por esse lugar de veraneio no Espírito Santo teve dimensões épicas. Na minha memória, o local era muito movimentado. Hoje é bastante sossegado e tenho vontade de passar um mês lá. Embora seja uma praia vazia, onde encontramos somente um bar, há um bom restaurante onde é possível comer a moqueca capixaba, prato de peixe do qual sou suspeito para falar, acho especialmente adorável.

 

            O Mineiro Não Perde o Trem

 

Desta vez, ao invés de vir de carro ou ônibus, eu e minha filha fizemos a viagem de trem de lá (Vitória/ES) até Belo Horizonte. Essa viagem teve uns contratempos, como o ar condicionado extremamente refrescante, senão congelante, quase viramos picolés, mas valeu muito a pena pelas paisagens e pelo romantismo do passeio ferroviário, raro em nosso país. O próprio trem, conforme soube através de pesquisa, é importado da Europa. Igualmente, se você for idoso e não trouxer o documento para comprovar, não adianta insistir. Meu pai acabou não embarcando devido a isso. As passagens, como são setenta reais, a metade da passagem do ônibus, são compradas anteriormente e, se esquecer ou falta um documento, não há como comprar outra na hora. Você ficará sem embarcar, como infelizmente aconteceu com meu pai, que teve de voltar de ônibus depois de sonhar fazer essa viagem de trem, ele que é neto de ferroviário.

            Não são propriamente memórias de um vendaval, mas é uma “noite além da noite”, sem dúvida, pois dá vontade de voltar a esse lugar que eu nunca imaginei ter tanta magia.

 

 

 

 

 

quinta-feira, 17 de agosto de 2023

Gênero e Diversidade em Impressões de Cinema, de Alberto Coimbra

 

 


 

 

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Gênero e Diversidade em Impressões de Cinema, de Alberto Coimbra

Lúcio Emílio do Espírito Santo Júnior (doutorando em EstudosLiterários/UNICAMP)1.IntroduçãoResumoEsse texto busca fazer algumas observações críticas a respeito da obraliterária

Impressões de Cinema

, de autoria de Alberto Coimbra. O textoinvestiga os diferentes gêneros literários presentes na obra, assim como aproblematização que o texto faz das questões de gênero e diversidade. Oartigo fez a contextualização histórica do livro, assim como a seguir trata dosgêneros dentro do livro, para logo em seguida associar o texto à intervençãocultural realizada por Alberto Coimbra em Bom Despacho, Minas Gerais.Palavras chave: intervenção cultural, cinema, literatura, prosa, vida, arte

 A VOZ DE UM ENGENHEIRO - Evidentemente, coagido pela força bruta, vencido pelo número,vejo-me forçado a continuar o meu caminho sem chapéu. Mas esse puto (Cristo) me paga!(som de castanholas. Tumulto).VOZES - Viva la gracia! Outro toro! Mi cago en dios! Viva o senhor do Sábado! Tira o chapéu,Flávio! Péo, péo! Fora! Não tira! Deus da burguesia! Fora! Põe o chapéu! Desacata esse

veado! Fora! Fora!”

 

Trecho da peça

O Homem e o Cavalo

, de Oswald de Andrade.O livro

Impressões de Cinema

 é um retrato de Alberto Coimbra e suacabeça. Ele pensa cinema. E protagonizou intervenções culturais que játransformaram o cotidiano das pessoas de Bom Despacho. E que entrarampara o folclore: colocou máscara de Piu Piu e ergueu-se durante a eucaristia.Para Alberto Coimbra, a intervenção com a máscara de Piu Piu aconteceuporque Jesus, para ele, é um homem.

 

 

 

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Outra intervenção cultural aconteceu quando ele vestia saia, blusa doCruzeiro, chapéu e levando uma mala, dizendo que ia pegar a (inexistente)ferrovia para Martinho Campos. Alberto e seu livro fazem pensar em José Agrippino de Paula: temos queviver as coisas que Oswald de Andrade escreveu. Alberto vive a contraculturados anos 60 e o modernismo de 22.O livro mistura crônicas autobiográficas em que ele insere BomDespacho no mundo do cinema com poemas sempre inspirados por umdeterminado filme. Em sua imagética somos levados a uma Bom Despachoque não existe mais, a Bom Despacho em que a biblioteca pública era ao ladodo cinema e o cinema apresentava produções que tinham interesse tanto paraos intelectuais quanto apelo para a imprensa e as massas. Alberto éprofundamente marcado pela história e memória de Bom Despacho, numaverdadeira geografia sentimental: cinema, biblioteca e a Mata do Batalhão.Escrevendo de forma bela sobre sua infância em Bom Despacho nos anos1980, ele coloca a cidade dentro do cinema. Escrever sobre cinema de certoforma é estar no cinema, é de certa forma fazer cinema. Alberto também é umpensador sofisticado.1. Contexto Histórico de

Impressões de Cinema

  Alberto nasceu nos anos 60, sua juventude foi nos anos 80. Foi da geraçãoX, a que fez a difícil transição entre a geração 68 e a geração do novo milênio,assim como viveu a mudança da ditadura militar para a democracia emmeados dos anos 1980. Alberto, filho de militar e músico, neto do maestro José Milagre Coimbra,seu avô. Ele identifica-se com o feminino e com a esquerda. Primeiro, ele teveuma infância feliz, brincando na Mata do Batalhão atrás de sua casa e depoisbrincou no pasto de uma fazenda de gado no bairro Esplanada onde foi morar.Paralelamente à chamada globalização e ao neoliberalismo, Albertodesfrutou do avanço dos costumes. Caminhando contra o vento, prosseguiu

 

 

 

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imbuído de luminosas utopias, num tempo em que elas estavam se desfazendocom a utopia

hippie

 e a utopia comunista tornando-se ultrapassadas. Alberto sempre observa a realidade e pensa em melhorá-la. Na UFMG leu olivro,

1968, Ano que Não Terminou

, do jornalista Zuenir Ventura. Leu sobrereligião na visão de Rubem Alves. Assistiu várias palestras de Rose MarieMuraro e Rubem Alves. Após estudar na UFMG, estudou a pós-modernidadequando o pensador Francis Fukuyama falou do fim da História. E aprendeu emSemiótica que todos os filmes foram feitos e hoje eles passam na Sessão daTarde. O jornalista Emerson Penha que foi seu colega no curso de Jornalismona UFMG fala de questões ambientais e políticas. Assim sendo, tendo atribuído esse olhar ao seu curso de Jornalismo naUFMG nos anos 90. Alberto passou os anos 90 esboçando

Impressões deCinema

 e um embrião do livro nasceu durante seu curso de jornalismo, quandoele freqüentava o

Savassi Cineclube

 no início dos anos 90 em Belo Horizonte. Alberto Coimbra defende Lula, comparando-o a Juscelino Kubitschek,assim como faz o elogio de Brasília e de Oscar Niemeyer e Lúcio Costa.Coimbra relembra a interessante reportagem que deslinda a música

Ponta de Areia

, pois existe uma realidade por trás dessa música: o jornalista EmersonPenha investigou a ferrovia que existia entre

 Araçuaí

 e

Ponta de Areia

 naBahia. Atualmente, Emerson Penha está fazendo um filme sobre isso.

Impressões de Cinema

 fala sobre questões ambientes, questões humanas emesmo sobre o empreendedorismo: o sucesso profissional de uma pessoadepende muito mais da organização do que de inteligência.Felipe Cunha, funcionário da secretaria de cultura local, disse que Alberto foi importante para Bom Despacho como Copérnico foi para ahumanidade. Depois de sua intervenção cultural construíram

 parklets

 nos baresde Bom Despacho. Alberto disse a Padre Antônio que entrar na igreja de vestido e salto altopara dizer às pessoas que características masculinas e femininas são próximasde ser um artista

Pop

 e assim dedicou sua vida aos outros.

 

 

 

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E também quis mostrar que características masculinas e femininas estãomais próximas do que a gente pensa. E que seu gesto foi um gesto de amor aopovo de Bom Despacho. O Padre Antônio concordou. Alberto também disse aoPadre Pedro que foi funcionário público e dedicou sua vida aos outros. Nãorealizou, então, seu sonho de ser um artista

 pop

e assim dedicou sua vida aosoutros

. O Padre Pedro respondeu: “você é Jesus, Alberto. Agora é a vez deMaria.”

  Alberto Coimbra comenta que em Bom Despacho a maioria dos padreso respeitaram e o acolheram. A vida do pobre é difícil, é preciso rezar menos eviver independente de Deus, como na religiosidade grega, que era não-coercitiva, não existindo a figura do sacerdote como surgiu posteriomente. Alberto Coimbra possui um senso agudo de história. Para ele, o

ottocento

trouxe os elevadores, bicicletas, luz e telefone. O século XIX lia peloprazer da leitura e os jornais traziam textos literários. Seu texto teoriza sobre aascensão da burguesia capitalista e as conseqüências de uma nova civilizaçãoconstruída sobre a ciência e a tecnologia, assim como hoje houve odesenvolvimento digital.O governo Lula trouxe a ascensão das classes D e E, uma novacivilização parece, então, começar no século XXI, produzindo um novocomportamento e novas tecnologias, com a diferença que no início do séculoXXI há um fortalecimento das idéias de igualdade, liberdade e fraternidade. Adependência da Igreja começa a cair. A declaração dos direitos do homemcompletou 70 anos.Nesse contexto, Brigitte Bardot agora protege animais, assim como omeio ambiente. A ONG criada por Michael Jackson cuida das crianças e jovensno mundo inteiro. Mick Jagger teve filho com uma brasileira. Madonna tentouadotar uma criança africana afirmando que quando ela crescesse ajudaria seupaís na África. O dinheiro nos últimos 30 anos mudou de mãos. Grandesartistas têm renda financeira.

Impressões de Cinema

 é influenciado ao mesmo tempo pela mitologiagrega de Eros e Psiquê e pelo decadentismo do século XIX e século XXI é.

 

 

 

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Hoje vivemos a prosperidade de uma era tecnológica nunca vista antes. Outrasde suas influências: Émile Zoula, Gustave Flaubert,

Germinal

, Naná,

MadameBovary,

 

Bouvard e Pecouchet

. O documentári

o Imagine

 sobre a vida de JohnLennon também foi muito influente, bem como o modernismo de 22 e acontracultura de 1968. Ele diz do documentário

Imagine

sobre John Lennon notexto

O Artista

.

Impressões de Cinema

 é um livro que deseja ser a obra de arte total,integrando cinema, poesia, Filosofia, música e dança. Em

 Você é Lindo

 existea música, em

Seu Nome é Rita Hayworth

, cinema, música e dança.2.Gênero e Diversidade em

Impressões de Cinema

 

Impressões de Cinema

 é um livro que mistura gêneros em muitossentidos: tanto os gêneros ligados à sexualidade quanto os gêneros literários: é

autobiografia, prosa poética, ensaio sobre cinema, e, como diz o autor, “um

diálogo do autor com sua homossexualidade que foi reprimida na juventude.Existe uma homossexualidade que aflorou depois de anos de repressão.O livro

Impressões de Cinema

 também contêm códigos sexuais. O autordescobriu-se travesti após uma longa trajetória de vida enquanto bibliotecário e jornalista. Seu campo de interesse volta-se para o jogo com os signos sexuais,indo além do que a sociedade define que é homem e mulher, como ele mesmoescreve em uma passagem de

Impressões de Cinema

: “Pichita pega o jovem

guapo e o veste de donzela e ela de belo tenente

” (COIMBRA, 2017, p. 60).

  Alberto pensa cinema, tem muito boa memória cinematográfica. Associae aprecia o modernismo de 22 e a contracultura dos anos 60. Ele diz sobre ofilme

O Artista

: “Eu vou me alimentando de você. De nossos olhares. De nosso

carinho. De mãos dadas no parque. Lucy no céu com diamantes. E beijos e

beijos e beijos...” (COIMBRA, 2017, P. 48).

  A memória cinematográfica faz com que ele veja a própria vida enquantoum filme e vice-

versa, que aplique na vida o que vê nos filmes: “quando

 

 

 

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escol

hemos um amor, não temos certeza do final” (COIMBRA, 2017, P. 50).

 Alberto utilizou-se bastante do processo do

flashback

, voltando às suas

memórias de infância e adolescência: “roubávamos mexericas e íamos para a

casa chupá-las, falar das meninas e soltar

o periscópio” (COIMBRA, 2017, p.

51). A chave para a compreensão de

Impressões de Cinema

 está naredescoberta da identidade de Alberto Coimbra. Num dos textos, fala do Aterrodo Flamengo, mas quer tratar de como sua identidade homossexual ficousoterrada. A questão da sublimação da homossexualidade do autor está nopoema

Seu Nome, Rita Hayworth

.

 A partir daí, eu só tinha olhos para o bailado de Rita Hayworth a me seduzir!/Rita,Gilda, Carmen, Salomé ou a musa grega Terpsícore, da dança e da música. ComoRita fico conhecida, a atriz dançava ou melhor, saracoteava sorrindo! (...) E o meudesejo adolescente frente a um espelho real não se conteve e o estilhaçou. Realidadeou não, Rita Hayworth não morreu, adormeceu no meu coração e aqui mora

 (COIMBRA, 2017, P. 66).Tanto esse texto acima quanto a crônica

Uma Sessão de Cinema noCine Roxy

 é uma homenagem à atriz e bailarina Rita Hayworth. Jair Coimbracolocou a coluna de Nina Chaves em 1981, sobre a cama, a crônica contandoque Rita estava com 64 anos e com mal de Alzheimer em Beverly Hills. Sevocê quer ser uma mulher, que seja uma interessante e elegante como RitaHayworth. Isso está no texto acima,

Seu Nome é Rita Hayworth

. Está tambémo Cine Regina e a cidade de Bom Despacho. Igualmente, pode-se dizer que opoema

Seu Nome é Rita Hayworth

 também aborda também o momento emque fez terapia com Marco Aurelio Baggio. Essa terapia o fez implodir suahomossexualidade. Ele queria ser uma mulher como Rita Hayworth. Albertoexplicou em uma entrevista:

No primeiro ano de Grupo meu pai, no final do ano, me falou para enviar um cartão deNatal para minha professora Vera Couto. Enviei. Em 1988 quando eu fazia terapiacom o psicanalista Marco Aurélio Baggio descobri que a Pantera Gil do seriado AsPanteras, que a Fanch Fawcett-Majors era a Dona Vera. É porque quando eu tinha

 

 

 

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onze anos eu via a Fanch Fawcett-Majors no seriado eu fiquei fã dela. Fui a banca derevista e pedi uma revista Cinerium como pôster de atriz. Na sessão de psicanálisecom Marco Aurelio ele me dises que meu pai me fez o pedido me mostrando que aVera Couto era uma mulher que vale a pena. Eu queria era ser uma mulher como aFarrah. E gritei. Em 1980 era o footing. As pessoas ficavam andando na Praça aoredor da Igreja Matriz Nossa Senhora do Bom Despacho

 (COIMBRA, 2018). Alberto faz, em

Impressões de Cinema

, uma micro-história, uma históriadas mentalidades. A Mata do Batalhão é patrimônio. Toda uma épocadesapareceu, era um

footing

, as pessoas ficavam andando. Nos anos 90,existia a noite dos bilhetinhos, agora tudo é pelo

zap

 e pelo

facebook,

 não hámais paquera como antes.Um grande triunfo de Alberto foi ter feito análise durante dez anos.Resolveu seu trauma com seu pai e tornou-se seu amigo. Viveu sua lendapessoal, para ele, todo mundo tem que desenvolver o seu dom e fazer o quegosta. A psicanálise torna-nos melhores amigos.O livro traz textos que ele escreveu ao longo da vida, tendo o cinemacomo mediador. No poema

Leolo

, inspirado no filme de mesmo nome, Albertodescreve a confusão de lidar com a homossexualidade na adolescência, o queo deixou inseguro. Bianca representou seu tesão hetero que virou uma ruínaromana. Semelhante a cena final do filme Satiricon de Federico Fellini, só queno caso de Alberto a ruína romana é seu desejo por mulher

: “O meu desejo emsilêncio! A Itália! (...). Grito seu nome entre ruínas romanas! Minha solidão...”

(COIMBRA, 2017, p. 44). Alberto entrou no corredor central da Igreja Matriz de Bom Despachodurante a missa, usando roupa feminina. No entanto, ele fez isso com aintenção de mostrar às pessoas que a vida não é só rezar e a diferença entremasculino e feminino é menor do que a gente pensa. Alberto estudou a vida deJesus na UFMG e ele viu que aconteceram fatos e pessoas da época pegaramesses fatos e atitudes e criaram o personagem de Jesus na Bíblia. Jesusvoltou, é um travesti e trabalha para o mundo da moda.

 

 

 

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Durante o filme

Cléopatra

, de Elizabeth Taylor, viu a imagem deCleópatra deitada na cama e a cobrinha andando no chão. Alberto ficou paradona porta e ficou pensando em sua homossexualidade. Era um indício. Alberto vivenciou sua homossexualidade nos anos 90, pois queria ter umrelacionamento sério com um homem, mas depois recalcou-a, vivendo comuma companheira, mas voltou a ser

gay

 depois da morte de sua ex-mulher,desistindo então das mulheres. Alberto conta que, nos anos 90, os homens nãoo desejavam para namorar e relacionar a sério. Ficou triste e decepcionado e,para se reorganizar, leu os livros

Filosofando

 e

 Iniciação à Filosofia

 de MarilenaChauí.3. Alberto e suas Intervenções Culturais no Cotidiano da CidadeOs filmes que passavam na Sessão da Tarde nos anos 1980, anos da juventude de Alberto eram filmes dos anos 1930, 1940, 1950 e 1960.O cinema serve de lente através da qual ele vê a própria vida. Elerelembra a atitude do modernista que, nos anos 50, saiu vestindo saias,causando choque na cidade de São Paulo. A atitude de Alberto Coimbrarelembra essa atitude, buscando fazer uma intervenção no cotidiano da cidadee buscando mostrar que a vida é mais do que o labor diário pela sobrevivência.Ele tem uma filosofia de vida própria, uma filosofia aplicada.Para Alberto Coimbra, quando Gustave Flaubert construiu

MadameBovary

, ele recorreu ao seu lado mulher, à sua bissexualidade interna. Outrosautores que inspiram

Impressões de Cinema

 são: Nietzsche, Sartre, Foucault,Simone, Albert Camus, Umberto Eco, os filósofos gregos, Tchecov,Dostoiévsky, Tolstói, Kafka. O professor Tadeu Teixeira Araújo leu o livro de Alberto e disse para o autor: Anna Karenina.Outros que o influenciaram foram: Homero, Gilberto Freyre, SérgioBuarque de Holanda, Chico, Caetano, Fernando Brant e Milton; além deEngenheiros do Havaí, Titãs, Barão, Renato Russo, Cazuza. A linguagem de

 

 

 

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 Alberto é jornalística como a de Ernest Hemingway. As influências de literaturabrasileira são: Machado de Assis, Clarice Lispector, Rubem Braga, João doRio, Jorge Amado, Mário de Andrade e Oswald de Andrade. Outras obras queinfluenciam são:

o Romanceiro da Inconfidência

. Outras obras revolucionáriassão tais como

Grande Sertão Veredas

.Os artistas homens recorrem a esse lado feminino para construirpersonagens femininos, mais do que somente a uma observação externa.

 Alberto deseja que suas “performances” sejam

intervenções no cotidiano dacidade. Ele já realizou experiências tais como as de Flávio de Carvalho, andoupelas ruas de Bom Despacho de roupa feminina e se comportando muitoeducadamente. Não é atualmente assim. Entrou de salto alto e leque na torcidado Atlético. Foi aceito e tentou entrar de salto na torcida do Cruzeiro, tendo sidoreprimido lá. Flávio de Carvalho, ao sair de minissaia, experimentou algosemelhante:

Situação parecida se deu em outubro de 1956, porém desta vez a experiência forapremeditada e resultara de suas reflexões em torno do que definiu com Dialética daModa. Flávio de Carvalho caminhou de saia pelo centro de São Paulo: era aExperiência n º 3. Para ele, a roupa era o fator que mais influenciava o homem"porque é aquilo que está mais perto do seu corpo e o seu corpo continua sempresendo a parte do mundo que mais interessa ao homem". Denominou o curiosomodelito que trajava de "new look" para "o novo homem dos trópicos". O "new look"era composto por saia cor-de-rosa prissada -acima dos joelhos antes de Mary Quant,camisa verde e... meia arrastão e sandália de couro cru. Portanto, a despeito de seupensamento sobre a condição da moda, está explícita a intenção performática dechamar atenção ao corpo na ação (MACHADO, 2018).

 Alberto entrou na Igreja com uma cabeça de veado. O dia em que opadre Douglas tornou-se padre, Alberto entrou com a cabeça de um veado(estátua) e um chapéu de bruxa, no dia em que estava presente o bispo deBom Despacho. O dia 25 de dezembro na Idade Média era o dia do grandeveado e a Igreja Católica escolheu o dia para ser o nascimento de Jesus.Ele identifica-se com a frase de Pessoa: se você não pode escreverpoemas como Baudelaire, pode ao menos pintar os cabelos de verde. Asperformances de Alberto são como pintar os cabelos de verde, mas com uma

 

 

 

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aspiração de ir um passo além de um Flávio Carvalho. As experiências nãoseriam extraordinárias, o extraordinário tornou-se cotidiano. A frase, paraPessoa, está num contexto em que o poeta faz uma dura crítica aos diluidores:

 A grande multidão de fascinados inferiores, incapazes de criar (...), falhos de inibição ede senso crítico, na impossibilidade de, (com razoável êxito (salvo um declarado [?]delírio de grandezas) imitar os poemas de Musset ou os de Verlaine, podem contudo,com maior aproximação, plagiar ao primeiro o copo [?] gigantesco com que seembriagava quotidianamente, e ao segundo a sua incurável vagabundagem eamoralidade de degenerado típico. Quem não pode fazer versos como Baudelairepode, porém, tingir os cabelos de verde. A prática da pederastia, embora nem sempre

fácil [...], é contudo mais fácil que a produção de uma segunda “Salomé”

(PESSOA,2018).

 

 Alberto assume a intervenção cultural não como algo inferior, mas comofusão da arte e da vida, além de uma atitude apologética, de pioneiro, dealguém que, ao intervir no espaço público, atrai para si ouvidos que queremouvir as verdades que têm a dizer. No final do livro, no texto

 Neblina SobreTeresópolis

, ele utiliza a metáfora do desastre ocorrido na cidade comometáfora para a morte de sua heterossexualidade e o renascimento de suahomossexualidade. Alberto viu isso como perda de vidas e perda de vida paraele mesmo, por ter vivido anos reprimido. O poema

Neblina Sobre Teresopolis

,além de referir-

se à frase “Diadorim é minha neblina”, uma bela passagem em

Grande Sertão, Veredas

:

 Abracei Diadorim, como as asas de todos os pássaros. Diadorim é minha neblina. Sóse pode viver perto de outro, e conhecer outra pessoa, sem perigo de ódio, se a gentetem amor. Qualquer amor já é um pouquinho de saúde, um descanso na loucura. Oamor é a gente querendo achar o que é da gente (ROSA, 2018).

 Atualmente, ele diz que é importante ser mutante na sociedade, fugir da

“normose”.

 Desde que era aluno de Jornalismo, é um mutante que foge danormose. Normose é um termo criado pelo Dr. Hermógenes no seu livro que Alberto leu nos anos 1980. Mutante é o termo criado por Roberto Crema,diretor da Universidade Holística de Brasília. Ser mutante para Alberto é ter um

 

 

 

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pensamento e comportamento libertário inserido no meio da sociedade. Opoema

Neblina Sobre Teresópolis

 é o encontro de um rapaz com um homemmais velho que é referência para ele:

Era o ano de 1984. Deixa-me contar direito, tenho 17 anos, um senhor se aproxima demim sorrindo e se apresenta: --Meu nome é Edgar. Um homem de seus 36 anos. Alto,olhos bonitos.

 –

Ei, meu jovem! Posso ajudá-lo, Sr?

 –

Respondo.

 –

É a primeira vez quevejo o mar, sou de Minas.

 –

Eu também sou, Responde Edga

r

 (COIMBRA, 2017, p.138).Ele quer mudar comportamentos e mentalidades e uma das vias queescolheu é a literatura. Uma outra são as intervenções culturais no cotidiano deuma cidade do interior que Alberto protagoniza. São intervenções que remetemBaudelaire e que estão intimamente ligadas à sua produção literária:

 A primeira vez que visitou o escritor Maxime Du Camp, Baudelaire foi apresentado aele com os cabelos pintados de verde. Como o malicioso Du Camp não queria nada

observar, Baudelaire gritou: “você não vê nada de anormal em mim?” E seuinterlocutor impassível respondeu: “Todo o mundo tem os cabelos mais ou menos

verdes; se os seus fossem azuis da cor do céu, isso poderia me surpreender: mascabelos verdes, há muitos chapéus em Paris. A anedota, contada por Du Camp elemesmo, é divertida. O leitor divertido pelas provocações baudelairianas descobriuoutros dentro da soma biográfica consagrada ao poeta por Marie-Christine Natta. Aespecialista em dandismo traça o retrato de um escritor insaciável, adepto da artearistocrática de desagradar

(HAYAT, 2018). Alberto Coimbra faz, em Bom Despacho, o papel de uma ativista dacontracultura. Para Alberto, é importante mudar sua mente, mudando seucorpo. Ele acredita que é preciso rezar menos. Para ele, inspirado na Grécia Antiga, os mistérios da vida são mistérios gozosos.Inspirado em

 As Bruxas de Salem

, filme de Wynona Ryder, Albertoentrou na Igreja matriz de Bom Despacho com uma cabeça de veado. O dia emque o padre Douglas tornou-se padre, Alberto entrou com a cabeça de umveado como se fosse uma estátua e um chapéu de bruxa. Nesse dia estavapresente o bispo local. Alberto remete a Flávio de Carvalho, mas dá um passo

 

 

 

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adiante: insere suas experiências no cotidiano, não as considera excepcionaise sim banais, rotineiras. Para Alberto Coimbra, devemos ser mais eróticos enão ficar rezando, pois a vida do pobre é difícil. Deveríamos ser mais eróticos,começar uma fala mais erótica junto às pessoas. Alberto Coimbra relembra as bruxas para poder lembrar que asexualidade é natural e os eleitores de Bolsonaro julgam o corpo algo sujo. Alberto, em suas performances, mistura-se na multidão, ao mesmo tempo estánela como uma personalidade, como, ao mesmo tempo, ator e espectador. Alberto está à vontade no espaço público. Ele se inspira em

Bruxas de Salém

,

  A Garota da Capa Vermelha

 e

 Caça às Bruxas

. Alberto Coimbra, com seu livroé tão revolucionário quanto

Grande Sertão Veredas

 por ocasião de seulançamento em 1956.Ele também já se travestiu de mulher e foi ao estádio Mineirão em jogosdo Clube Atlético Mineiro (em que foi bem recebido) e do Cruzeiro (onde houveagressão). No jogo do Atlético, usou a camisa com o rosto de Brigitte Bardot.Para Alberto, bem como para Baudelaire, só com o mergulho namultidão é que o poeta pode tornar-se moderno. Assim o poeta mergulha,embriagado, no outro e experimenta a comunhão universal. Alberto Coimbra pretende, com seu livro

Impressões de Cinema

, ser tãorevolucionário quanto

Grande Sertão Veredas

 foi em seu tempo, ao levantar,pioneiramente, a questão do gênero e diversidade ao tratar do amor deRiobaldo por Diadorim. A linguagem jornalística de Alberto Coimbra pode serassociada a Ernest Hemingway. Antes de viver em Paris, Pamplona, Cayo Hueso e Havana, Hemingwaynasceu e viveu até os seis anos em uma casa de três andares e estilo vitorianono bairro de Oak Park, na periferia de Chicago, que o escritor costumava definir

como “um lugar de jardins largos e mentes estreitas”. No bairro se encontra um

pequeno museu dedicado à sua memória, na mesma rua arborizada onde estásua casa natal.

 

 

 

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No interior do museu está exposta uma caricatura desenhada para a

Vanity Fair

, em 1933, em que Hemingway aparece vestido com uma tanga e jogando tônico capilar nos peitorais. Em outro mostruário está uma foto doescritor quando bebê. Aparece vestido de menina, algo comum no começo doséculo XX, quando os bebês eram vestidos dessa forma durante seu primeiroano de vida. Mas sua mãe, uma pintora e cantora de ópera chamada Grace,decidiu prolongá-lo por muitos anos mais. De fato, criou Hemingway e sua irmãMarcelline, 18 meses mais velha, como se fossem gêmeos, e os vestiuindistintamente como se ambos fossem meninos ou meninas, segundo seuhumor.Para Hemingway, esse capítulo seria um grande trauma que terminariaprovocando uma ansiedade que desembocou em sua exagerada virilidade, deacordo com a biografia que Kenneth S. Lynn publicou em 1987, que permitiualterar sua imagem pública e também abrir sua obra a novas interpretações.Quando são relidos romances e contos de Hemingway, ganhador do Nobel deLiteratura em 1954, sobressaem menos os super-heróis e mais os homensinseguros. Como o protagonista de

 A Curta Vida Feliz de Francis Macomber

,envergonhado por sair correndo quando tentava atirar em um leão em umsafári, muitos deles tentam alcançar um ideal de masculinidade impossível.Outro de seus biógrafos, Paul Hendrickson, autor de

Hemingway´s Boat

,sobre o apego do escritor por um barco batizado como Pilar, não acredita queessa hombridade superlativa e quase paródica possa ser vista como uma

atuação ao público. “A hipermasculinidade foi uma parte do que ele era. Foi

real e autêntica. Talvez fosse uma máscara conveniente ao seu ego, mas nãoera fr

audulenta”, afirma o professor da Universidade da Pensilvânia e antigo

 jornalista do

The Washington Post

. “Acho que foi homossexual, mas com

muitos sentimentos contraditórios em relação ao seu gênero. Nunca encontreia menor prova que sugerisse que se sent

ia atraído por outros homens”.

 Hendrickson também descreve sua difícil relação com seu filho maisnovo, Gregory, que praticou o transformismo por toda sua vida e acaboumudando de sexo aos 63 anos. Morreu com o nome de Gloria em uma prisão

 

 

 

14

para mulheres na Flórida, na qual acabou por praticar exibicionismo em viapública. Uma vez, quando era pequeno, Hemingway o surpreendeu provandoas meias-

calças de sua mãe. Mais tarde lhe diria: “Você e eu viemos de umatribo estranha”. Para Hendrickson, Gregory/Gloria r

ealizou o que seu pai só

admitia em seu foro interior e em algum texto clandestino. “Por isso existia umarelação de amor e ódio entre eles”, afirma. Dearborn diz que essa foi a cela deonde nunca conseguiria escapar: “Em um mundo melhor, Hemingway teria

f

urado as orelhas”.

 

Impressões de Cinema

 é um livro que mistura gêneros em muitossentidos: tanto os gêneros ligados à sexualidade quanto os gêneros literários: é

autobiografia, prosa poética, ensaio sobre cinema, e, como diz o autor, “um

diálogo do autor com sua homossexualidade que foi reprimida na juventude.

Existe uma homossexualidade que aflorou depois de anos de repressão.” O

livro

Impressões de Cinema

 também contêm códigos sexuais.4. Conclusão Alberto confessa que fez a intervenção cultural na cidade de BomDespacho por ser jornalista e porque ouviu bom-despachenses reclamando dopapo ruim da cidade pequena que provocou fobias e depressão em pessoas. Etambém porque as cidades grandes brasileiras estão esgotadas. É preciso umaintervenção cultural e econômica para que cidades pequenas sejam atrativaspara viver. Alberto homenageia a cidade do Rio de Janeiro como um

flaneur

passeando pelo seu centro histórico descrevendo lindamente locais, ruas e suaarquitetura.

Impressões de Cinema

 foi um livro pensado como obra de arte total,fundindo música, cinema, poesia, prosa poética e dança. Trata-se de um livroque funde vários gêneros textuais e pensa gênero e diversidade, pois o livrotrata da retomada da homossexualidade de Alberto Coimbra após um períodoem que ele viveu com uma mulher.

 

 

 

15

O livro não pode ser entendido sem um mergulho na vida e nasintervenções culturais de Alberto Coimbra, grande artista, escritor e ativista dacontracultura em Bom Despacho. Na prosa albertiniana, obra e arte estãofundidas. Coimbra dá um passo adiante de Flávio de Carvalho, o famoso

 performer

 que saiu de minissaia em São Paulo em 1956. Alberto assume aposição do

flaneur

no Rio de Janeiro, assim como vai mais além dos cabelosverdes de Baudelaire, atitude que também o inspira em sua fusão arte/vida. Eleincorpora em sua prosa a contracultura e o Modernismo de 22, assim como ocinema mundial e outras artes.5.Referências Bibliográficas:HAYAT, Jeanine.

Le Cheveux deBaudelaire

<<https://www.huffingtonpost.fr/jeannine-hayat/les-cheveux-verts-de-baudelaire_a_23220350/

>> 

COIMBRA, Alberto.

Impressões de Cinema

. Divinópolis: Adelante, 2017.Experiência Número 2 de Flávio de Carvalho.<https://www.youtube.com/watch?v=_g4S0Lc30VEMACHADO, Vanessa. As Experiências.<<http://www.mac.usp.br/mac/templates/projetos/seculoxx/modulo2/modernidade/eixo/cam/artistas/carvalho3.html

>>.

<<Acesso em 5 de dezembro de 2018>>.

 

 

 

 

16

VICENTE 

 

1

Gênero e Diversidade em Impressões de Cinema, de Alberto Coimbra

Lúcio Emílio do Espírito Santo Júnior (doutorando em EstudosLiterários/UNICAMP)1.IntroduçãoResumoEsse texto busca fazer algumas observações críticas a respeito da obraliterária

Impressões de Cinema

, de autoria de Alberto Coimbra. O textoinvestiga os diferentes gêneros literários presentes na obra, assim como aproblematização que o texto faz das questões de gênero e diversidade. Oartigo fez a contextualização histórica do livro, assim como a seguir trata dosgêneros dentro do livro, para logo em seguida associar o texto à intervençãocultural realizada por Alberto Coimbra em Bom Despacho, Minas Gerais.Palavras chave: intervenção cultural, cinema, literatura, prosa, vida, arte

 A VOZ DE UM ENGENHEIRO - Evidentemente, coagido pela força bruta, vencido pelo número,vejo-me forçado a continuar o meu caminho sem chapéu. Mas esse puto (Cristo) me paga!(som de castanholas. Tumulto).VOZES - Viva la gracia! Outro toro! Mi cago en dios! Viva o senhor do Sábado! Tira o chapéu,Flávio! Péo, péo! Fora! Não tira! Deus da burguesia! Fora! Põe o chapéu! Desacata esse

veado! Fora! Fora!”

 

Trecho da peça

O Homem e o Cavalo

, de Oswald de Andrade.O livro

Impressões de Cinema

 é um retrato de Alberto Coimbra e suacabeça. Ele pensa cinema. E protagonizou intervenções culturais que játransformaram o cotidiano das pessoas de Bom Despacho. E que entrarampara o folclore: colocou máscara de Piu Piu e ergueu-se durante a eucaristia.Para Alberto Coimbra, a intervenção com a máscara de Piu Piu aconteceuporque Jesus, para ele, é um homem.

 

 

 

2

Outra intervenção cultural aconteceu quando ele vestia saia, blusa doCruzeiro, chapéu e levando uma mala, dizendo que ia pegar a (inexistente)ferrovia para Martinho Campos. Alberto e seu livro fazem pensar em José Agrippino de Paula: temos queviver as coisas que Oswald de Andrade escreveu. Alberto vive a contraculturados anos 60 e o modernismo de 22.O livro mistura crônicas autobiográficas em que ele insere BomDespacho no mundo do cinema com poemas sempre inspirados por umdeterminado filme. Em sua imagética somos levados a uma Bom Despachoque não existe mais, a Bom Despacho em que a biblioteca pública era ao ladodo cinema e o cinema apresentava produções que tinham interesse tanto paraos intelectuais quanto apelo para a imprensa e as massas. Alberto éprofundamente marcado pela história e memória de Bom Despacho, numaverdadeira geografia sentimental: cinema, biblioteca e a Mata do Batalhão.Escrevendo de forma bela sobre sua infância em Bom Despacho nos anos1980, ele coloca a cidade dentro do cinema. Escrever sobre cinema de certoforma é estar no cinema, é de certa forma fazer cinema. Alberto também é umpensador sofisticado.1. Contexto Histórico de

Impressões de Cinema

  Alberto nasceu nos anos 60, sua juventude foi nos anos 80. Foi da geraçãoX, a que fez a difícil transição entre a geração 68 e a geração do novo milênio,assim como viveu a mudança da ditadura militar para a democracia emmeados dos anos 1980. Alberto, filho de militar e músico, neto do maestro José Milagre Coimbra,seu avô. Ele identifica-se com o feminino e com a esquerda. Primeiro, ele teveuma infância feliz, brincando na Mata do Batalhão atrás de sua casa e depoisbrincou no pasto de uma fazenda de gado no bairro Esplanada onde foi morar.Paralelamente à chamada globalização e ao neoliberalismo, Albertodesfrutou do avanço dos costumes. Caminhando contra o vento, prosseguiu

 

 

 

3

imbuído de luminosas utopias, num tempo em que elas estavam se desfazendocom a utopia

hippie

 e a utopia comunista tornando-se ultrapassadas. Alberto sempre observa a realidade e pensa em melhorá-la. Na UFMG leu olivro,

1968, Ano que Não Terminou

, do jornalista Zuenir Ventura. Leu sobrereligião na visão de Rubem Alves. Assistiu várias palestras de Rose MarieMuraro e Rubem Alves. Após estudar na UFMG, estudou a pós-modernidadequando o pensador Francis Fukuyama falou do fim da História. E aprendeu emSemiótica que todos os filmes foram feitos e hoje eles passam na Sessão daTarde. O jornalista Emerson Penha que foi seu colega no curso de Jornalismona UFMG fala de questões ambientais e políticas. Assim sendo, tendo atribuído esse olhar ao seu curso de Jornalismo naUFMG nos anos 90. Alberto passou os anos 90 esboçando

Impressões deCinema

 e um embrião do livro nasceu durante seu curso de jornalismo, quandoele freqüentava o

Savassi Cineclube

 no início dos anos 90 em Belo Horizonte. Alberto Coimbra defende Lula, comparando-o a Juscelino Kubitschek,assim como faz o elogio de Brasília e de Oscar Niemeyer e Lúcio Costa.Coimbra relembra a interessante reportagem que deslinda a música

Ponta de Areia

, pois existe uma realidade por trás dessa música: o jornalista EmersonPenha investigou a ferrovia que existia entre

 Araçuaí

 e

Ponta de Areia

 naBahia. Atualmente, Emerson Penha está fazendo um filme sobre isso.

Impressões de Cinema

 fala sobre questões ambientes, questões humanas emesmo sobre o empreendedorismo: o sucesso profissional de uma pessoadepende muito mais da organização do que de inteligência.Felipe Cunha, funcionário da secretaria de cultura local, disse que Alberto foi importante para Bom Despacho como Copérnico foi para ahumanidade. Depois de sua intervenção cultural construíram

 parklets

 nos baresde Bom Despacho. Alberto disse a Padre Antônio que entrar na igreja de vestido e salto altopara dizer às pessoas que características masculinas e femininas são próximasde ser um artista

Pop

 e assim dedicou sua vida aos outros.

 

 

 

4

E também quis mostrar que características masculinas e femininas estãomais próximas do que a gente pensa. E que seu gesto foi um gesto de amor aopovo de Bom Despacho. O Padre Antônio concordou. Alberto também disse aoPadre Pedro que foi funcionário público e dedicou sua vida aos outros. Nãorealizou, então, seu sonho de ser um artista

 pop

e assim dedicou sua vida aosoutros

. O Padre Pedro respondeu: “você é Jesus, Alberto. Agora é a vez deMaria.”

  Alberto Coimbra comenta que em Bom Despacho a maioria dos padreso respeitaram e o acolheram. A vida do pobre é difícil, é preciso rezar menos eviver independente de Deus, como na religiosidade grega, que era não-coercitiva, não existindo a figura do sacerdote como surgiu posteriomente. Alberto Coimbra possui um senso agudo de história. Para ele, o

ottocento

trouxe os elevadores, bicicletas, luz e telefone. O século XIX lia peloprazer da leitura e os jornais traziam textos literários. Seu texto teoriza sobre aascensão da burguesia capitalista e as conseqüências de uma nova civilizaçãoconstruída sobre a ciência e a tecnologia, assim como hoje houve odesenvolvimento digital.O governo Lula trouxe a ascensão das classes D e E, uma novacivilização parece, então, começar no século XXI, produzindo um novocomportamento e novas tecnologias, com a diferença que no início do séculoXXI há um fortalecimento das idéias de igualdade, liberdade e fraternidade. Adependência da Igreja começa a cair. A declaração dos direitos do homemcompletou 70 anos.Nesse contexto, Brigitte Bardot agora protege animais, assim como omeio ambiente. A ONG criada por Michael Jackson cuida das crianças e jovensno mundo inteiro. Mick Jagger teve filho com uma brasileira. Madonna tentouadotar uma criança africana afirmando que quando ela crescesse ajudaria seupaís na África. O dinheiro nos últimos 30 anos mudou de mãos. Grandesartistas têm renda financeira.

Impressões de Cinema

 é influenciado ao mesmo tempo pela mitologiagrega de Eros e Psiquê e pelo decadentismo do século XIX e século XXI é.

 

 

 

5

Hoje vivemos a prosperidade de uma era tecnológica nunca vista antes. Outrasde suas influências: Émile Zoula, Gustave Flaubert,

Germinal

, Naná,

MadameBovary,

 

Bouvard e Pecouchet

. O documentári

o Imagine

 sobre a vida de JohnLennon também foi muito influente, bem como o modernismo de 22 e acontracultura de 1968. Ele diz do documentário

Imagine

sobre John Lennon notexto

O Artista

.

Impressões de Cinema

 é um livro que deseja ser a obra de arte total,integrando cinema, poesia, Filosofia, música e dança. Em

 Você é Lindo

 existea música, em

Seu Nome é Rita Hayworth

, cinema, música e dança.2.Gênero e Diversidade em

Impressões de Cinema

 

Impressões de Cinema

 é um livro que mistura gêneros em muitossentidos: tanto os gêneros ligados à sexualidade quanto os gêneros literários: é

autobiografia, prosa poética, ensaio sobre cinema, e, como diz o autor, “um

diálogo do autor com sua homossexualidade que foi reprimida na juventude.Existe uma homossexualidade que aflorou depois de anos de repressão.O livro

Impressões de Cinema

 também contêm códigos sexuais. O autordescobriu-se travesti após uma longa trajetória de vida enquanto bibliotecário e jornalista. Seu campo de interesse volta-se para o jogo com os signos sexuais,indo além do que a sociedade define que é homem e mulher, como ele mesmoescreve em uma passagem de

Impressões de Cinema

: “Pichita pega o jovem

guapo e o veste de donzela e ela de belo tenente

” (COIMBRA, 2017, p. 60).

  Alberto pensa cinema, tem muito boa memória cinematográfica. Associae aprecia o modernismo de 22 e a contracultura dos anos 60. Ele diz sobre ofilme

O Artista

: “Eu vou me alimentando de você. De nossos olhares. De nosso

carinho. De mãos dadas no parque. Lucy no céu com diamantes. E beijos e

beijos e beijos...” (COIMBRA, 2017, P. 48).

  A memória cinematográfica faz com que ele veja a própria vida enquantoum filme e vice-

versa, que aplique na vida o que vê nos filmes: “quando

 

 

 

6

escol

hemos um amor, não temos certeza do final” (COIMBRA, 2017, P. 50).

 Alberto utilizou-se bastante do processo do

flashback

, voltando às suas

memórias de infância e adolescência: “roubávamos mexericas e íamos para a

casa chupá-las, falar das meninas e soltar

o periscópio” (COIMBRA, 2017, p.

51). A chave para a compreensão de

Impressões de Cinema

 está naredescoberta da identidade de Alberto Coimbra. Num dos textos, fala do Aterrodo Flamengo, mas quer tratar de como sua identidade homossexual ficousoterrada. A questão da sublimação da homossexualidade do autor está nopoema

Seu Nome, Rita Hayworth

.

 A partir daí, eu só tinha olhos para o bailado de Rita Hayworth a me seduzir!/Rita,Gilda, Carmen, Salomé ou a musa grega Terpsícore, da dança e da música. ComoRita fico conhecida, a atriz dançava ou melhor, saracoteava sorrindo! (...) E o meudesejo adolescente frente a um espelho real não se conteve e o estilhaçou. Realidadeou não, Rita Hayworth não morreu, adormeceu no meu coração e aqui mora

 (COIMBRA, 2017, P. 66).Tanto esse texto acima quanto a crônica

Uma Sessão de Cinema noCine Roxy

 é uma homenagem à atriz e bailarina Rita Hayworth. Jair Coimbracolocou a coluna de Nina Chaves em 1981, sobre a cama, a crônica contandoque Rita estava com 64 anos e com mal de Alzheimer em Beverly Hills. Sevocê quer ser uma mulher, que seja uma interessante e elegante como RitaHayworth. Isso está no texto acima,

Seu Nome é Rita Hayworth

. Está tambémo Cine Regina e a cidade de Bom Despacho. Igualmente, pode-se dizer que opoema

Seu Nome é Rita Hayworth

 também aborda também o momento emque fez terapia com Marco Aurelio Baggio. Essa terapia o fez implodir suahomossexualidade. Ele queria ser uma mulher como Rita Hayworth. Albertoexplicou em uma entrevista:

No primeiro ano de Grupo meu pai, no final do ano, me falou para enviar um cartão deNatal para minha professora Vera Couto. Enviei. Em 1988 quando eu fazia terapiacom o psicanalista Marco Aurélio Baggio descobri que a Pantera Gil do seriado AsPanteras, que a Fanch Fawcett-Majors era a Dona Vera. É porque quando eu tinha

 

 

 

7

onze anos eu via a Fanch Fawcett-Majors no seriado eu fiquei fã dela. Fui a banca derevista e pedi uma revista Cinerium como pôster de atriz. Na sessão de psicanálisecom Marco Aurelio ele me dises que meu pai me fez o pedido me mostrando que aVera Couto era uma mulher que vale a pena. Eu queria era ser uma mulher como aFarrah. E gritei. Em 1980 era o footing. As pessoas ficavam andando na Praça aoredor da Igreja Matriz Nossa Senhora do Bom Despacho

 (COIMBRA, 2018). Alberto faz, em

Impressões de Cinema

, uma micro-história, uma históriadas mentalidades. A Mata do Batalhão é patrimônio. Toda uma épocadesapareceu, era um

footing

, as pessoas ficavam andando. Nos anos 90,existia a noite dos bilhetinhos, agora tudo é pelo

zap

 e pelo

facebook,

 não hámais paquera como antes.Um grande triunfo de Alberto foi ter feito análise durante dez anos.Resolveu seu trauma com seu pai e tornou-se seu amigo. Viveu sua lendapessoal, para ele, todo mundo tem que desenvolver o seu dom e fazer o quegosta. A psicanálise torna-nos melhores amigos.O livro traz textos que ele escreveu ao longo da vida, tendo o cinemacomo mediador. No poema

Leolo

, inspirado no filme de mesmo nome, Albertodescreve a confusão de lidar com a homossexualidade na adolescência, o queo deixou inseguro. Bianca representou seu tesão hetero que virou uma ruínaromana. Semelhante a cena final do filme Satiricon de Federico Fellini, só queno caso de Alberto a ruína romana é seu desejo por mulher

: “O meu desejo emsilêncio! A Itália! (...). Grito seu nome entre ruínas romanas! Minha solidão...”

(COIMBRA, 2017, p. 44). Alberto entrou no corredor central da Igreja Matriz de Bom Despachodurante a missa, usando roupa feminina. No entanto, ele fez isso com aintenção de mostrar às pessoas que a vida não é só rezar e a diferença entremasculino e feminino é menor do que a gente pensa. Alberto estudou a vida deJesus na UFMG e ele viu que aconteceram fatos e pessoas da época pegaramesses fatos e atitudes e criaram o personagem de Jesus na Bíblia. Jesusvoltou, é um travesti e trabalha para o mundo da moda.

 

 

 

8

Durante o filme

Cléopatra

, de Elizabeth Taylor, viu a imagem deCleópatra deitada na cama e a cobrinha andando no chão. Alberto ficou paradona porta e ficou pensando em sua homossexualidade. Era um indício. Alberto vivenciou sua homossexualidade nos anos 90, pois queria ter umrelacionamento sério com um homem, mas depois recalcou-a, vivendo comuma companheira, mas voltou a ser

gay

 depois da morte de sua ex-mulher,desistindo então das mulheres. Alberto conta que, nos anos 90, os homens nãoo desejavam para namorar e relacionar a sério. Ficou triste e decepcionado e,para se reorganizar, leu os livros

Filosofando

 e

 Iniciação à Filosofia

 de MarilenaChauí.3. Alberto e suas Intervenções Culturais no Cotidiano da CidadeOs filmes que passavam na Sessão da Tarde nos anos 1980, anos da juventude de Alberto eram filmes dos anos 1930, 1940, 1950 e 1960.O cinema serve de lente através da qual ele vê a própria vida. Elerelembra a atitude do modernista que, nos anos 50, saiu vestindo saias,causando choque na cidade de São Paulo. A atitude de Alberto Coimbrarelembra essa atitude, buscando fazer uma intervenção no cotidiano da cidadee buscando mostrar que a vida é mais do que o labor diário pela sobrevivência.Ele tem uma filosofia de vida própria, uma filosofia aplicada.Para Alberto Coimbra, quando Gustave Flaubert construiu

MadameBovary

, ele recorreu ao seu lado mulher, à sua bissexualidade interna. Outrosautores que inspiram

Impressões de Cinema

 são: Nietzsche, Sartre, Foucault,Simone, Albert Camus, Umberto Eco, os filósofos gregos, Tchecov,Dostoiévsky, Tolstói, Kafka. O professor Tadeu Teixeira Araújo leu o livro de Alberto e disse para o autor: Anna Karenina.Outros que o influenciaram foram: Homero, Gilberto Freyre, SérgioBuarque de Holanda, Chico, Caetano, Fernando Brant e Milton; além deEngenheiros do Havaí, Titãs, Barão, Renato Russo, Cazuza. A linguagem de

 

 

 

9

 Alberto é jornalística como a de Ernest Hemingway. As influências de literaturabrasileira são: Machado de Assis, Clarice Lispector, Rubem Braga, João doRio, Jorge Amado, Mário de Andrade e Oswald de Andrade. Outras obras queinfluenciam são:

o Romanceiro da Inconfidência

. Outras obras revolucionáriassão tais como

Grande Sertão Veredas

.Os artistas homens recorrem a esse lado feminino para construirpersonagens femininos, mais do que somente a uma observação externa.

 Alberto deseja que suas “performances” sejam

intervenções no cotidiano dacidade. Ele já realizou experiências tais como as de Flávio de Carvalho, andoupelas ruas de Bom Despacho de roupa feminina e se comportando muitoeducadamente. Não é atualmente assim. Entrou de salto alto e leque na torcidado Atlético. Foi aceito e tentou entrar de salto na torcida do Cruzeiro, tendo sidoreprimido lá. Flávio de Carvalho, ao sair de minissaia, experimentou algosemelhante:

Situação parecida se deu em outubro de 1956, porém desta vez a experiência forapremeditada e resultara de suas reflexões em torno do que definiu com Dialética daModa. Flávio de Carvalho caminhou de saia pelo centro de São Paulo: era aExperiência n º 3. Para ele, a roupa era o fator que mais influenciava o homem"porque é aquilo que está mais perto do seu corpo e o seu corpo continua sempresendo a parte do mundo que mais interessa ao homem". Denominou o curiosomodelito que trajava de "new look" para "o novo homem dos trópicos". O "new look"era composto por saia cor-de-rosa prissada -acima dos joelhos antes de Mary Quant,camisa verde e... meia arrastão e sandália de couro cru. Portanto, a despeito de seupensamento sobre a condição da moda, está explícita a intenção performática dechamar atenção ao corpo na ação (MACHADO, 2018).

 Alberto entrou na Igreja com uma cabeça de veado. O dia em que opadre Douglas tornou-se padre, Alberto entrou com a cabeça de um veado(estátua) e um chapéu de bruxa, no dia em que estava presente o bispo deBom Despacho. O dia 25 de dezembro na Idade Média era o dia do grandeveado e a Igreja Católica escolheu o dia para ser o nascimento de Jesus.Ele identifica-se com a frase de Pessoa: se você não pode escreverpoemas como Baudelaire, pode ao menos pintar os cabelos de verde. Asperformances de Alberto são como pintar os cabelos de verde, mas com uma

 

 

 

10

aspiração de ir um passo além de um Flávio Carvalho. As experiências nãoseriam extraordinárias, o extraordinário tornou-se cotidiano. A frase, paraPessoa, está num contexto em que o poeta faz uma dura crítica aos diluidores:

 A grande multidão de fascinados inferiores, incapazes de criar (...), falhos de inibição ede senso crítico, na impossibilidade de, (com razoável êxito (salvo um declarado [?]delírio de grandezas) imitar os poemas de Musset ou os de Verlaine, podem contudo,com maior aproximação, plagiar ao primeiro o copo [?] gigantesco com que seembriagava quotidianamente, e ao segundo a sua incurável vagabundagem eamoralidade de degenerado típico. Quem não pode fazer versos como Baudelairepode, porém, tingir os cabelos de verde. A prática da pederastia, embora nem sempre

fácil [...], é contudo mais fácil que a produção de uma segunda “Salomé”

(PESSOA,2018).

 

 Alberto assume a intervenção cultural não como algo inferior, mas comofusão da arte e da vida, além de uma atitude apologética, de pioneiro, dealguém que, ao intervir no espaço público, atrai para si ouvidos que queremouvir as verdades que têm a dizer. No final do livro, no texto

 Neblina SobreTeresópolis

, ele utiliza a metáfora do desastre ocorrido na cidade comometáfora para a morte de sua heterossexualidade e o renascimento de suahomossexualidade. Alberto viu isso como perda de vidas e perda de vida paraele mesmo, por ter vivido anos reprimido. O poema

Neblina Sobre Teresopolis

,além de referir-

se à frase “Diadorim é minha neblina”, uma bela passagem em

Grande Sertão, Veredas

:

 Abracei Diadorim, como as asas de todos os pássaros. Diadorim é minha neblina. Sóse pode viver perto de outro, e conhecer outra pessoa, sem perigo de ódio, se a gentetem amor. Qualquer amor já é um pouquinho de saúde, um descanso na loucura. Oamor é a gente querendo achar o que é da gente (ROSA, 2018).

 Atualmente, ele diz que é importante ser mutante na sociedade, fugir da

“normose”.

 Desde que era aluno de Jornalismo, é um mutante que foge danormose. Normose é um termo criado pelo Dr. Hermógenes no seu livro que Alberto leu nos anos 1980. Mutante é o termo criado por Roberto Crema,diretor da Universidade Holística de Brasília. Ser mutante para Alberto é ter um

 

 

 

11

pensamento e comportamento libertário inserido no meio da sociedade. Opoema

Neblina Sobre Teresópolis

 é o encontro de um rapaz com um homemmais velho que é referência para ele:

Era o ano de 1984. Deixa-me contar direito, tenho 17 anos, um senhor se aproxima demim sorrindo e se apresenta: --Meu nome é Edgar. Um homem de seus 36 anos. Alto,olhos bonitos.

 –

Ei, meu jovem! Posso ajudá-lo, Sr?

 –

Respondo.

 –

É a primeira vez quevejo o mar, sou de Minas.

 –

Eu também sou, Responde Edga

r

 (COIMBRA, 2017, p.138).Ele quer mudar comportamentos e mentalidades e uma das vias queescolheu é a literatura. Uma outra são as intervenções culturais no cotidiano deuma cidade do interior que Alberto protagoniza. São intervenções que remetemBaudelaire e que estão intimamente ligadas à sua produção literária:

 A primeira vez que visitou o escritor Maxime Du Camp, Baudelaire foi apresentado aele com os cabelos pintados de verde. Como o malicioso Du Camp não queria nada

observar, Baudelaire gritou: “você não vê nada de anormal em mim?” E seuinterlocutor impassível respondeu: “Todo o mundo tem os cabelos mais ou menos

verdes; se os seus fossem azuis da cor do céu, isso poderia me surpreender: mascabelos verdes, há muitos chapéus em Paris. A anedota, contada por Du Camp elemesmo, é divertida. O leitor divertido pelas provocações baudelairianas descobriuoutros dentro da soma biográfica consagrada ao poeta por Marie-Christine Natta. Aespecialista em dandismo traça o retrato de um escritor insaciável, adepto da artearistocrática de desagradar

(HAYAT, 2018). Alberto Coimbra faz, em Bom Despacho, o papel de uma ativista dacontracultura. Para Alberto, é importante mudar sua mente, mudando seucorpo. Ele acredita que é preciso rezar menos. Para ele, inspirado na Grécia Antiga, os mistérios da vida são mistérios gozosos.Inspirado em

 As Bruxas de Salem

, filme de Wynona Ryder, Albertoentrou na Igreja matriz de Bom Despacho com uma cabeça de veado. O dia emque o padre Douglas tornou-se padre, Alberto entrou com a cabeça de umveado como se fosse uma estátua e um chapéu de bruxa. Nesse dia estavapresente o bispo local. Alberto remete a Flávio de Carvalho, mas dá um passo

 

 

 

12

adiante: insere suas experiências no cotidiano, não as considera excepcionaise sim banais, rotineiras. Para Alberto Coimbra, devemos ser mais eróticos enão ficar rezando, pois a vida do pobre é difícil. Deveríamos ser mais eróticos,começar uma fala mais erótica junto às pessoas. Alberto Coimbra relembra as bruxas para poder lembrar que asexualidade é natural e os eleitores de Bolsonaro julgam o corpo algo sujo. Alberto, em suas performances, mistura-se na multidão, ao mesmo tempo estánela como uma personalidade, como, ao mesmo tempo, ator e espectador. Alberto está à vontade no espaço público. Ele se inspira em

Bruxas de Salém

,

  A Garota da Capa Vermelha

 e

 Caça às Bruxas

. Alberto Coimbra, com seu livroé tão revolucionário quanto

Grande Sertão Veredas

 por ocasião de seulançamento em 1956.Ele também já se travestiu de mulher e foi ao estádio Mineirão em jogosdo Clube Atlético Mineiro (em que foi bem recebido) e do Cruzeiro (onde houveagressão). No jogo do Atlético, usou a camisa com o rosto de Brigitte Bardot.Para Alberto, bem como para Baudelaire, só com o mergulho namultidão é que o poeta pode tornar-se moderno. Assim o poeta mergulha,embriagado, no outro e experimenta a comunhão universal. Alberto Coimbra pretende, com seu livro

Impressões de Cinema

, ser tãorevolucionário quanto

Grande Sertão Veredas

 foi em seu tempo, ao levantar,pioneiramente, a questão do gênero e diversidade ao tratar do amor deRiobaldo por Diadorim. A linguagem jornalística de Alberto Coimbra pode serassociada a Ernest Hemingway. Antes de viver em Paris, Pamplona, Cayo Hueso e Havana, Hemingwaynasceu e viveu até os seis anos em uma casa de três andares e estilo vitorianono bairro de Oak Park, na periferia de Chicago, que o escritor costumava definir

como “um lugar de jardins largos e mentes estreitas”. No bairro se encontra um

pequeno museu dedicado à sua memória, na mesma rua arborizada onde estásua casa natal.

 

 

 

13

No interior do museu está exposta uma caricatura desenhada para a

Vanity Fair

, em 1933, em que Hemingway aparece vestido com uma tanga e jogando tônico capilar nos peitorais. Em outro mostruário está uma foto doescritor quando bebê. Aparece vestido de menina, algo comum no começo doséculo XX, quando os bebês eram vestidos dessa forma durante seu primeiroano de vida. Mas sua mãe, uma pintora e cantora de ópera chamada Grace,decidiu prolongá-lo por muitos anos mais. De fato, criou Hemingway e sua irmãMarcelline, 18 meses mais velha, como se fossem gêmeos, e os vestiuindistintamente como se ambos fossem meninos ou meninas, segundo seuhumor.Para Hemingway, esse capítulo seria um grande trauma que terminariaprovocando uma ansiedade que desembocou em sua exagerada virilidade, deacordo com a biografia que Kenneth S. Lynn publicou em 1987, que permitiualterar sua imagem pública e também abrir sua obra a novas interpretações.Quando são relidos romances e contos de Hemingway, ganhador do Nobel deLiteratura em 1954, sobressaem menos os super-heróis e mais os homensinseguros. Como o protagonista de

 A Curta Vida Feliz de Francis Macomber

,envergonhado por sair correndo quando tentava atirar em um leão em umsafári, muitos deles tentam alcançar um ideal de masculinidade impossível.Outro de seus biógrafos, Paul Hendrickson, autor de

Hemingway´s Boat

,sobre o apego do escritor por um barco batizado como Pilar, não acredita queessa hombridade superlativa e quase paródica possa ser vista como uma

atuação ao público. “A hipermasculinidade foi uma parte do que ele era. Foi

real e autêntica. Talvez fosse uma máscara conveniente ao seu ego, mas nãoera fr

audulenta”, afirma o professor da Universidade da Pensilvânia e antigo

 jornalista do

The Washington Post

. “Acho que foi homossexual, mas com

muitos sentimentos contraditórios em relação ao seu gênero. Nunca encontreia menor prova que sugerisse que se sent

ia atraído por outros homens”.

 Hendrickson também descreve sua difícil relação com seu filho maisnovo, Gregory, que praticou o transformismo por toda sua vida e acaboumudando de sexo aos 63 anos. Morreu com o nome de Gloria em uma prisão

 

 

 

14

para mulheres na Flórida, na qual acabou por praticar exibicionismo em viapública. Uma vez, quando era pequeno, Hemingway o surpreendeu provandoas meias-

calças de sua mãe. Mais tarde lhe diria: “Você e eu viemos de umatribo estranha”. Para Hendrickson, Gregory/Gloria r

ealizou o que seu pai só

admitia em seu foro interior e em algum texto clandestino. “Por isso existia umarelação de amor e ódio entre eles”, afirma. Dearborn diz que essa foi a cela deonde nunca conseguiria escapar: “Em um mundo melhor, Hemingway teria

f

urado as orelhas”.

 

Impressões de Cinema

 é um livro que mistura gêneros em muitossentidos: tanto os gêneros ligados à sexualidade quanto os gêneros literários: é

autobiografia, prosa poética, ensaio sobre cinema, e, como diz o autor, “um

diálogo do autor com sua homossexualidade que foi reprimida na juventude.

Existe uma homossexualidade que aflorou depois de anos de repressão.” O

livro

Impressões de Cinema

 também contêm códigos sexuais.4. Conclusão Alberto confessa que fez a intervenção cultural na cidade de BomDespacho por ser jornalista e porque ouviu bom-despachenses reclamando dopapo ruim da cidade pequena que provocou fobias e depressão em pessoas. Etambém porque as cidades grandes brasileiras estão esgotadas. É preciso umaintervenção cultural e econômica para que cidades pequenas sejam atrativaspara viver. Alberto homenageia a cidade do Rio de Janeiro como um

flaneur

passeando pelo seu centro histórico descrevendo lindamente locais, ruas e suaarquitetura.

Impressões de Cinema

 foi um livro pensado como obra de arte total,fundindo música, cinema, poesia, prosa poética e dança. Trata-se de um livroque funde vários gêneros textuais e pensa gênero e diversidade, pois o livrotrata da retomada da homossexualidade de Alberto Coimbra após um períodoem que ele viveu com uma mulher.

 

 

 

15

O livro não pode ser entendido sem um mergulho na vida e nasintervenções culturais de Alberto Coimbra, grande artista, escritor e ativista dacontracultura em Bom Despacho. Na prosa albertiniana, obra e arte estãofundidas. Coimbra dá um passo adiante de Flávio de Carvalho, o famoso

 performer

 que saiu de minissaia em São Paulo em 1956. Alberto assume aposição do

flaneur

no Rio de Janeiro, assim como vai mais além dos cabelosverdes de Baudelaire, atitude que também o inspira em sua fusão arte/vida. Eleincorpora em sua prosa a contracultura e o Modernismo de 22, assim como ocinema mundial e outras artes.5.Referências Bibliográficas:HAYAT, Jeanine.

Le Cheveux deBaudelaire

<<https://www.huffingtonpost.fr/jeannine-hayat/les-cheveux-verts-de-baudelaire_a_23220350/

>> 

COIMBRA, Alberto.

Impressões de Cinema

. Divinópolis: Adelante, 2017.Experiência Número 2 de Flávio de Carvalho.<https://www.youtube.com/watch?v=_g4S0Lc30VEMACHADO, Vanessa. As Experiências.<<http://www.mac.usp.br/mac/templates/projetos/seculoxx/modulo2/modernidade/eixo/cam/artistas/carvalho3.html

>>.

<<Acesso em 5 de dezembro de 2018>>.

 

 

 

 

16

VICENTE, Alex. Um Supermacho em Dúvida. A Face Oculta de Hemingwayhttps://brasil.elpais.com/brasil/2017/10/21/cultura/1508590742_519728.html. <<Acesso em 26 de julho de 2018>>.PESSOA, Fernando.

 A Imoralidade das Biografias.

 <<http://arquivopessoa.net/textos/3748>>. <<Acesso em 5 de dezembro de2018>>.6. Videografia:COIMBRA, Alberto.

Impressões de Cinema

.<<https://www.youtube.com/watch?v=BkfpBMGr7KY&t=360s>>. <<Acesso em5 de dezembro de 2018>>.FRECHETTE, Alex. Experiência Número 2 de Flávio de Carvalho.<<https://www.youtube.com/watch?v=_g4S0Lc30VE>>. <<Acesso em 5 dedezembro de 2018>>.PROGRESSO, Pedro. Maria Betânia: Grande Sertão Veredas.Diadorim.<<https://www.youtube.com/watch?v=oOdGvuzQjbA>>. <<Acessoem 5 de dezembro de 2018>>.MENEZES, Gustavo. Top Show do Gu (Entrevista com Alberto Coimbra).<http://revistacidadesol.blogspot.com/2018/09/entrevista-com-alberto-coimbra-top-show.html>>. <<Acesso em 5 de dezembro de 2018>>., Alex. Um Supermacho em Dúvida. A Face Oculta de Hemingwayhttps://brasil.elpais.com/brasil/2017/10/21/cultura/1508590742_519728.html. <<Acesso em 26 de julho de 2018>>.PESSOA, Fernando.

 A Imoralidade das Biografias.

 <<http://arquivopessoa.net/textos/3748>>. <<Acesso em 5 de dezembro de2018>>.6. Videografia:COIMBRA, Alberto.

Impressões de Cinema

.<<https://www.youtube.com/watch?v=BkfpBMGr7KY&t=360s>>. <<Acesso em5 de dezembro de 2018>>.FRECHETTE, Alex. Experiência Número 2 de Flávio de Carvalho.<<https://www.youtube.com/watch?v=_g4S0Lc30VE>>. <<Acesso em 5 dedezembro de 2018>>.PROGRESSO, Pedro. Maria Betânia: Grande Sertão Veredas.Diadorim.<<https://www.youtube.com/watch?v=oOdGvuzQjbA>>. <<Acessoem 5 de dezembro de 2018>>.MENEZES, Gustavo. Top Show do Gu (Entrevista com Alberto Coimbra).<http://revistacidadesol.blogspot.com/2018/09/entrevista-com-alberto-coimbra-top-show.html>>. <<Acesso em 5 de dezembro de 2018>>.

Lúcio Emílio do Espírito Santo Júnior (doutorando em EstudosLiterários/UNICAMP)1.IntroduçãoResumoEsse texto busca fazer algumas observações críticas a respeito da obraliterária

Impressões de Cinema

, de autoria de Alberto Coimbra. O textoinvestiga os diferentes gêneros literários presentes na obra, assim como aproblematização que o texto faz das questões de gênero e diversidade. Oartigo fez a contextualização histórica do livro, assim como a seguir trata dosgêneros dentro do livro, para logo em seguida associar o texto à intervençãocultural realizada por Alberto Coimbra em Bom Despacho, Minas Gerais.Palavras chave: intervenção cultural, cinema, literatura, prosa, vida, arte

 A VOZ DE UM ENGENHEIRO - Evidentemente, coagido pela força bruta, vencido pelo número,vejo-me forçado a continuar o meu caminho sem chapéu. Mas esse puto (Cristo) me paga!(som de castanholas. Tumulto).VOZES - Viva la gracia! Outro toro! Mi cago en dios! Viva o senhor do Sábado! Tira o chapéu,Flávio! Péo, péo! Fora! Não tira! Deus da burguesia! Fora! Põe o chapéu! Desacata esse

veado! Fora! Fora!”

 

Trecho da peça

O Homem e o Cavalo

, de Oswald de Andrade.O livro

Impressões de Cinema

 é um retrato de Alberto Coimbra e suacabeça. Ele pensa cinema. E protagonizou intervenções culturais que játransformaram o cotidiano das pessoas de Bom Despacho. E que entrarampara o folclore: colocou máscara de Piu Piu e ergueu-se durante a eucaristia.Para Alberto Coimbra, a intervenção com a máscara de Piu Piu aconteceuporque Jesus, para ele, é um homem.

 

 

 

2

Outra intervenção cultural aconteceu quando ele vestia saia, blusa doCruzeiro, chapéu e levando uma mala, dizendo que ia pegar a (inexistente)ferrovia para Martinho Campos. Alberto e seu livro fazem pensar em José Agrippino de Paula: temos queviver as coisas que Oswald de Andrade escreveu. Alberto vive a contraculturados anos 60 e o modernismo de 22.O livro mistura crônicas autobiográficas em que ele insere BomDespacho no mundo do cinema com poemas sempre inspirados por umdeterminado filme. Em sua imagética somos levados a uma Bom Despachoque não existe mais, a Bom Despacho em que a biblioteca pública era ao ladodo cinema e o cinema apresentava produções que tinham interesse tanto paraos intelectuais quanto apelo para a imprensa e as massas. Alberto éprofundamente marcado pela história e memória de Bom Despacho, numaverdadeira geografia sentimental: cinema, biblioteca e a Mata do Batalhão.Escrevendo de forma bela sobre sua infância em Bom Despacho nos anos1980, ele coloca a cidade dentro do cinema. Escrever sobre cinema de certoforma é estar no cinema, é de certa forma fazer cinema. Alberto também é umpensador sofisticado.1. Contexto Histórico de

Impressões de Cinema

  Alberto nasceu nos anos 60, sua juventude foi nos anos 80. Foi da geraçãoX, a que fez a difícil transição entre a geração 68 e a geração do novo milênio,assim como viveu a mudança da ditadura militar para a democracia emmeados dos anos 1980. Alberto, filho de militar e músico, neto do maestro José Milagre Coimbra,seu avô. Ele identifica-se com o feminino e com a esquerda. Primeiro, ele teveuma infância feliz, brincando na Mata do Batalhão atrás de sua casa e depoisbrincou no pasto de uma fazenda de gado no bairro Esplanada onde foi morar.Paralelamente à chamada globalização e ao neoliberalismo, Albertodesfrutou do avanço dos costumes. Caminhando contra o vento, prosseguiu

 

 

 

3

imbuído de luminosas utopias, num tempo em que elas estavam se desfazendocom a utopia

hippie

 e a utopia comunista tornando-se ultrapassadas. Alberto sempre observa a realidade e pensa em melhorá-la. Na UFMG leu olivro,

1968, Ano que Não Terminou

, do jornalista Zuenir Ventura. Leu sobrereligião na visão de Rubem Alves. Assistiu várias palestras de Rose MarieMuraro e Rubem Alves. Após estudar na UFMG, estudou a pós-modernidadequando o pensador Francis Fukuyama falou do fim da História. E aprendeu emSemiótica que todos os filmes foram feitos e hoje eles passam na Sessão daTarde. O jornalista Emerson Penha que foi seu colega no curso de Jornalismona UFMG fala de questões ambientais e políticas. Assim sendo, tendo atribuído esse olhar ao seu curso de Jornalismo naUFMG nos anos 90. Alberto passou os anos 90 esboçando

Impressões deCinema

 e um embrião do livro nasceu durante seu curso de jornalismo, quandoele freqüentava o

Savassi Cineclube

 no início dos anos 90 em Belo Horizonte. Alberto Coimbra defende Lula, comparando-o a Juscelino Kubitschek,assim como faz o elogio de Brasília e de Oscar Niemeyer e Lúcio Costa.Coimbra relembra a interessante reportagem que deslinda a música

Ponta de Areia

, pois existe uma realidade por trás dessa música: o jornalista EmersonPenha investigou a ferrovia que existia entre

 Araçuaí

 e

Ponta de Areia

 naBahia. Atualmente, Emerson Penha está fazendo um filme sobre isso.

Impressões de Cinema

 fala sobre questões ambientes, questões humanas emesmo sobre o empreendedorismo: o sucesso profissional de uma pessoadepende muito mais da organização do que de inteligência.Felipe Cunha, funcionário da secretaria de cultura local, disse que Alberto foi importante para Bom Despacho como Copérnico foi para ahumanidade. Depois de sua intervenção cultural construíram

 parklets

 nos baresde Bom Despacho. Alberto disse a Padre Antônio que entrar na igreja de vestido e salto altopara dizer às pessoas que características masculinas e femininas são próximasde ser um artista

Pop

 e assim dedicou sua vida aos outros.

 

 

 

4

E também quis mostrar que características masculinas e femininas estãomais próximas do que a gente pensa. E que seu gesto foi um gesto de amor aopovo de Bom Despacho. O Padre Antônio concordou. Alberto também disse aoPadre Pedro que foi funcionário público e dedicou sua vida aos outros. Nãorealizou, então, seu sonho de ser um artista

 pop

e assim dedicou sua vida aosoutros

. O Padre Pedro respondeu: “você é Jesus, Alberto. Agora é a vez deMaria.”

  Alberto Coimbra comenta que em Bom Despacho a maioria dos padreso respeitaram e o acolheram. A vida do pobre é difícil, é preciso rezar menos eviver independente de Deus, como na religiosidade grega, que era não-coercitiva, não existindo a figura do sacerdote como surgiu posteriomente. Alberto Coimbra possui um senso agudo de história. Para ele, o

ottocento

trouxe os elevadores, bicicletas, luz e telefone. O século XIX lia peloprazer da leitura e os jornais traziam textos literários. Seu texto teoriza sobre aascensão da burguesia capitalista e as conseqüências de uma nova civilizaçãoconstruída sobre a ciência e a tecnologia, assim como hoje houve odesenvolvimento digital.O governo Lula trouxe a ascensão das classes D e E, uma novacivilização parece, então, começar no século XXI, produzindo um novocomportamento e novas tecnologias, com a diferença que no início do séculoXXI há um fortalecimento das idéias de igualdade, liberdade e fraternidade. Adependência da Igreja começa a cair. A declaração dos direitos do homemcompletou 70 anos.Nesse contexto, Brigitte Bardot agora protege animais, assim como omeio ambiente. A ONG criada por Michael Jackson cuida das crianças e jovensno mundo inteiro. Mick Jagger teve filho com uma brasileira. Madonna tentouadotar uma criança africana afirmando que quando ela crescesse ajudaria seupaís na África. O dinheiro nos últimos 30 anos mudou de mãos. Grandesartistas têm renda financeira.

Impressões de Cinema

 é influenciado ao mesmo tempo pela mitologiagrega de Eros e Psiquê e pelo decadentismo do século XIX e século XXI é.

 

 

 

5

Hoje vivemos a prosperidade de uma era tecnológica nunca vista antes. Outrasde suas influências: Émile Zoula, Gustave Flaubert,

Germinal

, Naná,

MadameBovary,

 

Bouvard e Pecouchet

. O documentári

o Imagine

 sobre a vida de JohnLennon também foi muito influente, bem como o modernismo de 22 e acontracultura de 1968. Ele diz do documentário

Imagine

sobre John Lennon notexto

O Artista

.

Impressões de Cinema

 é um livro que deseja ser a obra de arte total,integrando cinema, poesia, Filosofia, música e dança. Em

 Você é Lindo

 existea música, em

Seu Nome é Rita Hayworth

, cinema, música e dança.2.Gênero e Diversidade em

Impressões de Cinema

 

Impressões de Cinema

 é um livro que mistura gêneros em muitossentidos: tanto os gêneros ligados à sexualidade quanto os gêneros literários: é

autobiografia, prosa poética, ensaio sobre cinema, e, como diz o autor, “um

diálogo do autor com sua homossexualidade que foi reprimida na juventude.Existe uma homossexualidade que aflorou depois de anos de repressão.O livro

Impressões de Cinema

 também contêm códigos sexuais. O autordescobriu-se travesti após uma longa trajetória de vida enquanto bibliotecário e jornalista. Seu campo de interesse volta-se para o jogo com os signos sexuais,indo além do que a sociedade define que é homem e mulher, como ele mesmoescreve em uma passagem de

Impressões de Cinema

: “Pichita pega o jovem

guapo e o veste de donzela e ela de belo tenente

” (COIMBRA, 2017, p. 60).

  Alberto pensa cinema, tem muito boa memória cinematográfica. Associae aprecia o modernismo de 22 e a contracultura dos anos 60. Ele diz sobre ofilme

O Artista

: “Eu vou me alimentando de você. De nossos olhares. De nosso

carinho. De mãos dadas no parque. Lucy no céu com diamantes. E beijos e

beijos e beijos...” (COIMBRA, 2017, P. 48).

  A memória cinematográfica faz com que ele veja a própria vida enquantoum filme e vice-

versa, que aplique na vida o que vê nos filmes: “quando

 

 

 

6

escol

hemos um amor, não temos certeza do final” (COIMBRA, 2017, P. 50).

 Alberto utilizou-se bastante do processo do

flashback

, voltando às suas

memórias de infância e adolescência: “roubávamos mexericas e íamos para a

casa chupá-las, falar das meninas e soltar

o periscópio” (COIMBRA, 2017, p.

51). A chave para a compreensão de

Impressões de Cinema

 está naredescoberta da identidade de Alberto Coimbra. Num dos textos, fala do Aterrodo Flamengo, mas quer tratar de como sua identidade homossexual ficousoterrada. A questão da sublimação da homossexualidade do autor está nopoema

Seu Nome, Rita Hayworth

.

 A partir daí, eu só tinha olhos para o bailado de Rita Hayworth a me seduzir!/Rita,Gilda, Carmen, Salomé ou a musa grega Terpsícore, da dança e da música. ComoRita fico conhecida, a atriz dançava ou melhor, saracoteava sorrindo! (...) E o meudesejo adolescente frente a um espelho real não se conteve e o estilhaçou. Realidadeou não, Rita Hayworth não morreu, adormeceu no meu coração e aqui mora

 (COIMBRA, 2017, P. 66).Tanto esse texto acima quanto a crônica

Uma Sessão de Cinema noCine Roxy

 é uma homenagem à atriz e bailarina Rita Hayworth. Jair Coimbracolocou a coluna de Nina Chaves em 1981, sobre a cama, a crônica contandoque Rita estava com 64 anos e com mal de Alzheimer em Beverly Hills. Sevocê quer ser uma mulher, que seja uma interessante e elegante como RitaHayworth. Isso está no texto acima,

Seu Nome é Rita Hayworth

. Está tambémo Cine Regina e a cidade de Bom Despacho. Igualmente, pode-se dizer que opoema

Seu Nome é Rita Hayworth

 também aborda também o momento emque fez terapia com Marco Aurelio Baggio. Essa terapia o fez implodir suahomossexualidade. Ele queria ser uma mulher como Rita Hayworth. Albertoexplicou em uma entrevista:

No primeiro ano de Grupo meu pai, no final do ano, me falou para enviar um cartão deNatal para minha professora Vera Couto. Enviei. Em 1988 quando eu fazia terapiacom o psicanalista Marco Aurélio Baggio descobri que a Pantera Gil do seriado AsPanteras, que a Fanch Fawcett-Majors era a Dona Vera. É porque quando eu tinha

 

 

 

7

onze anos eu via a Fanch Fawcett-Majors no seriado eu fiquei fã dela. Fui a banca derevista e pedi uma revista Cinerium como pôster de atriz. Na sessão de psicanálisecom Marco Aurelio ele me dises que meu pai me fez o pedido me mostrando que aVera Couto era uma mulher que vale a pena. Eu queria era ser uma mulher como aFarrah. E gritei. Em 1980 era o footing. As pessoas ficavam andando na Praça aoredor da Igreja Matriz Nossa Senhora do Bom Despacho

 (COIMBRA, 2018). Alberto faz, em

Impressões de Cinema

, uma micro-história, uma históriadas mentalidades. A Mata do Batalhão é patrimônio. Toda uma épocadesapareceu, era um

footing

, as pessoas ficavam andando. Nos anos 90,existia a noite dos bilhetinhos, agora tudo é pelo

zap

 e pelo

facebook,

 não hámais paquera como antes.Um grande triunfo de Alberto foi ter feito análise durante dez anos.Resolveu seu trauma com seu pai e tornou-se seu amigo. Viveu sua lendapessoal, para ele, todo mundo tem que desenvolver o seu dom e fazer o quegosta. A psicanálise torna-nos melhores amigos.O livro traz textos que ele escreveu ao longo da vida, tendo o cinemacomo mediador. No poema

Leolo

, inspirado no filme de mesmo nome, Albertodescreve a confusão de lidar com a homossexualidade na adolescência, o queo deixou inseguro. Bianca representou seu tesão hetero que virou uma ruínaromana. Semelhante a cena final do filme Satiricon de Federico Fellini, só queno caso de Alberto a ruína romana é seu desejo por mulher

: “O meu desejo emsilêncio! A Itália! (...). Grito seu nome entre ruínas romanas! Minha solidão...”

(COIMBRA, 2017, p. 44). Alberto entrou no corredor central da Igreja Matriz de Bom Despachodurante a missa, usando roupa feminina. No entanto, ele fez isso com aintenção de mostrar às pessoas que a vida não é só rezar e a diferença entremasculino e feminino é menor do que a gente pensa. Alberto estudou a vida deJesus na UFMG e ele viu que aconteceram fatos e pessoas da época pegaramesses fatos e atitudes e criaram o personagem de Jesus na Bíblia. Jesusvoltou, é um travesti e trabalha para o mundo da moda.

 

 

 

8

Durante o filme

Cléopatra

, de Elizabeth Taylor, viu a imagem deCleópatra deitada na cama e a cobrinha andando no chão. Alberto ficou paradona porta e ficou pensando em sua homossexualidade. Era um indício. Alberto vivenciou sua homossexualidade nos anos 90, pois queria ter umrelacionamento sério com um homem, mas depois recalcou-a, vivendo comuma companheira, mas voltou a ser

gay

 depois da morte de sua ex-mulher,desistindo então das mulheres. Alberto conta que, nos anos 90, os homens nãoo desejavam para namorar e relacionar a sério. Ficou triste e decepcionado e,para se reorganizar, leu os livros

Filosofando

 e

 Iniciação à Filosofia

 de MarilenaChauí.3. Alberto e suas Intervenções Culturais no Cotidiano da CidadeOs filmes que passavam na Sessão da Tarde nos anos 1980, anos da juventude de Alberto eram filmes dos anos 1930, 1940, 1950 e 1960.O cinema serve de lente através da qual ele vê a própria vida. Elerelembra a atitude do modernista que, nos anos 50, saiu vestindo saias,causando choque na cidade de São Paulo. A atitude de Alberto Coimbrarelembra essa atitude, buscando fazer uma intervenção no cotidiano da cidadee buscando mostrar que a vida é mais do que o labor diário pela sobrevivência.Ele tem uma filosofia de vida própria, uma filosofia aplicada.Para Alberto Coimbra, quando Gustave Flaubert construiu

MadameBovary

, ele recorreu ao seu lado mulher, à sua bissexualidade interna. Outrosautores que inspiram

Impressões de Cinema

 são: Nietzsche, Sartre, Foucault,Simone, Albert Camus, Umberto Eco, os filósofos gregos, Tchecov,Dostoiévsky, Tolstói, Kafka. O professor Tadeu Teixeira Araújo leu o livro de Alberto e disse para o autor: Anna Karenina.Outros que o influenciaram foram: Homero, Gilberto Freyre, SérgioBuarque de Holanda, Chico, Caetano, Fernando Brant e Milton; além deEngenheiros do Havaí, Titãs, Barão, Renato Russo, Cazuza. A linguagem de

 

 

 

9

 Alberto é jornalística como a de Ernest Hemingway. As influências de literaturabrasileira são: Machado de Assis, Clarice Lispector, Rubem Braga, João doRio, Jorge Amado, Mário de Andrade e Oswald de Andrade. Outras obras queinfluenciam são:

o Romanceiro da Inconfidência

. Outras obras revolucionáriassão tais como

Grande Sertão Veredas

.Os artistas homens recorrem a esse lado feminino para construirpersonagens femininos, mais do que somente a uma observação externa.

 Alberto deseja que suas “performances” sejam

intervenções no cotidiano dacidade. Ele já realizou experiências tais como as de Flávio de Carvalho, andoupelas ruas de Bom Despacho de roupa feminina e se comportando muitoeducadamente. Não é atualmente assim. Entrou de salto alto e leque na torcidado Atlético. Foi aceito e tentou entrar de salto na torcida do Cruzeiro, tendo sidoreprimido lá. Flávio de Carvalho, ao sair de minissaia, experimentou algosemelhante:

Situação parecida se deu em outubro de 1956, porém desta vez a experiência forapremeditada e resultara de suas reflexões em torno do que definiu com Dialética daModa. Flávio de Carvalho caminhou de saia pelo centro de São Paulo: era aExperiência n º 3. Para ele, a roupa era o fator que mais influenciava o homem"porque é aquilo que está mais perto do seu corpo e o seu corpo continua sempresendo a parte do mundo que mais interessa ao homem". Denominou o curiosomodelito que trajava de "new look" para "o novo homem dos trópicos". O "new look"era composto por saia cor-de-rosa prissada -acima dos joelhos antes de Mary Quant,camisa verde e... meia arrastão e sandália de couro cru. Portanto, a despeito de seupensamento sobre a condição da moda, está explícita a intenção performática dechamar atenção ao corpo na ação (MACHADO, 2018).

 Alberto entrou na Igreja com uma cabeça de veado. O dia em que opadre Douglas tornou-se padre, Alberto entrou com a cabeça de um veado(estátua) e um chapéu de bruxa, no dia em que estava presente o bispo deBom Despacho. O dia 25 de dezembro na Idade Média era o dia do grandeveado e a Igreja Católica escolheu o dia para ser o nascimento de Jesus.Ele identifica-se com a frase de Pessoa: se você não pode escreverpoemas como Baudelaire, pode ao menos pintar os cabelos de verde. Asperformances de Alberto são como pintar os cabelos de verde, mas com uma

 

 

 

10

aspiração de ir um passo além de um Flávio Carvalho. As experiências nãoseriam extraordinárias, o extraordinário tornou-se cotidiano. A frase, paraPessoa, está num contexto em que o poeta faz uma dura crítica aos diluidores:

 A grande multidão de fascinados inferiores, incapazes de criar (...), falhos de inibição ede senso crítico, na impossibilidade de, (com razoável êxito (salvo um declarado [?]delírio de grandezas) imitar os poemas de Musset ou os de Verlaine, podem contudo,com maior aproximação, plagiar ao primeiro o copo [?] gigantesco com que seembriagava quotidianamente, e ao segundo a sua incurável vagabundagem eamoralidade de degenerado típico. Quem não pode fazer versos como Baudelairepode, porém, tingir os cabelos de verde. A prática da pederastia, embora nem sempre

fácil [...], é contudo mais fácil que a produção de uma segunda “Salomé”

(PESSOA,2018).

 

 Alberto assume a intervenção cultural não como algo inferior, mas comofusão da arte e da vida, além de uma atitude apologética, de pioneiro, dealguém que, ao intervir no espaço público, atrai para si ouvidos que queremouvir as verdades que têm a dizer. No final do livro, no texto

 Neblina SobreTeresópolis

, ele utiliza a metáfora do desastre ocorrido na cidade comometáfora para a morte de sua heterossexualidade e o renascimento de suahomossexualidade. Alberto viu isso como perda de vidas e perda de vida paraele mesmo, por ter vivido anos reprimido. O poema

Neblina Sobre Teresopolis

,além de referir-

se à frase “Diadorim é minha neblina”, uma bela passagem em

Grande Sertão, Veredas

:

 Abracei Diadorim, como as asas de todos os pássaros. Diadorim é minha neblina. Sóse pode viver perto de outro, e conhecer outra pessoa, sem perigo de ódio, se a gentetem amor. Qualquer amor já é um pouquinho de saúde, um descanso na loucura. Oamor é a gente querendo achar o que é da gente (ROSA, 2018).

 Atualmente, ele diz que é importante ser mutante na sociedade, fugir da

“normose”.

 Desde que era aluno de Jornalismo, é um mutante que foge danormose. Normose é um termo criado pelo Dr. Hermógenes no seu livro que Alberto leu nos anos 1980. Mutante é o termo criado por Roberto Crema,diretor da Universidade Holística de Brasília. Ser mutante para Alberto é ter um

 

 

 

11

pensamento e comportamento libertário inserido no meio da sociedade. Opoema

Neblina Sobre Teresópolis

 é o encontro de um rapaz com um homemmais velho que é referência para ele:

Era o ano de 1984. Deixa-me contar direito, tenho 17 anos, um senhor se aproxima demim sorrindo e se apresenta: --Meu nome é Edgar. Um homem de seus 36 anos. Alto,olhos bonitos.

 

Ei, meu jovem! Posso ajudá-lo, Sr?

 

Respondo.

 

É a primeira vez quevejo o mar, sou de Minas.

 

Eu também sou, Responde Edga

r

 (COIMBRA, 2017, p.138).Ele quer mudar comportamentos e mentalidades e uma das vias queescolheu é a literatura. Uma outra são as intervenções culturais no cotidiano deuma cidade do interior que Alberto protagoniza. São intervenções que remetemBaudelaire e que estão intimamente ligadas à sua produção literária:

 A primeira vez que visitou o escritor Maxime Du Camp, Baudelaire foi apresentado aele com os cabelos pintados de verde. Como o malicioso Du Camp não queria nada

observar, Baudelaire gritou: “você não vê nada de anormal em mim?” E seuinterlocutor impassível respondeu: “Todo o mundo tem os cabelos mais ou menos

verdes; se os seus fossem azuis da cor do céu, isso poderia me surpreender: mascabelos verdes, há muitos chapéus em Paris. A anedota, contada por Du Camp elemesmo, é divertida. O leitor divertido pelas provocações baudelairianas descobriuoutros dentro da soma biográfica consagrada ao poeta por Marie-Christine Natta. Aespecialista em dandismo traça o retrato de um escritor insaciável, adepto da artearistocrática de desagradar

(HAYAT, 2018). Alberto Coimbra faz, em Bom Despacho, o papel de uma ativista dacontracultura. Para Alberto, é importante mudar sua mente, mudando seucorpo. Ele acredita que é preciso rezar menos. Para ele, inspirado na Grécia Antiga, os mistérios da vida são mistérios gozosos.Inspirado em

 As Bruxas de Salem

, filme de Wynona Ryder, Albertoentrou na Igreja matriz de Bom Despacho com uma cabeça de veado. O dia emque o padre Douglas tornou-se padre, Alberto entrou com a cabeça de umveado como se fosse uma estátua e um chapéu de bruxa. Nesse dia estavapresente o bispo local. Alberto remete a Flávio de Carvalho, mas dá um passo

 

 

 

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adiante: insere suas experiências no cotidiano, não as considera excepcionaise sim banais, rotineiras. Para Alberto Coimbra, devemos ser mais eróticos enão ficar rezando, pois a vida do pobre é difícil. Deveríamos ser mais eróticos,começar uma fala mais erótica junto às pessoas. Alberto Coimbra relembra as bruxas para poder lembrar que asexualidade é natural e os eleitores de Bolsonaro julgam o corpo algo sujo. Alberto, em suas performances, mistura-se na multidão, ao mesmo tempo estánela como uma personalidade, como, ao mesmo tempo, ator e espectador. Alberto está à vontade no espaço público. Ele se inspira em

Bruxas de Salém

,

  A Garota da Capa Vermelha

 e

 Caça às Bruxas

. Alberto Coimbra, com seu livroé tão revolucionário quanto

Grande Sertão Veredas

 por ocasião de seulançamento em 1956.Ele também já se travestiu de mulher e foi ao estádio Mineirão em jogosdo Clube Atlético Mineiro (em que foi bem recebido) e do Cruzeiro (onde houveagressão). No jogo do Atlético, usou a camisa com o rosto de Brigitte Bardot.Para Alberto, bem como para Baudelaire, só com o mergulho namultidão é que o poeta pode tornar-se moderno. Assim o poeta mergulha,embriagado, no outro e experimenta a comunhão universal. Alberto Coimbra pretende, com seu livro

Impressões de Cinema

, ser tãorevolucionário quanto

Grande Sertão Veredas

 foi em seu tempo, ao levantar,pioneiramente, a questão do gênero e diversidade ao tratar do amor deRiobaldo por Diadorim. A linguagem jornalística de Alberto Coimbra pode serassociada a Ernest Hemingway. Antes de viver em Paris, Pamplona, Cayo Hueso e Havana, Hemingwaynasceu e viveu até os seis anos em uma casa de três andares e estilo vitorianono bairro de Oak Park, na periferia de Chicago, que o escritor costumava definir

como “um lugar de jardins largos e mentes estreitas”. No bairro se encontra um

pequeno museu dedicado à sua memória, na mesma rua arborizada onde estásua casa natal.

 

 

 

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No interior do museu está exposta uma caricatura desenhada para a

Vanity Fair

, em 1933, em que Hemingway aparece vestido com uma tanga e jogando tônico capilar nos peitorais. Em outro mostruário está uma foto doescritor quando bebê. Aparece vestido de menina, algo comum no começo doséculo XX, quando os bebês eram vestidos dessa forma durante seu primeiroano de vida. Mas sua mãe, uma pintora e cantora de ópera chamada Grace,decidiu prolongá-lo por muitos anos mais. De fato, criou Hemingway e sua irmãMarcelline, 18 meses mais velha, como se fossem gêmeos, e os vestiuindistintamente como se ambos fossem meninos ou meninas, segundo seuhumor.Para Hemingway, esse capítulo seria um grande trauma que terminariaprovocando uma ansiedade que desembocou em sua exagerada virilidade, deacordo com a biografia que Kenneth S. Lynn publicou em 1987, que permitiualterar sua imagem pública e também abrir sua obra a novas interpretações.Quando são relidos romances e contos de Hemingway, ganhador do Nobel deLiteratura em 1954, sobressaem menos os super-heróis e mais os homensinseguros. Como o protagonista de

 A Curta Vida Feliz de Francis Macomber

,envergonhado por sair correndo quando tentava atirar em um leão em umsafári, muitos deles tentam alcançar um ideal de masculinidade impossível.Outro de seus biógrafos, Paul Hendrickson, autor de

Hemingway´s Boat

,sobre o apego do escritor por um barco batizado como Pilar, não acredita queessa hombridade superlativa e quase paródica possa ser vista como uma

atuação ao público. “A hipermasculinidade foi uma parte do que ele era. Foi

real e autêntica. Talvez fosse uma máscara conveniente ao seu ego, mas nãoera fr

audulenta”, afirma o professor da Universidade da Pensilvânia e antigo

 jornalista do

The Washington Post

. “Acho que foi homossexual, mas com

muitos sentimentos contraditórios em relação ao seu gênero. Nunca encontreia menor prova que sugerisse que se sent

ia atraído por outros homens”.

 Hendrickson também descreve sua difícil relação com seu filho maisnovo, Gregory, que praticou o transformismo por toda sua vida e acaboumudando de sexo aos 63 anos. Morreu com o nome de Gloria em uma prisão

 

 

 

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para mulheres na Flórida, na qual acabou por praticar exibicionismo em viapública. Uma vez, quando era pequeno, Hemingway o surpreendeu provandoas meias-

calças de sua mãe. Mais tarde lhe diria: “Você e eu viemos de umatribo estranha”. Para Hendrickson, Gregory/Gloria r

ealizou o que seu pai só

admitia em seu foro interior e em algum texto clandestino. “Por isso existia umarelação de amor e ódio entre eles”, afirma. Dearborn diz que essa foi a cela deonde nunca conseguiria escapar: “Em um mundo melhor, Hemingway teria

f

urado as orelhas”.

 

Impressões de Cinema

 é um livro que mistura gêneros em muitossentidos: tanto os gêneros ligados à sexualidade quanto os gêneros literários: é

autobiografia, prosa poética, ensaio sobre cinema, e, como diz o autor, “um

diálogo do autor com sua homossexualidade que foi reprimida na juventude.

Existe uma homossexualidade que aflorou depois de anos de repressão.” O

livro

Impressões de Cinema

 também contêm códigos sexuais.4. Conclusão Alberto confessa que fez a intervenção cultural na cidade de BomDespacho por ser jornalista e porque ouviu bom-despachenses reclamando dopapo ruim da cidade pequena que provocou fobias e depressão em pessoas. Etambém porque as cidades grandes brasileiras estão esgotadas. É preciso umaintervenção cultural e econômica para que cidades pequenas sejam atrativaspara viver. Alberto homenageia a cidade do Rio de Janeiro como um

flaneur

passeando pelo seu centro histórico descrevendo lindamente locais, ruas e suaarquitetura.

Impressões de Cinema

 foi um livro pensado como obra de arte total,fundindo música, cinema, poesia, prosa poética e dança. Trata-se de um livroque funde vários gêneros textuais e pensa gênero e diversidade, pois o livrotrata da retomada da homossexualidade de Alberto Coimbra após um períodoem que ele viveu com uma mulher.

 

 

 

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O livro não pode ser entendido sem um mergulho na vida e nasintervenções culturais de Alberto Coimbra, grande artista, escritor e ativista dacontracultura em Bom Despacho. Na prosa albertiniana, obra e arte estãofundidas. Coimbra dá um passo adiante de Flávio de Carvalho, o famoso

 performer

 que saiu de minissaia em São Paulo em 1956. Alberto assume aposição do

flaneur

no Rio de Janeiro, assim como vai mais além dos cabelosverdes de Baudelaire, atitude que também o inspira em sua fusão arte/vida. Eleincorpora em sua prosa a contracultura e o Modernismo de 22, assim como ocinema mundial e outras artes.5.Referências Bibliográficas:HAYAT, Jeanine.

Le Cheveux deBaudelaire

<<https://www.huffingtonpost.fr/jeannine-hayat/les-cheveux-verts-de-baudelaire_a_23220350/

>> 

COIMBRA, Alberto.

Impressões de Cinema

. Divinópolis: Adelante, 2017.Experiência Número 2 de Flávio de Carvalho.<https://www.youtube.com/watch?v=_g4S0Lc30VEMACHADO, Vanessa. As Experiências.<<http://www.mac.usp.br/mac/templates/projetos/seculoxx/modulo2/modernidade/eixo/cam/artistas/carvalho3.html

>>.

<<Acesso em 5 de dezembro de 2018>>.

 

 

 

 

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VICENTE, Alex. Um Supermacho em Dúvida. A Face Oculta de Hemingwayhttps://brasil.elpais.com/brasil/2017/10/21/cultura/1508590742_519728.html. <<Acesso em 26 de julho de 2018>>.PESSOA, Fernando.

 A Imoralidade das Biografias.

 <<http://arquivopessoa.net/textos/3748>>. <<Acesso em 5 de dezembro de2018>>.6. Videografia:COIMBRA, Alberto.

Impressões de Cinema

.<<https://www.youtube.com/watch?v=BkfpBMGr7KY&t=360s>>. <<Acesso em5 de dezembro de 2018>>.FRECHETTE, Alex. Experiência Número 2 de Flávio de Carvalho.<<https://www.youtube.com/watch?v=_g4S0Lc30VE>>. <<Acesso em 5 dedezembro de 2018>>.PROGRESSO, Pedro. Maria Betânia: Grande Sertão Veredas.Diadorim.<<https://www.youtube.com/watch?v=oOdGvuzQjbA>>. <<Acessoem 5 de dezembro de 2018>>.MENEZES, Gustavo. Top Show do Gu (Entrevista com Alberto Coimbra).<http://revistacidadesol.blogspot.com/2018/09/entrevista-com-alberto-coimbra-top-show.html>>. <<Acesso em 5 de dezembro de 2018>>.