Um observatório da imprensa para a cidade de Bom Despacho e os arquivos do blog Penetrália
segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011
Blognovela revista cidade sol: Reconstrução Revolucionária
Local: castelo latino-americano de El Senor
Companhia: Milkshakespeare
Apoio: cadeia de lanchonetes Hamletdonald´s
Personagens
Horácio: ator burguês devoto do mercado e amigo do falecido rei Fernando II
Marcelo: ator fanfarrão de classe média que diverge de Horácio e apóia Eisenhower da Silva.
Asryka Yourself e Eisenhower da Silva, um casal burguês dono do teatro El Senor e da franquia de lanchonetes Hamletdonald´s.
Francinny, uma gentil mulher e diretora da peça Milkshakespeare
Fantasma do rei Luís Hamlet
Fernando e Sorocaba: atores que estão encenando a peça Milkshakespeare
Petrossaubrás, príncipe da Noruega e dono da empresa Atlantis, associado a Eisenhower da Silva e Asryka Yourself.
Dois embaixadores ingleses indignados com o wikileaks
Dois coveiros sem terra
Um capitão do exército
Cozinheira
(Cenário cafona na companhia Milkshakespeare. O teatro está visivelmente decadente e sujo. Horácio está encenando uma passagem de Hamlet. Na platéia quase vazia, visivelmente estão só uns gatos pingados. Francinny, Einsenhower da Silva e Asryka Yourself estão na plateia).
Horácio: Acabo de escutar o galo cantar...(Ouve-se um celular na platéia. Horácio volta-se para a platéia, enfurecido. A peça para. Acendem-se as luzes na platéia). Ele berra: PUTA QUE PARIU!
Marcelo (saindo da coxia indignado): Nunca antes nesse teatro extraordinário...
Francinny, diretora da peça Milkshakespeare (dirige-se ao palco a partir da plateia): CALMA, CALMA, vamos voltar ao trabalho! Apaguem essas luzes! Ei, vocês! Vamos ter mais educação? Desliguem seus celulares. Ao trabalho, Horácio!
Fernando (ator da peça Milkshakespeare, encara a diretora com ar desafiador): Todo dia seu teatro é exatamente igual.
Sorocaba: Sua psicologia tá um tanto quanto errada.
Francinny (irritadíssima): Enquanto atores, vocês são excelentes cantores sertanejos! Agora voltem ao trabalho e...
Cozinheira (entrando no palco esbaforida): Senhora! Senhora! Parte do elenco fugiu!
Francinny: O quê?
Cozinheira: Estamos só nós, coveiros, cozinheiras...Vamos ter que tomar conta do teatro.
Francinny: Ora, ora. Tomar conta, por que?
(Entram os dois coveiros sem terra. Um deles encara Francinny com seriedade): A crise nos atingiu, senhores! A cadeia Hamletdonald´s retirou seu apoio. O teatro faliu! Hamlet, Ofélia, Laerte, todos fugiram para Londres com o dinheiro da bilheteria, por medo de não serem pagos! Nossa única solução é gerir o teatro nós mesmos!
(Todos falam ao mesmo tempo, entrando em polvorosa. Fim da primeira cena da blognovela).
Quadro: Um Réquiem para o Imperialismo, de Magaiver. Fonte: coletivo cultural rosa da povo. http://coletivorosadopovo.blogspot.com/2010/11/tela-um-requiem-para-o-imperialismo-de.html#comments
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sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011
Novos Microcontos
Sexo
Fiz com uma freira. Bom? Divino!
Flash
Minicoito.Vai ser bom. Não foi?
Sadomasoquismo
Masoch: me bate! Sade: não bato!
Fiz com uma freira. Bom? Divino!
Flash
Minicoito.Vai ser bom. Não foi?
Sadomasoquismo
Masoch: me bate! Sade: não bato!
sexta-feira, 28 de janeiro de 2011
A Vida Alheia: e se Adorno tivesse um celular?
Essa postagem busca apenas pontuar algumas questões para os brasileiros que
estudam Adorno e a teoria crítica. Siderados pela crítica de Adorno a
Stravinski e ao jazz, trocando confidências em alemão, deslumbrados com
Schoenberg, eles não têm criticado as novas tecnologias representadas pelos
celulares e a internet e os produtos da indústria cultural tais como as
telenovelas. A recepção de Adorno tem deixado de lado contribuições de
teóricos e pesquisadores tais como José Ramos Tinhorão, Gilberto
Vasconcellos e Glauber Rocha. E, sem isso, o estudo da indústria cultural tem
sido mero jogo aristocrático de elite, restrito às universidades.
O celular ou telefone móvel generaliza-se na era do capital também móvel
pelo mundo e na voga da razão comunicativa. Embora favoreça a razão
comunicativa, o celular provoca um retrocesso nas boas maneiras, assim como
favorece o uso invasivo ou irracional do telefone. Por fim, com a proliferação dos
celulares, o diálogo fica praticamente impossível. O diálogo é interrompido
pela chamada insistente dessas pequenas sereias do inferno.
Embora a terceira geração do Instituto de Pesquisa Social em Frankfurt, hoje
em dia, escute Bob Dylan após o corte com a razão negativa realizada por
Habermas, mesmo Dylan é insuportável uma vez transformado em música de fundo
para um celular. E, se antigamente utilizava-se músicas para fundo no
celular, cada vez mais o celular é que determina os rumos da canção popular,
com as canções de massa reiterando sem cessar: “beijo, me liga”, “amor, por
favor, não desligue o telefone”. Não se vende mais um telefone, mas sim a
luxuriante troca de mensagens que se pode fazer através do telefone. No
entanto, essa troca torna a vida dos próximos insuportável, pois se dá
dentro do cinema, no teatro, no trabalho, durante uma palestra, etc. E o
pior é que, nesse mundo idílico do sexo verbalizado, irrompeu há alguns anos
o telelumpen: o trabalhador degradado pelo liberalismo que cai no submundo
do crime e, a partir do presídio, comete crimes através do celular. E os
crimes do telelumpen são justamente a perversão da linguagem do amor
telefônico: o bandido afirma que seu filho foi seqüestrado e logo em seguida
ouve-se a voz de um outro deles que dramatiza, claramente influenciado pelas
telenovelas: “pai, eu te amo”. Se o padrão da Globo é classe média, então a
classe média está sendo vítima, através do celular, de crimes inspirados em
sua própria estética de classe.
O celular opera, então, com o fetiche: compra-se um celular para
possibilitar o sexo oral. As telenovelas operam com um esquema semelhante.
Elas nascem e se apropriam da teorização de esquerda do realismo crítico
enquanto intervenção na realidade, tornando-o realismo reacionário. Assim como
as “pegadinhas” da TV mostram atores encenando e os passantes têm suas
reações à situação, que tomam como real, registradas e exibidas para criar
constrangimento, ao mesmo tempo, as telenovelas recriam a realidade através
de amplos painéis sociais, reduzindo qualquer conflito de classe a um
conflito entre “pobres” e “ricos”.
O principal assunto da novela é o dinheiro, em torno do qual tudo gira. A
solução para a desigualdade social e a luta de classes é casar com um homem
ou mulher rica. Os defeitos de um homem ou de uma mulher são facilmente
compensados pelo acesso à sua conta bancária, na verdade bem mais cobiçada
do que sua cama. Na ética prostituta da telenovela, uma aula de violino é
desculpa para um encontro sexual extraconjugal. Por trás desse tipo de
situação está a disposição estrutural para colocar toda a cultura para
render dinheiro, desprezando tudo aquilo que, nela, não servir para esse
propósito. Quem não puder se prostituir é “múmia”, no entender desse tipo de
programa televisivo. Como diz o grande jornalista Laerte Braga, que deve ser
urgentemente estudado pelos teóricos da indústria cultural brasileira, o
lema das telenovelas e do BBB é “o bordel em sua casa”.
A apresentação realista e naturalista das novelas, assim como todo o esforço
mercadológico em torno delas, convida a tomarmos a representação enquanto
espelho de nossas vidas e mais, a considerarmos aqueles personagens como pessoas do mundo real. A telenovela mobiliza as fantasias das massas, exercendo enorme impacto sobre a vida cultural do País. Aliás, a telenovela praticamente destruiu o cinema e o teatro do Brasil, arrasando, através do mercado, com todas as tradições e linguagens que não a dela. Mesmo as leis de incentivo à cultura do estado subvencionam abertamente produtos com essa estética.
Nos últimos anos, com o surgimento de novas mídias, a telenovela perdeu
parte de seu impacto cultural. O seu lucro é baseado na venda não só dos
produtos nos comerciais, mas na venda de produtos dentro da ficção: vende-se
produtos apresentados durante as cenas quanto nos intervalos comerciais, por
isso a televisão dá tanto lucro. Para isso, nessa ficção cada vez mais os
objetos ganham uma presença mais viva que os atores. Uma vez num
restaurante, ganha enorme destaque o nome do restaurante, suas mesas e
cadeiras e a refeição. Aliás, as telenovelas operam de forma gastronômica:
tanto as refeições são apresentadas de forma bem atraente, intencionando
produzir o desejo de comer, com os atores e atrizes ganhando também uma
apresentação semelhante, com seus corpos apelando para fantasias sexuais e
masturbatórias. O nome de um galã como Gianechinni torna-se, mais do que um
nome, um adjetivo que é sinônimo de “bonito”: “ele não é Gianechinni”.
Como quem trabalha em televisão é glamourizado, nasceu ao redor das televisões
toda uma indústria de revistas repugnantes que se ocupam, sem nenhum
escrúpulo, da vida alheia, mas em especial da vida dos famosos, roubando e
invadindo, de forma altamente predatória, sua vida privada, infernizando
suas vidas com uma punição que responde ao fato de terem dinheiro e fama numa
sociedade como essa. E bem que poderiam adotar o slogan: “a vida alheia é mais
interessante do que a sua”, uma verdadeira apologia criminosa da alienação coletiva.
Os atores que fazem a novela e todos que aparecem na televisão passam a
dispor de um enorme capital simbólico, passam a ser “celebridades”, ou seja,
alguém que dispõe de capital simbólico devido à sua visibilidade.
A telenovela, ao entrar em crise, produziu um subproduto diretamente
articulado ao celular: o show de realidade, Big Brother Brasil. Nele,
telefona-se para eliminar um participante e o programa aufere lucros com isso. O reality show encena o drama de um “campo de concentração”, um drama nacional: nossas prisões são campos de concentração para pobres. O drama de um Auschwitz onde o cárcere possibilita a lazeira do consumismo e onde se tem de falar alto para que sua voz possa ser captada pelos microfones. O microfone manda na voz do participante e a edição da realidade com a estética da telenovela, as ligações de celular e o veneno de Bial modelam seu destino, sua vida e sua
morte dentro do “campo”.
Cada cidadão, despido de culpa coletiva, liga para eliminar um “judeu”, ou melhor, um participante, que então vai para a câmara de gás da realidade. Lá fora, o aguarda a sentinela kafkiana e caucasóide chamada Pedro “Bial”, cujo nome é uma variação alemã de “azul”. É o “kapo” Pedro “Blau” que destila o seu Azul da Prússia verbal.
A grande diversão, após a novela, é reencenar um dos grandes acontecimentos de nossa era, tornado agora um mito exaustivamente explorado pelo cinema norte-americano e muito repetido para poder justificar o martírio do povo palestino: Auschwitz. Aos sobreviventes do BBB e de Auschwitz sempre se faz a mesma pergunta: “o que você aprendeu?” Respeitarei muitíssimo mais o deputado federal do PSOL Jean Wyllys quando ele tiver a coragem de, como uma personagem do filme O Leitor, d responder a essa pergunta assim: “Não aprendi nada, os campos (e o BBB) não eram terapia. Se quiser aprender alguma coisa, não vá aos campos (e não veja o BBB)”. Como reencenação de um grande drama de nossa era, o slogan do BBB poderia ser: "a solução final ao alcance de um toque do seu celular".
Após a decadência das novelas, se seguirá a decadência do formato reality
show e isso se dará com rapidez maior do que se deu com o produto “telenovela”.
Será necessária, no futuro, uma campanha para que a sociedade se
“destelevise”, assim como os estudos de Foucault produziram a luta
antimanicomial: será preciso também uma luta contra a máquina-desejante e alguém vai ter que também abrir um capítulo para a televisão em um novo volume de A História da Loucura. Aliás, os foucauldianos e deleuzianos precisam dizer que a
grande lição do Big Brother é que uma grande empresa de televisão é hoje
também uma das instituições que buscam o controle total, até mais do que
escola, o presídio e o hospício. Faltou a Foucault o insight de que a prisão
onde tudo se podia ver, o panóplio holandês, deu nos campos de concentração
nazistas e, na atualidade, na prisão de consumo do Big Brother Brasil.
[Esse artigo é meu, mas quem quiser ler outras análises adornianas e derridianas, recomendo arquivoscriticos.blogspot.com]
estudam Adorno e a teoria crítica. Siderados pela crítica de Adorno a
Stravinski e ao jazz, trocando confidências em alemão, deslumbrados com
Schoenberg, eles não têm criticado as novas tecnologias representadas pelos
celulares e a internet e os produtos da indústria cultural tais como as
telenovelas. A recepção de Adorno tem deixado de lado contribuições de
teóricos e pesquisadores tais como José Ramos Tinhorão, Gilberto
Vasconcellos e Glauber Rocha. E, sem isso, o estudo da indústria cultural tem
sido mero jogo aristocrático de elite, restrito às universidades.
O celular ou telefone móvel generaliza-se na era do capital também móvel
pelo mundo e na voga da razão comunicativa. Embora favoreça a razão
comunicativa, o celular provoca um retrocesso nas boas maneiras, assim como
favorece o uso invasivo ou irracional do telefone. Por fim, com a proliferação dos
celulares, o diálogo fica praticamente impossível. O diálogo é interrompido
pela chamada insistente dessas pequenas sereias do inferno.
Embora a terceira geração do Instituto de Pesquisa Social em Frankfurt, hoje
em dia, escute Bob Dylan após o corte com a razão negativa realizada por
Habermas, mesmo Dylan é insuportável uma vez transformado em música de fundo
para um celular. E, se antigamente utilizava-se músicas para fundo no
celular, cada vez mais o celular é que determina os rumos da canção popular,
com as canções de massa reiterando sem cessar: “beijo, me liga”, “amor, por
favor, não desligue o telefone”. Não se vende mais um telefone, mas sim a
luxuriante troca de mensagens que se pode fazer através do telefone. No
entanto, essa troca torna a vida dos próximos insuportável, pois se dá
dentro do cinema, no teatro, no trabalho, durante uma palestra, etc. E o
pior é que, nesse mundo idílico do sexo verbalizado, irrompeu há alguns anos
o telelumpen: o trabalhador degradado pelo liberalismo que cai no submundo
do crime e, a partir do presídio, comete crimes através do celular. E os
crimes do telelumpen são justamente a perversão da linguagem do amor
telefônico: o bandido afirma que seu filho foi seqüestrado e logo em seguida
ouve-se a voz de um outro deles que dramatiza, claramente influenciado pelas
telenovelas: “pai, eu te amo”. Se o padrão da Globo é classe média, então a
classe média está sendo vítima, através do celular, de crimes inspirados em
sua própria estética de classe.
O celular opera, então, com o fetiche: compra-se um celular para
possibilitar o sexo oral. As telenovelas operam com um esquema semelhante.
Elas nascem e se apropriam da teorização de esquerda do realismo crítico
enquanto intervenção na realidade, tornando-o realismo reacionário. Assim como
as “pegadinhas” da TV mostram atores encenando e os passantes têm suas
reações à situação, que tomam como real, registradas e exibidas para criar
constrangimento, ao mesmo tempo, as telenovelas recriam a realidade através
de amplos painéis sociais, reduzindo qualquer conflito de classe a um
conflito entre “pobres” e “ricos”.
O principal assunto da novela é o dinheiro, em torno do qual tudo gira. A
solução para a desigualdade social e a luta de classes é casar com um homem
ou mulher rica. Os defeitos de um homem ou de uma mulher são facilmente
compensados pelo acesso à sua conta bancária, na verdade bem mais cobiçada
do que sua cama. Na ética prostituta da telenovela, uma aula de violino é
desculpa para um encontro sexual extraconjugal. Por trás desse tipo de
situação está a disposição estrutural para colocar toda a cultura para
render dinheiro, desprezando tudo aquilo que, nela, não servir para esse
propósito. Quem não puder se prostituir é “múmia”, no entender desse tipo de
programa televisivo. Como diz o grande jornalista Laerte Braga, que deve ser
urgentemente estudado pelos teóricos da indústria cultural brasileira, o
lema das telenovelas e do BBB é “o bordel em sua casa”.
A apresentação realista e naturalista das novelas, assim como todo o esforço
mercadológico em torno delas, convida a tomarmos a representação enquanto
espelho de nossas vidas e mais, a considerarmos aqueles personagens como pessoas do mundo real. A telenovela mobiliza as fantasias das massas, exercendo enorme impacto sobre a vida cultural do País. Aliás, a telenovela praticamente destruiu o cinema e o teatro do Brasil, arrasando, através do mercado, com todas as tradições e linguagens que não a dela. Mesmo as leis de incentivo à cultura do estado subvencionam abertamente produtos com essa estética.
Nos últimos anos, com o surgimento de novas mídias, a telenovela perdeu
parte de seu impacto cultural. O seu lucro é baseado na venda não só dos
produtos nos comerciais, mas na venda de produtos dentro da ficção: vende-se
produtos apresentados durante as cenas quanto nos intervalos comerciais, por
isso a televisão dá tanto lucro. Para isso, nessa ficção cada vez mais os
objetos ganham uma presença mais viva que os atores. Uma vez num
restaurante, ganha enorme destaque o nome do restaurante, suas mesas e
cadeiras e a refeição. Aliás, as telenovelas operam de forma gastronômica:
tanto as refeições são apresentadas de forma bem atraente, intencionando
produzir o desejo de comer, com os atores e atrizes ganhando também uma
apresentação semelhante, com seus corpos apelando para fantasias sexuais e
masturbatórias. O nome de um galã como Gianechinni torna-se, mais do que um
nome, um adjetivo que é sinônimo de “bonito”: “ele não é Gianechinni”.
Como quem trabalha em televisão é glamourizado, nasceu ao redor das televisões
toda uma indústria de revistas repugnantes que se ocupam, sem nenhum
escrúpulo, da vida alheia, mas em especial da vida dos famosos, roubando e
invadindo, de forma altamente predatória, sua vida privada, infernizando
suas vidas com uma punição que responde ao fato de terem dinheiro e fama numa
sociedade como essa. E bem que poderiam adotar o slogan: “a vida alheia é mais
interessante do que a sua”, uma verdadeira apologia criminosa da alienação coletiva.
Os atores que fazem a novela e todos que aparecem na televisão passam a
dispor de um enorme capital simbólico, passam a ser “celebridades”, ou seja,
alguém que dispõe de capital simbólico devido à sua visibilidade.
A telenovela, ao entrar em crise, produziu um subproduto diretamente
articulado ao celular: o show de realidade, Big Brother Brasil. Nele,
telefona-se para eliminar um participante e o programa aufere lucros com isso. O reality show encena o drama de um “campo de concentração”, um drama nacional: nossas prisões são campos de concentração para pobres. O drama de um Auschwitz onde o cárcere possibilita a lazeira do consumismo e onde se tem de falar alto para que sua voz possa ser captada pelos microfones. O microfone manda na voz do participante e a edição da realidade com a estética da telenovela, as ligações de celular e o veneno de Bial modelam seu destino, sua vida e sua
morte dentro do “campo”.
Cada cidadão, despido de culpa coletiva, liga para eliminar um “judeu”, ou melhor, um participante, que então vai para a câmara de gás da realidade. Lá fora, o aguarda a sentinela kafkiana e caucasóide chamada Pedro “Bial”, cujo nome é uma variação alemã de “azul”. É o “kapo” Pedro “Blau” que destila o seu Azul da Prússia verbal.
A grande diversão, após a novela, é reencenar um dos grandes acontecimentos de nossa era, tornado agora um mito exaustivamente explorado pelo cinema norte-americano e muito repetido para poder justificar o martírio do povo palestino: Auschwitz. Aos sobreviventes do BBB e de Auschwitz sempre se faz a mesma pergunta: “o que você aprendeu?” Respeitarei muitíssimo mais o deputado federal do PSOL Jean Wyllys quando ele tiver a coragem de, como uma personagem do filme O Leitor, d responder a essa pergunta assim: “Não aprendi nada, os campos (e o BBB) não eram terapia. Se quiser aprender alguma coisa, não vá aos campos (e não veja o BBB)”. Como reencenação de um grande drama de nossa era, o slogan do BBB poderia ser: "a solução final ao alcance de um toque do seu celular".
Após a decadência das novelas, se seguirá a decadência do formato reality
show e isso se dará com rapidez maior do que se deu com o produto “telenovela”.
Será necessária, no futuro, uma campanha para que a sociedade se
“destelevise”, assim como os estudos de Foucault produziram a luta
antimanicomial: será preciso também uma luta contra a máquina-desejante e alguém vai ter que também abrir um capítulo para a televisão em um novo volume de A História da Loucura. Aliás, os foucauldianos e deleuzianos precisam dizer que a
grande lição do Big Brother é que uma grande empresa de televisão é hoje
também uma das instituições que buscam o controle total, até mais do que
escola, o presídio e o hospício. Faltou a Foucault o insight de que a prisão
onde tudo se podia ver, o panóplio holandês, deu nos campos de concentração
nazistas e, na atualidade, na prisão de consumo do Big Brother Brasil.
[Esse artigo é meu, mas quem quiser ler outras análises adornianas e derridianas, recomendo arquivoscriticos.blogspot.com]
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sexta-feira, 7 de janeiro de 2011
Microcontos na Piauí
Bilhete
Batom no espelho: amanhã estarei morta.
Quaresma
Jesus? Diabo? Não! Sou advogado dele.
Guerra
Teatro de operações: Gerald dirige tanque.
http://revistapiaui.estadao.com.br/blog/concurso/post_310/Participantes_da_edicao_de_dezembro.aspx
Batom no espelho: amanhã estarei morta.
Quaresma
Jesus? Diabo? Não! Sou advogado dele.
Guerra
Teatro de operações: Gerald dirige tanque.
http://revistapiaui.estadao.com.br/blog/concurso/post_310/Participantes_da_edicao_de_dezembro.aspx
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Revista Piauí
terça-feira, 4 de janeiro de 2011
Leite Derramado: "Encasquetei que precisava enrabar o Xyko"
Reescrita imaginária de um trecho de Xyko por Edney Silvestre após perder o Jabuti:
“Durante um período, para você ter uma idéia, encasquetei que precisava enrabar o Xyko. Eu estava com dezessete anos, talvez dezoito, o certo é que já conhecia mulher, inclusive as francesas. Não tinha, portanto, necessidade daquilo, mas do nada decidi que ia enrabar o Xyko. [...] Só me faltava ousadia para a abordagem decisiva, e cheguei a ensaiar umas conversas de tradição senhorial, direito de primícias, ponderações tão acima do seu entendimento, que ele já cederia sem delongas”.
Xyko é xyk. É preciso pôr a teoria da indústria cultural adorniana contra Xyko. Xyko vem com tudo no governo Dilma.
“Durante um período, para você ter uma idéia, encasquetei que precisava enrabar o Xyko. Eu estava com dezessete anos, talvez dezoito, o certo é que já conhecia mulher, inclusive as francesas. Não tinha, portanto, necessidade daquilo, mas do nada decidi que ia enrabar o Xyko. [...] Só me faltava ousadia para a abordagem decisiva, e cheguei a ensaiar umas conversas de tradição senhorial, direito de primícias, ponderações tão acima do seu entendimento, que ele já cederia sem delongas”.
Xyko é xyk. É preciso pôr a teoria da indústria cultural adorniana contra Xyko. Xyko vem com tudo no governo Dilma.
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Leite Derramado,
romance,
trecho
quinta-feira, 30 de dezembro de 2010
Um relatório para uma chimpanzé ou: contra a criminalidade acadêmica
Pessoal: vale a pena ler esse conto do professor Márcio Seligmann sobre um assunto semelhante ao do meu conto.
http://www.cultura.mg.gov.br/arquivos/SuplementoLiterario/File/1332.pdf
E aviso, inclusive, que agora as coisas por aqui vão ser bem lentas aqui no revista cidade sol e penetrália, bem esporádicas. Estou com dor no tendão e tomando um cedrillax para acabar com ela. Para isso vou tentar diminuir a atividade diante do teclado.
Esse blog não vai acabar: só se minha escrita acabar comigo primeiro.
Dedico esse conto a todos que sofrem com a criminalidade acadêmica: com os pequenos crimes que se perpetram todos os dias nas universidades e que quase sempre ficam impunes: orientadores que não orientam, que se mostram arrogantes e autoritários ou abandonam os orientandos para se aposentarem; relatórios burocráticos infinitos que terminam em corte de bolsas e verbas; professores que copiam partes de textos de alunos e colocam em seus trabalhos, mas esculacham os alunos; vaidades e egos inflados, acompanhados da insistência louca para que se produza nesse ambiente. Contra as condições haitianas de trabalho e as cobranças harvardianas.
Tudo frescura perto do que o povo brasileiro passa, que inclui horrores como trabalho escravo e luta diária pela sobrevivência, mas mesmo assim são pequenos crimes, pequenas crueldades, mas mesmo assim são crimes.
Um relatório para uma chimpanzé
Lúcio Jr.
O Escritor Premiado resolveu que não queria ver o cadáver de sua mulher, mas sim o de Dona Durruti Buenasuerte, sua orientadora na universidade. Dona Durruti era estúpida e rude e o fazia reescrever os seus textos. O Escritor Premiado não suportava a aparência horrível e a mau humor de Dona Durruti, mas precisava dela para concluir seu mestrado sobre o escritor Asdrúbal Trombon, de quem ele tinha de puxar o saco para poder ganhar espaço no caderno de Cultura onde o Asdrúbal era editor-chefe.
Ele foi, então, à universidade procurar Dona Durruti. Encontrou-a com uma grande televisão em seu gabinete. “Meu caro, já trouxe novamente o seu trabalho?” No entanto, o Escritor Premiado ficou calado diante dela, esperando o melhor momento de estrangulá-la. “Fui premiado”. “Quê, você é viado?” Falou a naja, com seu rosto fazendo uma careta que a tornava ainda mais feia de sarcasmo. “Não, minha cara, fui premiado e vou abandonar esse mestrado”. Ela calou-se por um momento e deu-lhe as costas com desprezo, dizendo “um prêmio é algo insignificante. O bom é estar em Paris, sem agenda. Viva Paris, aproveite Paris!” O Escritor Premiado ficou ali em silêncio, enquanto Dona Durruti tentava arrumar a cabeleira desgrenhada tirando e colocando o seu arquinho. De repente, pareceu-lhe que Dona Durruti era um chimpanzé. Seus gestos denunciavam aquilo. Antes lhe parecia que o rosto enrugado de Dona Durruti era feio e parecia estar se decompondo. Pareceu-lhe, de repente, que Dona Durruti era uma criatura não tanto desumana, mas pré-humana. Ela era um chimpanzé que se disfarçava de gente e conseguira fazer graduação, pós-graduação e até ocupar um lugar na universidade, sempre escondendo sua origem não-humana. Perder aquele cérebro de chimpanzé nada significaria para a humanidade.
“Adeus, Dona Durruti”, disse ele, tendo descoberto seu segredo. “O poeta bisseto do modenimo”, balbuciou a mulher monga. “Hein?” “Você não vai mais fazer sua pesquisa sobre o poeta bisseto do modenimo?” De repente, a chimpanzé balbuciava uma súplica. O Escritor Premiado teve pena de Durruti, pois ela confundia, em sua mente que fingia ser humana, Asdrúbal Trombon com um escritor totalmente diferente. Mas o mestrado dele começara há dez anos! Dona Durruti, no entanto, não tinha conseguido, ainda, processar essa informação e fingia diante de todos sabê-la, tendo até organizado um grupo de pesquisa sobre A Modernidade de Asdrúbal Trombon, Poeta Bisseto do Modenimo. “Preciso pensar, Dona Durruti”, alegou O Escritor Premiado.
E foi saindo de sua sala. Andando pelos corredores, encontrou na cantina um amigo escritor, o Dr. Rafinha. Vestido de terno branco impecável e chapéu de malandro, sempre fumando cigarilhas chiques, Rafinha gostava de ser chamado de Dr., embora estivesse no mestrado há quinze anos, contando as passagens por várias universidades e programas e clínicas psiquiátricas. “Vamos tomar um vinho no restaurante Vecchio Della Vecchia, soube de sua premiação. Hoje é por sua conta!”. “Claro, vamos!”, concordou o Escritor Premiado.
O Escritor Premiado pretendia, finalmente, tratar o seu amigo rico de forma adequada. Era seu amigo antes de ser premiado, mas uma vez premiado poderia ser com Dr. Rafinha quem ele era de verdade. Chegando ao Vecchio Della Vecchia, Dr. Rafinha passou a falar da peça que estava escrevendo e que seria intitulada Cracolândia, tendo por epígrafe uma frase do poema de Drummond: “No meio do caminho tinha uma pedra”.
“Sobre o que será?” Perguntou o Escritor Premiado.
“É uma peça que quer pegar a onda espírita, sabe? Uma peça espírita. O espírito do baterista do Led Zeppelin volta materializado numa mesa branca lá de Uberaba e começa a lembrar sua vida num monólogo de cara para o próprio vômito, com apoio dos discípulos de Chico Xavier. O s médiuns que o evocam buscam criar uma máquina de materializar celebs, objetivando saber news do além. O Gerald Thomas, que estava em Uberaba buscando a cura de suas angústias, ganhou a missão de traduzir o finado, que só falava em inglês, surgindo então uma grande parceria surreal. No último ato, Gerald passa a discutir seu não comparecimento no velório da mãe. O batera, então, lê uma carta psicografada da mãe do Gerald dizendo que a recepção calorosa que recebeu no além a fez esquecer essa bobagem da presença ou não do Gerald no velório. Os problemas da parceria entre Boham e Gerald surgiriam a partir da falta de papel higiênico no quarto do hotelzinho que ele estava em Uberaba. O batera e Gerald começam, então, a escrever uma ópera juntos para futuramente estrear em Londres e Nova York. Gerald, no entanto, entra numa profunda crise existencial ao deparar-se com o retrato de Rembrant e de Dorian Gray num museu dedicado ao Peão Boiadeiro em Berlllândia...”
Quando, finalmente, Dr. Rafinha imitou a prosódia do Triângulo Mineiro, o Escritor Premiado não suportou mais:
“Você tem uma fixação doentia com o Gerald Thomas! Que viadagem é essa!”
Dr. Rafinha ficou arrasado e o Escritor Premiado pairou em silêncio diante dele. O Escritor Premiado sabia que Dr. Rafinha não conseguiria jamais se alegrar com o sucesso de um amigo. Dr. Rafinha fazia coisas malucas tais como obter dinheiro de uma Fundação subvencionada pelo estado e investir tudo numa revista que só publicava os seus próprios textos sob pseudônimos. Ele chegou a publicar um ensaio muito curioso, misturando Heidegger e Lukács num alucinante coquetel a respeito do ser da coisa da dança; tudo isso em nome do estudo da obra de uma bailarina obscura chamada Fuego Della Luna, que na verdade, como sempre, era um de seus alter egos. O artigo obteve considerável repercussão em Belo Horizonte e agora todos no meio artístico mineiro queriam saber mais sobre Fuego Della Luna.
“Você achou ruim, mesmo, a minha peça?” Falou ele, a custo.
“Evidente. Citar Gerald Thomas é cafona. Ele é totalmente...”
Não pode prosseguir, pois Dr. Rafinha atirou-lhe um copo de vinho no rosto e deixou o Escritor Premiado falando sozinho. Chegando a casa naquela noite, meia hora depois, a esposa do Escritor Premiado lhe mostrou uma carta da orientadora, onde a chimpanzé, sempre com sua concisão lapidar, pedia um relatório de sua pesquisa sobre Asdrúbal Trombon, como se nada tivesse acontecido!
“Ora, um relatório para a academia escrito por um chimpanzé ainda vai, mas um relatório escrito para uma chimpanzé, haja paciência. Acho que será tão difícil ser Escritor Premiado quanto sem prêmio”, concluiu o Escritor Premiado.
http://www.cultura.mg.gov.br/arquivos/SuplementoLiterario/File/1332.pdf
E aviso, inclusive, que agora as coisas por aqui vão ser bem lentas aqui no revista cidade sol e penetrália, bem esporádicas. Estou com dor no tendão e tomando um cedrillax para acabar com ela. Para isso vou tentar diminuir a atividade diante do teclado.
Esse blog não vai acabar: só se minha escrita acabar comigo primeiro.
Dedico esse conto a todos que sofrem com a criminalidade acadêmica: com os pequenos crimes que se perpetram todos os dias nas universidades e que quase sempre ficam impunes: orientadores que não orientam, que se mostram arrogantes e autoritários ou abandonam os orientandos para se aposentarem; relatórios burocráticos infinitos que terminam em corte de bolsas e verbas; professores que copiam partes de textos de alunos e colocam em seus trabalhos, mas esculacham os alunos; vaidades e egos inflados, acompanhados da insistência louca para que se produza nesse ambiente. Contra as condições haitianas de trabalho e as cobranças harvardianas.
Tudo frescura perto do que o povo brasileiro passa, que inclui horrores como trabalho escravo e luta diária pela sobrevivência, mas mesmo assim são pequenos crimes, pequenas crueldades, mas mesmo assim são crimes.
Um relatório para uma chimpanzé
Lúcio Jr.
O Escritor Premiado resolveu que não queria ver o cadáver de sua mulher, mas sim o de Dona Durruti Buenasuerte, sua orientadora na universidade. Dona Durruti era estúpida e rude e o fazia reescrever os seus textos. O Escritor Premiado não suportava a aparência horrível e a mau humor de Dona Durruti, mas precisava dela para concluir seu mestrado sobre o escritor Asdrúbal Trombon, de quem ele tinha de puxar o saco para poder ganhar espaço no caderno de Cultura onde o Asdrúbal era editor-chefe.
Ele foi, então, à universidade procurar Dona Durruti. Encontrou-a com uma grande televisão em seu gabinete. “Meu caro, já trouxe novamente o seu trabalho?” No entanto, o Escritor Premiado ficou calado diante dela, esperando o melhor momento de estrangulá-la. “Fui premiado”. “Quê, você é viado?” Falou a naja, com seu rosto fazendo uma careta que a tornava ainda mais feia de sarcasmo. “Não, minha cara, fui premiado e vou abandonar esse mestrado”. Ela calou-se por um momento e deu-lhe as costas com desprezo, dizendo “um prêmio é algo insignificante. O bom é estar em Paris, sem agenda. Viva Paris, aproveite Paris!” O Escritor Premiado ficou ali em silêncio, enquanto Dona Durruti tentava arrumar a cabeleira desgrenhada tirando e colocando o seu arquinho. De repente, pareceu-lhe que Dona Durruti era um chimpanzé. Seus gestos denunciavam aquilo. Antes lhe parecia que o rosto enrugado de Dona Durruti era feio e parecia estar se decompondo. Pareceu-lhe, de repente, que Dona Durruti era uma criatura não tanto desumana, mas pré-humana. Ela era um chimpanzé que se disfarçava de gente e conseguira fazer graduação, pós-graduação e até ocupar um lugar na universidade, sempre escondendo sua origem não-humana. Perder aquele cérebro de chimpanzé nada significaria para a humanidade.
“Adeus, Dona Durruti”, disse ele, tendo descoberto seu segredo. “O poeta bisseto do modenimo”, balbuciou a mulher monga. “Hein?” “Você não vai mais fazer sua pesquisa sobre o poeta bisseto do modenimo?” De repente, a chimpanzé balbuciava uma súplica. O Escritor Premiado teve pena de Durruti, pois ela confundia, em sua mente que fingia ser humana, Asdrúbal Trombon com um escritor totalmente diferente. Mas o mestrado dele começara há dez anos! Dona Durruti, no entanto, não tinha conseguido, ainda, processar essa informação e fingia diante de todos sabê-la, tendo até organizado um grupo de pesquisa sobre A Modernidade de Asdrúbal Trombon, Poeta Bisseto do Modenimo. “Preciso pensar, Dona Durruti”, alegou O Escritor Premiado.
E foi saindo de sua sala. Andando pelos corredores, encontrou na cantina um amigo escritor, o Dr. Rafinha. Vestido de terno branco impecável e chapéu de malandro, sempre fumando cigarilhas chiques, Rafinha gostava de ser chamado de Dr., embora estivesse no mestrado há quinze anos, contando as passagens por várias universidades e programas e clínicas psiquiátricas. “Vamos tomar um vinho no restaurante Vecchio Della Vecchia, soube de sua premiação. Hoje é por sua conta!”. “Claro, vamos!”, concordou o Escritor Premiado.
O Escritor Premiado pretendia, finalmente, tratar o seu amigo rico de forma adequada. Era seu amigo antes de ser premiado, mas uma vez premiado poderia ser com Dr. Rafinha quem ele era de verdade. Chegando ao Vecchio Della Vecchia, Dr. Rafinha passou a falar da peça que estava escrevendo e que seria intitulada Cracolândia, tendo por epígrafe uma frase do poema de Drummond: “No meio do caminho tinha uma pedra”.
“Sobre o que será?” Perguntou o Escritor Premiado.
“É uma peça que quer pegar a onda espírita, sabe? Uma peça espírita. O espírito do baterista do Led Zeppelin volta materializado numa mesa branca lá de Uberaba e começa a lembrar sua vida num monólogo de cara para o próprio vômito, com apoio dos discípulos de Chico Xavier. O s médiuns que o evocam buscam criar uma máquina de materializar celebs, objetivando saber news do além. O Gerald Thomas, que estava em Uberaba buscando a cura de suas angústias, ganhou a missão de traduzir o finado, que só falava em inglês, surgindo então uma grande parceria surreal. No último ato, Gerald passa a discutir seu não comparecimento no velório da mãe. O batera, então, lê uma carta psicografada da mãe do Gerald dizendo que a recepção calorosa que recebeu no além a fez esquecer essa bobagem da presença ou não do Gerald no velório. Os problemas da parceria entre Boham e Gerald surgiriam a partir da falta de papel higiênico no quarto do hotelzinho que ele estava em Uberaba. O batera e Gerald começam, então, a escrever uma ópera juntos para futuramente estrear em Londres e Nova York. Gerald, no entanto, entra numa profunda crise existencial ao deparar-se com o retrato de Rembrant e de Dorian Gray num museu dedicado ao Peão Boiadeiro em Berlllândia...”
Quando, finalmente, Dr. Rafinha imitou a prosódia do Triângulo Mineiro, o Escritor Premiado não suportou mais:
“Você tem uma fixação doentia com o Gerald Thomas! Que viadagem é essa!”
Dr. Rafinha ficou arrasado e o Escritor Premiado pairou em silêncio diante dele. O Escritor Premiado sabia que Dr. Rafinha não conseguiria jamais se alegrar com o sucesso de um amigo. Dr. Rafinha fazia coisas malucas tais como obter dinheiro de uma Fundação subvencionada pelo estado e investir tudo numa revista que só publicava os seus próprios textos sob pseudônimos. Ele chegou a publicar um ensaio muito curioso, misturando Heidegger e Lukács num alucinante coquetel a respeito do ser da coisa da dança; tudo isso em nome do estudo da obra de uma bailarina obscura chamada Fuego Della Luna, que na verdade, como sempre, era um de seus alter egos. O artigo obteve considerável repercussão em Belo Horizonte e agora todos no meio artístico mineiro queriam saber mais sobre Fuego Della Luna.
“Você achou ruim, mesmo, a minha peça?” Falou ele, a custo.
“Evidente. Citar Gerald Thomas é cafona. Ele é totalmente...”
Não pode prosseguir, pois Dr. Rafinha atirou-lhe um copo de vinho no rosto e deixou o Escritor Premiado falando sozinho. Chegando a casa naquela noite, meia hora depois, a esposa do Escritor Premiado lhe mostrou uma carta da orientadora, onde a chimpanzé, sempre com sua concisão lapidar, pedia um relatório de sua pesquisa sobre Asdrúbal Trombon, como se nada tivesse acontecido!
“Ora, um relatório para a academia escrito por um chimpanzé ainda vai, mas um relatório escrito para uma chimpanzé, haja paciência. Acho que será tão difícil ser Escritor Premiado quanto sem prêmio”, concluiu o Escritor Premiado.
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Marcio Seligmann-silva
segunda-feira, 13 de dezembro de 2010
Microconto de ocasião
Um microconto de ocasião, dedicado a Rafael Rodrigues, do blog Entretantos, da Bravo.
Quaresma
Jesus perguntou ao diabo: “quem é você?” “Eu sou o Diabo. Mas você tem
mesmo é que conhecer o meu advogado”.
Quaresma
Jesus perguntou ao diabo: “quem é você?” “Eu sou o Diabo. Mas você tem
mesmo é que conhecer o meu advogado”.
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Revista Piauí
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