quinta-feira, 25 de outubro de 2007

Necrológio

NECROLÓGI0

Mário Morais

--Rádio Difusora Bondespachense. Nota de falecimento. Faleceu hoje nesta cidade o senhor Mário Marcos de Morais. O extinto, de mais de noventa anos, deixa numerosa e conceituada família. Em próxima nota transmitiremos outras informações, inclusive sobre o local do velório e hora do sepultamento.
--Não estou ligando bem a pessoa com o nome, mas acho que o conheci.
--Conheci-o muito, mas há tempos que não o via. Parece que não andava bem de saúde Lembro-me bem dele, sentado em sua cadeira giratória, lá na agência da Minascaixa, uma agência de grande movimento.
--Com os seus noventa e tantos anos, já era mesmo hora de tirar o time e abrir espaço para outros. Já andava sem firmeza, cambaleante, amparando-se nos muros – falou o sujeito irreverente.
--Oh! Se o conheci. Nós, militares sem graduação, tínhamos dificuldades de crédito nas agências bancárias da cidade, mas com ele, na Minascaixa, era empréstimo na hora. Ele nos ajudou bastante.
--Nunca fomos amigos, nem nos cumprimentávamos. Nossos problemas de relacionamento são antigos. Ele exercia irregularmente uma atividade para a qual não estava legalmente habilitado e eu o denunciei ao Conselho competente. Certo dia ele me abordou na rua, exigindo explicações a respeito de não sei quê, de maneira muito agressiva. Tive a impressão de que estava armado. Liguei o motor do carro e o deixei gesticulando sozinho. Não é por que ele morreu que vou deixar de dizer o que sempre pensei dele: Um cara orgulhoso e antipático, metido a sebo - disse o velho barrigudo, que parecia guardar algum sentimento forte de mágoa, implacável até mesmo diante da morte.
-- Um grande sujeito, honesto, respeitável, trabalhador. Foi meu freguês a vida inteira e só comprava a vista. Nunca soube de nada que o desabonasse.
--Meu velho amigo e companheiro de mocidade, de nossos tempos de solteiro. Ficávamos horas e horas jogando sinuca e tomando uma cerveja. É com imenso pesar que recebo a notícia de sua morte, a cujo enterro não posso ir por falta de condições físicas. Com ele vai-se um pouco de mim, de velhas lembranças de um passado muito distante. Que Deus o receba em sua glória!
--Meu amigo e meu compadre, de saudosas lembranças. Seguindo caminhos diferentes, perdemos a convivência, mas, lembrando-o, retrocedo a um passado bem distante. Companheiros de trabalho, fomos vítimas, ao mesmo tempo, do ato discricionário de uma autoridade prepotente..Um grande amigo que se foi.
-- Meu parente e meu amigo. Ele dizia sempre que meu falecido pai não era apenas primo, mas irmão, e nessa condição convivia com a família dele. Sinto demais a morte dele.
--Não me esqueço de seu sofrimento quando de um desfalque na agência bancária em que era gerente. Angustiava-se com a idéia de que alguém pudesse pensar em seu envolvimento na fraude. E sei de alguém que chegou a pensar assim, mas o funcionário desonesto confessou tudo e família dele assumiu a responsabilidade pela falcatrua. Mas ele, apesar de inocente, sofreu humilhações com o que aconteceu, inclusive o depoimento em uma delegacia em Belo Horizonte.
--Fomos companheiros de atividades vicentinas. Naquele tempo o Conselho Vicentino não dispunha de veículo e ele punha o seu “Chevete” a serviço da entidade. Conduzia para toda a parte os assistidos e enfermos. Realizou um bom e humanitário trabalho.
--Trabalhei sob sua chefia por muito tempo na Minascaixa. Era muito mais amigo do que chefe. Tinha o nosso respeito e amizade.
--Nos velhos tempos de UDN e PSD, era udenista fiel, mas nunca quis assinar a ficha de filiação ao Partido, também nunca reivindicou nada. Por sua competência, foi nomeado contador da Prefeitura na administração do doutor Hugo Gontijo; mais tarde, em outra administração, foi exonerado do cargo por perseguição política. Como compensação por sua fidelidade, conseguimos nomeá-lo para gerente da então Minascaixa, cargo que desempenhou com brilho e competência. Uma longa amizade que a morte interrompeu. – assim falou velho político.
-- Se não teve em Bom Despacho o seu berço, ninguém mais que ele amava esta cidade. Aqui trabalhou, lutou, construiu família, envelheceu e ora nos deixa. Comovente sua paixão por esta terra, sua gente, sua história, que ele enalteceu em alguns escritos e a todo o momento por palavras – fala um velho e dedicado amigo.

Em redor do caixão, os filhos, chorosos:
--Foi o melhor pai do mundo!
Ausente do velório, por absoluta falta de condições físicas e psicológicas, a desolada viúva murmura:
-- Ele foi tudo para mim, na vida! Não sei como viver sem ele, mas será por muito pouco tempo. A qualquer momento estaremos juntos, na Eternidade!

(Texto redigido em 02/11/2005, Dia dos Mortos)

Um comentário:

Lu Gui disse...

Que gosto mais mórbido! O blog estava indo até mais ou menos. Como deve ser depressivo viver com uma pessoa dessas.