Em sua visita à China, a convite da Academia de Ciências Sociais e do Instituto Goethe, o filósofo alemão Jürgen Habermas causa perplexidade entre os intelectuais das mais diversas tendências
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Por Johnny Erling (DIE WELT online, 15/05/2001)
Trad.: zé pedro antunes
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A liberdade acadêmica e os braços abertos com que Jürgen Habermas foi recebido na China pelas Universidades, Academias e Escola Superior do Partido não teriam passado de um grande mal entendido?
Duas semanas depois da visita do filósofo alemão, entre os círculos acadêmicos e na internet irrompeu um acalorado debate entre esquerdistas e reformistas.
Traídos se sentem tanto marxistas ortodoxos como a nova esquerda nacionalista.
Em vez de encontrar em Habermas um marxista ocidental, um crítico do capitalismo moderno e da globalização, e uma das testemunhas principais contra as intervenções dos EUA por razões humanitárias, teriam trazido ao país um "apologeta burguês" dos Direitos Humanos.
"Com seu discurso", a "raposa esperta" esaria querendo "conciliar socialismo e liberalismo na política", escreveu um deles.
"Onde posso ficar sabendo mais?", é o que perguntam diariamente na internet outras vozes do órgão do Partido, o "Jornal Popular".
Ou comentários como: "Ouvi dizer que o grande professor da esquerda, Jürgen Habermas, habilmente passou um sermão na nossa esquerda chinesa."
Raramente um palestrante estrangeiro conseguiu produzir tal repercussão entre os círculos intelectuais da China, como o filósofo alemão, hoje com 71 anos de idade.
"Sem querer, Habermas foi cair em meio ao fogo cruzado de esquerdistas e reformistas liberais", supõe Ma Lincheng, crítico e redator-chefe do "Jornal Popular".
Justamente a nova esquerda, com seus cerca de 50 porta-vozes, grande parte com seus estudos realizados no Ocidente, estaria lançada em "lamentável perplexidade", ao concluir que o pensamento de Habermas tão pouca correspondência apresenta com as idéias que ela própria defende.
As expectativas exageradas em relação ao filósofo alemão explicam também o frisson inicial com a sua chegada.
Puseram-no em primeira página os jornais sensacionalistas de Pequim, chamando-o de um dos "onze mais importantes cientistas do mundo" e um dos "últimos luminares intelectuais detentor de conhecimento enciclopédico".
O representante da Escola de Frankfurt costuma exercer "sempre forte influência" sobre os círculos teóricos chineses.
Há que se considerar que as traduções para o chinês de livros de Habermas nunca ultrapassaram edições de alguns milhares de exemplares.
Mesmo assim, os auditórios ficaram lotados. Na Universidade de Pequim, cerca de 2000 estudantes reuniram-se para ouvi-lo falar sobre três modelos normativos de democracia.
A convite da Academia de Ciências Sociais e do Instituto Goethe, Habermas passou 14 dias no país, para proferir palestras e participar de debates informais.
Tomou posição em favor da indivisibilidade dos Direitos Humanos, situando-os no contexto da "juridização democrática" da política.
Diante da Escola Superior do Partido e em entrevistas, explicitou sua posição sobre a intervenção no Kosovo. Em caso de conflito, os Direitos Humanos deveriam prevalecer sobre a soberania dos Estados.
Para a política partidária de Pequim, uma heresia. O que explica os aplausos estrondosos por parte dos reformistas.
O filósofo Xu Youyu lançou elogios pela internet: "Habermas nos fez refletir sobre a questão direitos humanos ou soberania , em especial por não ser um representante da diplomacia dos direitos humanos praticada pelas superpotências, mas, sim, dos intelectuais da esquerda européia. Diferentemente dele, nós chegamos a falsas conclusões na questão do Kosovo. E isso porque nos apoiamos em informações e suposições falsas. Desde o início, e não a posteriori, ele soube se imiscuir com base em seu próprio conhecimento... Numa questão simples do ponto de vista moral, ele se posicionou ao lado da justiça."
Aos poucos, tanto a nova como a velha esquerda chinesa puderam se dar conta de que quase nada do que Habermas tem a dizer é compatível com o pensamento que desenvolvem.
Enquanto os velhos esquerdistas, marxistas ortodoxos, perguntam em tom denunciador: "Quem o convidou?", a nova esquerda reage de modo diferenciado, mas não menos furiosa.
O tradutor de Habermas,
Os novos esquerdistas chineses, agrupados em torno das publicações "Tianya" e "Dushu", não querem, em sua maior parte, saber de nada com Habermas, embora tenham mantido com ele longas discussões. Em sua homepage, procuram minimizar o seu significado. "A Escola de Frankfurt não é a fonte principal para o atual e moderno pensamento de esquerda na China, nem sequer uma entre tantas fontes", apregoava, na internet, o fórum da revista "Tianya".
A polêmica segue sendo transmitida pela internet. Também reformistas liberais, como o cientista social Li Shenzhi e os historiadores Qing Hui ou Xu Youyu, com os quais Habermas manteve encontros, publicaram suas discussões em suas plataformas na internet, inclusive todas as observações críticas de Habermas acerca da esquerda nacional chinesa.
A visita de Habermas, comentou um professor da Universidade de Pequim, tanto para reformistas como para novos e velhos esquerdistas, serve apenas como instrumento na disputa que travam para ver quem consegue exercer maior influência intelectual sobre os estudantes. Tivesse havido antes uma noção das implicações e conseqüências, é certo que, do ponto de vista oficial, Habermas não teria sido recebido com tamanho entusiasmo.
Um comentário:
Lúcio, boa informação. Obrigado. Mas acho que alguns comentários são pertinentes:
1) O convite e a boa acolhida a Habermas não significa liberdade de opinião e expressão, significa apenas investimento em uma nova elite dirigente.
2) Faz parte deste esforço de formação de uma elite que leve adiante o projeto Chinês o envio de estudantes escolhidos para universidades americanas e européias.
3) Apesar da existência do debate ser um bom sinal, não dá para imaginar os cinemas e a televisão da China transmitindo "programas denúncia" como os produzidos por Michael Moore e fartamente difundidos nos EUA e nos demais países democráticos.
Ou seja, os totalitarismos admitem um certo grau de contestação, de crítica, mas circunscrevem seu alcance.
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