Outro dia eu estava vendo o programa Tribuna Livre, da Rede Vida, normalmente monótono e cinzento, quando me deparei com Juremir Machado da Silva e Gunter Axt falando sobre o Fronteiras do Pensamento, evento realizado periodicamente em Porto Alegre.
Eu citei Juremir em um trabalho sobre a crítica literária. Ele escrevia muito bem no jornal Blau nos anos 90. Juremir é magro, agudo, espirituoso. Gunter Axt é descendente dos bons alemães do Rio Grande do Sul, é a tradição de Goethe e Hegel rejuvenescida na América. Falaram sobre Gerald Thomas e Arrabal.
Gerald é muito mais que sua imagem midiática. Ele é inteligente e provocativo. Gostei muito de um artigo dele sobre o Cinema Novo e o Glauber. Ele falou que os dilemas fáusticos de Os Herdeiros bem que poderiam estar em uma de suas peças. Eu também o vi comentar videoclipes, realmente ele tem um olho do artista, com bom humor. Nessa polêmica, porém, Gerald caiu no vão da vacuidade. Mas valeu por abrir o debate e por esses dois artigos que postei aí embaixo, o do Gunter Axt, especialmente. Em épocas caóticas, já disse Oswald, vale o distúrbio como operação saneadora.
Arrabal consagrou-se numa perspectiva da tradição européia. É de deixar perplexo que tenha agido como agiu. É uma figura mais densa que Gerald, mas muito mais suscetível, sendo de uma geração que não lida tão bem com a visão de sua imagem na mídia. Ele merecia reparos, mesmo, ao dizer que Obama e Bush são a mesma coisa. Isso é insuportavelmente senso comum, qualquer idiota seria capaz de dizer. De um artista como ele, esperava-se mais. Claro que sua atitude diante do público foi mais profissional que a de Gerald, ele salvaguardou-se mais.
Calligaris e Mirisola. Já fiz até crônica sobre a vida de Calligaris. Perguntei a ele sobre os estupros no Iraque. Ele me disse que isso (era 2002, mais ou menos) era assunto proibido que fez cair o editor do Boston Globe. Falamos também sobre seu livro Hello Brasil. Nele, Calligaris criticou a Antropofagia de Oswald, ou melhor, sua recepção, sem demonstrar conhecer a obra de Oswald propriamente dita.
Ele não pontuou, por exemplo, a oposição de Oswald a Freud ainda nos anos 20, por exemplo. Indispensável em uma avaliação de um psicanalista sério tratar desse ponto. Outro ponto que ressaltei com ele é que os conceitos de colono e colonizador eram vindos da Europa. O livro acabou sendo um ataque indiscriminado a qualquer imagem positiva do brasileiro a respeito de si mesmo. Mas Calligaris já afirmou, quando tratou do livro Verdade Tropical do Caetano, que gostaria de reescrever o Hello Brasil.
Já Mirisola é uma revelação boa de escritor e cronista, mas é melhor cronista que escritor. Na sua página no Congresso em Foco havia uma interessante mensagem de H. Romeu Pinto, que parece um personagem de O Rei da Vela, acusando um tal Leandro de ser clone de Mirisola. Penso que talvez seja o Leandro Rodrigues, cuja relação com o Mirisola eu destaquei na comunidade do Mirisola no Orkut. Leandro também escreveu seu Proibidão e trabalhou com mais humor, equilíbrio nos temas e no desenvolvimento um material bem semelhante ao de Mirisola, o que me fez dizer que Leandro é Mirisola melhorado. Ora, é um bom sinal que Mirisola esteja influenciado outros autores. Bom, excelente sinal para ele, que já é paradigma, portanto. Já é quase Osman Lins, quase Guimarães Rosa...
Sobre Ronaldinho especificamente, só desenvolvo alguns pontos. A faixa na Rocinha se referia às acusações de desonestidade que Ronaldinho sofreu: não quis pagar o programa combinado e quis comprar droga. Os moradores da Rocinha quiseram manifestar solidariedade não com o macho ideal, mas com o gênio em vias de ser massacrado pela mídia.
Afinal, Ronaldinho tinha uma imagem que os acontecimentos começaram a apagar, a desfazer, como mostrou a Veja. Isso equivale a perder patrocínios, prestígio, crédito, dinheiro em suma. Perder a imagem, para uma celebridade midiática, é perder-se. É ficar vulnerável a chacota e ataques preconceituosos eternos.
Se um rockstar fizesse o que Ronaldo fez, realmente não existiriam problemas. Mas o fato está se dizer "totalmente heterossexual" após ter dado a entender que pratica atos que a maioria julga repugnantes e proibidos. Ocorre o curto circuito na imagem: ela era composta não na subversão, como a do rockstar, mas no atleta que diviniza o corpo, cultua-o e se faz merecedor de culto. Isso: curto-circuito no culto. Ronaldinho precisa ser melhor assessorado. É um gênio, não um cafajeste jogando peladas. Mas seu talento é de gênio, mas sua mentalidade talvez ainda esteja nas peladas...No entanto, é desconhecer completamente a psicanálise narrar aquela desventura com os travecos em rede nacional, dizendo que brigou com a namorada e buscou aquela aventura sórdida no Calçadão, mas que mesmo assim é "totalmente heterossexual". Ninguém seria, segundo a psicanálise, totalmente homossexual ou totalmente heterossexual. Daí o fato de que divulgadores são bem vindos, mesmo que sejam em jornais ou almanaques. Alguém deveria ter dito a Ronaldinho para não tentar explicar o inexplicável no Fantástico...
Calligaris me pareceu mais permissivo do que analítico. Mirisola me pareceu temer profundamente ser confundido com aquilo que escreve: Mirisola é mais fóbico do que crítico. Hemingway foi uma espécie de joguete nessa história. O fato é que Hemingway escreveu uma obra e projetou uma imagem perfeitamente coerentes. Nunca em sua vida foi pego em atos que desmentissem nem uma nem outra.
A coerência entre obra e homem realmente é algo que está em xeque nessas polêmicas. Era algo como o espelho plano para Hemingway, que não deve ser confundido com o que a estranha tribo disser ou quiser travesti-lo. Hemingway suicidou-se por motivos outros que transtornos sexuais, que podem ter tido um papel, mas que eram menores do que outros fatores, tais como idade avançada e esgotamento físico e criativo; pelo menos eu prefiro apostar nessa hipótese. A idéia de que a família de Hemingway forma uma estranha tribo marcada pela inversão sexual e pelo travestismo significa que a inversão sexual é passada de pai para filho, tal qual uma enfermidade genética, sendo portanto um aspecto danoso da "intertrepação" permissiva, em outros aspectos, de Calligaris.
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