quinta-feira, 28 de maio de 2009

Caetano Veloso: crítica do disco Zi & Zek

Caetano Veloso, Banda Cê, Zi & Zek

Acompanhei atentamente o blog de Caetano Veloso por ocasião do lançamento de seu novo disco e gostei muito. Há anos acompanho seu trabalho. Ao contrário de Glauber, Caetano envelhece como um patriarca. Por isso, talvez, ele se cercou de uma banda de jovens músicos cuja identidade é mais rock. A proposta é o ambivalente transamba: base rítmica de samba e acompanhamento de rock com baixo, guitarra e bateria. E guitarra, principalmente. São comuns no disco as trips hendrixianas, assim como há algo das suítes do rock progressivo no trabalho de Pedro Sá. A cozinha de Marcelo Callado e a produção de Moreno também são seguras e competentes.
O que faz a dor e a delícia do disco é a ambivalência de Caetano, esse ser semovente. A capa é sombria, ao contrário das canções e da própria personalidade que Caetano mostrou no blog Obra em Progresso: solar. E é como homem solar e não lunar que Caetano tem melhor desempenho. Por isso, seria melhor algum outro título que não o hermético e auto-indulgente título escolhido. Talvez fosse melhor mesmo dar ao disco o nome Zi & Zek, em homenagem ao filósofo esloveno que tantas discussões motivou no blog. Caetano investe em perder-se de si mesmo para se reconquistar, no outono do patriarca. Será que consegue, conseguiu, conseguirá?
Em relação ao disco Cê, a sonoridade de Caetano ficou mais doce, mais Dorival Caymmi; amenizou-se a guinada em direção a uma sonoridade de rock, com letras cruas. Nesse disco, quando Caetano faz canções mais longas, como “Perdeu” e “Incompatibilidade de Gênios”, ele mostra uma certa lassidão à la Dorival Caymmi, embora sua voz continue chique e bela como sempre, lassidão essa que conflita um pouco com o impulso roqueiro de sua banda. Em Zi & Zek, as canções das quais mais gostei foram “Base de Guantánamo” e “Lobão tem Razão”, curiosamente já divulgadas por Caetano no blog Obra em Progresso.
As novas canções de Caetano possuem letras afiadas, com uma musicalidade minimalista e criativa, com a voz de Caetano dialogando bem com a tríade composta por baixo/guitarra/bateria, mesmo em seus tremolos mais característicos ao final da canção “Lobão tem razão”, que parece ser uma resposta à canção de Lobão “Mano Caetano”, mas vai bem além. Ela fala do “sêmen derramado”. Ora, não pode estar tratando da relação Caetano/Lobão! No fundo, Lobão tem razão é uma canção de amor. No entanto, acho que nunca se deve dar razão a Lobão, por uma questão estrutural mesmo. Lobão e a razão não possuem nada em comum: Lobão é movido pela explosão dos sentidos irracional do rock, das paixões, do sexo, da polêmica e, no passado, da droga. Dar razão a ele é tomar dele o Viagra das metáforas e deixá-lo com os oxímoros da impotência da razão. Caetas, deixe a razão para o Antônio Cícero fazer poemas logocêntricos e odes à Harold Bloom ou elegias a Hugo Chávez!
Já canções como “Tarado ni Você” parecem ser criadas para testar o fraseado da guitarra de Pedro Só e provocar a correção dos Pasquales da vida, que precisarão dizer em suas colunas gramaticais e normativas que a forma correta é “Tarado por Você”. Talvez Caetano, que tem algo de professoral, proponha canções-avaliação para ver se a banda Cê está “passando na prova” tal como a bossa nova. Caetano, gramático e dramático, possui uma fixação por Portugal que fica clara em “Menina da Ria”. Se Menino do Rio marcou a época da distensão e da abertura, por sua letra com alusões pansexuais, Menina da Ria é, quem sabe inconscientemente, um flerte com a teoria de Plínio Salgado sobre Portugal, país com a qual o Brasil teria uma relação incestuosa e normativa de mãe e filho. Caetano, matriarca/fratriarca da new left brazuca, por vezes ainda é bem patricarcalista-gramático-messiânico. Será que com Lula estamos voltando ao mar, estamos voltando ao útero ameraba-português, voltando a ser colônia? Nessa canção Caetano está sóbrio, heterossexual bem sucedido ao conquistar belas portuguesas sem bigode, maduro, glabro. Talvez por isso tenha conflitado recentemente com Fidel: dois bicudos não se beijam nem balançam ao som de Guantánamo nem de Guantanamera. O Brasil foi Portugal que pariu? Fica a sugestão de inclusão de Plínio Salgado e dessa frase numa futura letra de Caetano. Quero ver Caetano lançar.
A lassidão de Caetano em Zi & Zek é superada em canções como A Cor Amarela, mas essa é claramente uma música de trabalho, uma Garota de Ipanema turbinada com pagode baiano, liberada sexualmente pela pílula ou pela injeção de Perlutan. Caetano não se contém e exclama: “Que bunda! Que bunda!” em meio a uma levada dançante para tocar no rádio, no rádio do seu coração. Já “Lapa” tem uma relação com o samba meio fria, meio “uma noite no museu”. Depois de fazer carreira ao esfriar sambas e boleros com a bossa nova ou mesmo canções bregas de Peninha com seu toque de violão e voz sedutores, mostrando à la João Gilberto a geometria dessas canções, Caets se arriscando a fazer rock é como o artista plástico que, logo depois de ter desenhado um carneirinho, quer logo partir para a abstração e a action paiting à la Jackson Pollock. O resultado às vezes é genial e, por vezes...já viram japonês tocando samba?
No fim das contas, nesse disco Caetano ainda não se reencontra, reencontrou, reencontrará com sua base estética, a bossa nova, mas já se aproximou do samba: é meio caminho andado. Ele sinaliza que no futuro pode se desvincular da banda Cê e voltar a uma fase orquestral como foi com Jacques Morelenbaum e Júlio Medaglia. Quem viver, caetaneará.

4 comentários:

Henrique Hemidio disse...

Pra mim o Cê foi uma cagada

jamesp. disse...

Ah,Lúcio,estou com uma certa preguiça do caetano.Cê é um saco,e esse novo,também.Caetano precisa talvez dar-se uma renovada,sei lá,tá repetitivo,enfadonho.Adorei a entrevista na Cult,muito lúcida.Mas quanto á música...
Abração.

GERARDWALT disse...

Muy interesante esta critica don Lucio. El trabajo de Caetano es muy seguido en la Argentina. Es uno de los musicos mas admirados por mis pagos.
Hoy llegó el libro que me mandaste. Muito brigato amigo...Walter Greulach

claudio-diet disse...

oi lucio ,
"zii e zie" vc quer dizer ... trocou o nome por engano mesmo , ou é alguma ironia (que descarto pq vc é fã) com o título ?

zi - zek é o filósofo .

engraçado que na pagina da paloma , meu clip com o remix de imcompatibilidade esta junto do clip com o zizek ...

apesar da paloma , eu não compro discos . mais adoro do caetano o que ele não faz . o que ele faz já não é original .