Um observatório da imprensa para a cidade de Bom Despacho e os arquivos do blog Penetrália
quarta-feira, 28 de abril de 2010
Da Arte de Chutar
O Cientista. Anônimo. MOBA (Museum of Bad Arts).
Paga-se um preço por criar e paga-se outro por imitar (artigo de Gerald Thomas)
Da Arte de Chutar (comentários de Lúcio Jr)
Publicado na Folha de São Paulo, 17 de abril de 2010. A partir de livro da professora e pesquisadora Sílvia Fernandes, diretor Gerald Thomas analisa o teatro contemporâneo e aponta a falta de originalidade deste.
GERALD THOMAS
ESPECIAL PARA A FOLHA
Gerald: Existe um momento quando o teu passado te bate na cara, atropela seus rins e fígados e te deixa em estado de êxtase e dor. Eu estava aqui em Londres, quando me chega o livro de Sílvia Fernandes, “Teatralidades Contemporâneas”. Trata-se de uma obra densa e compreende muita informação sobre a atualidade (ou não atualidade) do teatro mundial e explora as variantes sobre a vida no palco dessas últimas três décadas. Esse livro foi escrito ao longo de dez anos.A introdução do livro me menciona de forma incrivelmente simpática. Sempre me senti um ponto de entrada, mas entendo que agora eu seja um ponto de partida. É a vida!
Lúcio: Achei que o livro era sobre o teatro brasileiro nas últimas décadas. Pois é, o teatro brasileiro e mundial contemporâneo é atual (ou não!)
Gerald: Mas a Sílvia não comete o engano que tantos acadêmicos cometem quando “classificam” uma arte qualquer ou fazem uma “melange” de todas as artes. Sílvia Fernandes toma partido. É uma crítica durona e isso é maravilhoso. Somos muitos nesse livro, ou melhor, somos “todos”. Mas somos, apesar de seres originais, personagens também.
Lúcio:Mas todo acadêmico faz, de uma forma ou outra, classificações. Se um acadêmico for pretensioso ao ponto de querer fazer mistura (mélange) de todas as artes para fazer um artigo, vai se dar mal, porque a tônica da academia é a especialização. Quem costuma ter essa pretensão de ser artista em todas as artes são alguns artistas. Segundo Thomas, os criadores dos anos 90 são, então, seres originais, além de personagens da Sílvia Fernandes. Se somos seres originais, algo de original se aproveita em nossa arte (ou não!)
Gerald:Com exceção de um ou outro, que Sílvia aponta como “o pastiche de todos” ou o imitador sem caráter, somos os personagens ativos numa longa jornada teatral dantesca, brutal, darwiniana, em que a sobrevivência não é a do mais forte, mas do mais persistente.
Lúcio: Aqui chegamos ao ponto mais importante do texto: Gerald Thomas quer apontar Felipe Hirsch como mero plagiador e imitador, posição que não é a de Sílvia Fernandes. No entanto, se a sobrevivência for do mais persistente, então Felipe Hirsch será mais feliz do Gerald Thomas, que já disse ter desistido do teatro. Vale a pena ler o livro de Sílvia Fernandes para saber quem está fazendo pastiche de todos. Aliás, pastiche é uma categoria a que se dá valor na pós-modernidade. Silviano Santiago fez pastiche de Graciliano Ramos e fez o livro Em Liberdade.
Gerald: Falo e escrevo na primeira pessoa. O que seria um diretor sem caráter? Em inglês, esse duplo sentido até que chega a ser engraçado. “Character” significa “personagem” e o teatro é feito deles. E a Sílvia deixa claro quem começou, quem imitou, quem se limitou, quem segue ou quem persegue os verdadeiros “characters”.
Lúcio: Talvez o problema não seja a primeira pessoa e sim a falta de capacidade teórica para teorizar e resenhar um texto acadêmico, que infelizmente Gerald Thomas não tem. Ele faz uma crítica cultural a partir do próprio umbigo. Alô, alô, Silvia Colombo, que coisa mais anos 80 colocar alguém que está há vinte anos em Nova Iorque para criticar o teatro brasileiro contemporâneo! Se Sílvia Fernandes aponta que existem diretores sem caráter, ou de mau caráter no teatro brasileiro, então ela seria uma crítica ao estilo do passado, que julga a obra pelo mau comportamento biográfico do artista...
Gerald:Agora, tendo me despedido do teatro através de um artigo no velho blog, mas que está como manifesto no novo blog (http://geraldthomasblog.wordpress.com), vejo minha vida teatral e operística com enorme saudades, mas com uma tremenda resolução: sou um “ponto zero”, um ponto falho, se deixei falhas enormes para trás. Qual ponto falho?
Lúcio: Gerald deixou o teatro e ainda fica só falando sobre teatro, sobre a própria obra, mais do que sobre teatro brasileiro contemporâneo, assunto, do qual, aliás, ele pouco entende ou assiste fora sua própria obra.
O teatro é uma arte para poucos. Ele sempre existirá, porque o ego de quem se exibe nos palcos sempre estará maior. Esse ego quer explodir, quer se mostrar, quer berrar e ser “tocado” pelo público. Mas o problema é que não estão dizendo nada. Nada que interesse. Então, temos egos vazios, cantando aberrações em tonalidades de cores que se confundem com aquilo que era uma pintura original da época em que se tinha algo a dizer.
Lúcio: A esta altura, Gerald afirma que seria necessário ter uma mensagem, dizer alguma coisa que interesse. Interesse a quem? À crítica? Ao público que vem ver peças com atores da telenovela? É tão importante assim o conteúdo? Depois de largar o teatro, Gerald virou crítico conteudista, moralista à la Tolstói?
Gerald: Me diverti com texto do crítico de teatro da Folha, Luiz Fernando Ramos, sobre um espetáculo: “Fulano de tal se revela sem rumo nem estilo, como se fosse mais importante soar genial do que servir à obra. Essa fraqueza fica explícita nos três momentos em que as luzes da suposta sala de cinema se acendem. No mais provocativo, quando os atores permanecem olhando o público em silêncio por minutos, repete-se gesto de Gerald Thomas de 20 anos atrás, com menos brilho e mais afetação. A tal peça queria ser uma bofetada no gosto do público. Consegue ser chata, apesar de desempenhos vigorosos dos intérpretes, da linda iluminação e do cenário funcional de Daniela Thomas.” Por que me divirto? Porque Ramos se refere ao meu espetáculo “M.O.R.T.E.” (1990) e porque em “Teatralidades…”, o mesmo sujeito é descrito como meu “fiel seguidor”. Onde termina a homenagem e começa o plágio? Ou quando tudo vira caso de polícia?
Lúcio: Boa pergunta: por que se diverte? Porque a crítica não é contra ele (senão ele se enfureceria e diria que suas peças são intocáveis, não sei quê, etc), é uma crítica que insinua que Felipe Hirsch é imitador de Gerald Thomas e é chato. Dizer que é “chato”, é “pretensioso” são categorias subjetivas. Estou cada vez mais certo de que Hirsch inspira-se no teatro de Gerald Thomas e no teatro dos anos 80 e 90 em geral para ser a superação histórico-concreta. Hirsch retoma a narrativa, por exemplo, de Dalton Trevisan e coloca a estética dark pós-moderna a serviço dela, abandonando a fragmentação esquizofrênica.
Gerald: O que acontece? Falta cultura a essa “falta de cultura?” Sim, pelo que Sílvia aponta existe uma enorme originalidade no teatro das últimas décadas. Se isso não resume a crise e o inescrupulismo em que vivemos, o que mais posso dizer? Uma “nação teatral” conquista sua história com independência, sangue e formula sua própria “constituição” através de uma, duas, três ou mais revoluções.
Lúcio: Então, Sílvia aponta originalidade no teatro brasileiro das últimas décadas? Ou não! Aliás, o que é originalidade mesmo? Frases tolas, subjetivas, sem sentido: “inescrupulismo”, “crise”. A crise é de caráter? Nação teatral. Sílvia fala de teatro em termos nacionais ou não?
Gerald:“MUDAR O MUNDO” (palavras sábias de Julian Beck). Tudo isso tem um preço. Um preço alto e, por isso, o teatro não está mais “mudando o mundo”. Paga-se um preço ao criar, paga-se outro por imitar. O “teatro-supermercado” de “gadgets” que precisamos para viver é algo chato e sem pensamentos a respeito de si. O teatro não se repensa há tempos. A arte que repete ou imita é retórica, mas não tem opinião! É a morte, a minha M.O.R.T.E., que significa: “Movimentos Obsessivos e Redundantes para Tanta Estética”. Poucos, nesses 30 anos de teatro revisitados por Sílvia, são pensadores originais da arte. O resto obceca em torno de uma estética velha. Não sei se devo ou não agradecer por essa desgraça.
Lúcio:Se a questão é transformar o mundo, então deve-se é deixar Beckett em prol de Brecht, Gerald Thomas e Hirsch em prol de Boal e Vianinha, Nelson Rodrigues em prol de Oswald de Andrade. O ponto de chegada desse artigo é acusar Felipe Hirsch não de fiel seguidor, mas sim de plagiador. Mas plágio é um conceito atrasado em termos de teoria crítica de arte, pois há muito se discute a intertextualidade. O teatro, sim, se repensa, quem não é teórico de jeito nenhum é o diretor Gerald Thomas. Ele não está obcecado por uma estética velha, mas por sua própria obra, que parte da crítica também já disse fazer pastiche de Beckett, Kantor, dentre outros. O teatro que se faz a partir com artistas da Globo, por exemplo, Wagner Moura no papel de Hamlet é que seria esse teatro-supermercado, com Wagner a ser consumido como gadget-nascimento? Seria o Brecht da Denise Fraga? As comédias de Cláudia Raia ou Miguel Fallabella? Como acusar, sem dar exemplos? Coragem, dê nomes aos bois! A quem essa crítica é endereçada? Mas ele, como Caetano Veloso, domina a arte de chutar, tão bem definida em um artigo recente do professor Sírio Possenti:
Se Foucault vivesse entre nós, ficaria espantado com "nossos" intelectuais. Um dos mais notáveis é Caetano Veloso, nosso Aristóteles - ele opina sobre tudo. Aparece em todos os meios de comunicação - mostrando seu banheiro em Caras ou depondo sobre a importância de Lévi-Strauss na Folha de S. Paulo (o que é também uma ilustração de como a Folha explica) (Sírio Possenti em sua coluna no Terra Magazine).
Paga-se um preço por criar (e por chutar), mas criação é, como disse Boal em O Teatro do Oprimido (vamos estudar e não chutar, pessoal!) recriação do princípio criador da natureza. A prova de que o teatro se repensa é esse livro de Sílvia! E prova de quanto vai mal a crítica teatral na Folha é esse artigo de Gerald Thomas, pontificando asneiras a partir de New Yorrrrrk...
GERALD THOMAS é diretor e autor teatral
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Surge um novo candidato a presidente:
BELO HORIZONTE – 29 DE ABRIL DE 2010
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APRESENTAÇÃO DA CANDIDATURA DE IVAN PINHEIRO À PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA
O Secretário Geral do PCB, Ivan Pinheiro, pré-candidato a Presidente da República pelo PCB fará uma palestra sobre as resoluções do XIV Congresso Nacional do PCB e uma análise da conjuntura nacional e do atual estágio da luta de classes em nosso país.
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