quarta-feira, 22 de dezembro de 2021

Cine Regina: A Última Sessão de Cinema

 





Cine Regina: A Última Sessão de Cinema

                                               Lúcio Emílio do E. S. Júnior

 

            Uma de minhas lembranças mais persistentes é o fato de que acompanhei o fechamento do Cine Regina. Lembrei-me do antigo cine ao ler Resposta ao Tempo (Editora Literatura em Cena, 2020), de Alberto Coimbra: “No fundo, bem no meio do hall, a bilheteria (...). Ao entrar no cinema, primeiro o hall com o baleiro no meio. Cartazes de filmes na parede, uma porta e outro hall com os sofás e vários cartazes na parede dos dois lados (...)”. A seguir, ele explica que os cartazes eram de filmes de Marcelo Mastroianni: Esposamante e O Belo Antônio. Esse último contava com Cláudia Cardinale.

            Quando eu tinha dezesseis anos, no ano de 1990, fui a esse cinema ver Lambada, a Dança Proibida, na sessão de domingo à noite. Eu me recordo que eu ia junto aos escoteiros, um deles chamava-se Wilson e passávamos na farmácia logo ao lado, ele ia do trabalho direto ao cinema.

A lambada só era proibida no cinema, pois, na época, você abria uma torneira dançando lambada. A atriz principal (Laura Harring) representava a princesa Nisa e tentava evitar a devastação da Amazônia ao dançar um misto de música caribenha com carimbó de Belém, ao lado de um índio urbano que fazia magia macabra com sua pena de pavão explosiva. Nos dias que correm, Nisa com certeza seria chamada de comunista ao vestir vermelho e exibir “agenda pró-nativos”.

            Em outra sessão diferente, chegam imagens de outro filme visto ali: Os Dragões (1989), filme com o ator Jackie Chan, ainda em sua fase ambientada em Hong Kong e que é conhecida como “anos do Kung Fu”. Se em Lambada ríamos, nesse de luta meu amigo Wellington Mota imitava os golpes. Como em Cine Paradiso, a plateia era um espetáculo à parte.

            Dois anos depois, em 1991, o Cine Regina anunciou seu fechamento, mas como despedida realizou sessão exibindo Cine Paradiso, clássico de Giuseppe Tornatore (1988). Era o cinema falando de si mesmo. Mamãe chamou-me para ir, mas eu não quis fazer essa experiência mágica que seria vê-lo na telona, uma vez que tinha visto o filme em vídeo. O filme fala da volta de um cineasta bem sucedido a uma pequena cidade (Giancaldo), quando morre seu amigo Alfredo, projecionista que lhe ensinou o amor pela sétima arte e que sempre trabalhou no cine que acabou demolido ao final. Na trilha sonora de Enio Morricone, o violino é de cortar o coração. Eu não sabia que filmes como esse podem ser vistos durante a vida toda várias vezes, sempre com novo proveito. Como sinto arrependimento visto essa última sessão de nosso cinema! Logo depois que ele fechou as portas, escrevi um poema sobre o fato:

 

Cine Regina

 

Este cinema, encaixado nas duas lojas.

Uma de tecidos, Cine Regina, uma barbearia.

Este cinema

Flutuando com seu branco letreiro,

Pisca na madrugada,

No abismo,

Sempre piscando.

Na grade, círculos verdes tecem quadrados intrincados.

Na verdade

A entrada é franca.

Entrada tá fechada, vidro fosco.

O vidro fosco abraça as grades.

O Cine se esconde em frágeis andares

De um prédio de ruivas nas janelas.

Quadrados minúsculos seguem feito facetas

Da asa multicor de uma borboleta.

Sentados no meio-fio

Garotos estão vendendo cigarros de menta.

Quisera eu entrelaçar tal cenário

Numa foto em preto e branco retintos.

Para esfregar a imagem nos narizes metálicos

Da metrópole surda-muda & nua.

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