O
Banquete, Obra Inacabada de Mário de Andrade
Esse texto de Mário de Andrade foi
escrito por volta de 1943, quando Mário de Andrade escrevia crônicas musicais
na Folha da Manhã. O texto foi
elaborado em forma de diálogos, de forma a poder adaptar-se à publicação
semanal. Trata-se de dez capítulos onde dialogam cinco personagens. Tratam de
música, arte e criação na sociedade brasileira. O texto “Arte Inglesa” foi
publicado no Baile de Quatro Artes.
As crônicas com frequência preocupam-se com o passado, mas também enfocam o
folclore, a criação musical brasileira, debatem Debussy, mas também os
cantadores.
O
Banquete, escrito deixado inacabado por Mário de Andrade, publicado
posteriormente por sugestão de Gilda de Mello e Sousa, tem fluência e humor que
o associam ao escrito platônico. Mas, antes de mais nada, reflete as
preocupações de Mário de Andrade com as questões que a música grega levantou
sobre psicologia e forma, assim como a arte como terapia, a função social do
artista, etc.. Mário estava, então, preocupado com a relação entre a música e a
sociedade. A situação global é a mesma do banquete grego, um espaço onde os
convivas, num jantar luxuoso, debatem sempre um assunto preciso, num
determinado momento, o amor, em outro, a música.
Mário de Andrade, nessa época, aos
vinte anos da Semana (1942), fez uma autocrítica sobre a Semana de Arte
Moderna. Em suma, ele julgou que deveria ter “pegado a máscara do tempo e
esbofeteado com ela merece”. Ao pensar, nos anos 40, sobre a função social do
artista e da arte, concluiu amargamente que apenas destruiu velhos valores
consagrados burgueses, mas construiu outros, burgueses também. Sua arte não foi
proletária, não atingiu as multidões, nem foi capaz de mover as massas. Quando
Mário começa a refletir sobre isso, associa sempre o tema do artista como
alguém que tem que sacrificar-se, fazer uma arte empenhada, empenhado no
sentido de transitória, capaz de interferir no momento.
Os personagens representam tipos
sociais: a judia Sarah Light, nascida em New York, que gosta do salada, “sem
cheiro”. Mário dizia que estava “longe de não gostar dos judeus”, apesar disso.
Sarah representa os milionários estrangeiros e ricaços que deram as costas aos
modernistas, mais do que famílias como os Prado e dona Olívia Penteado (uma das
patrocinadoras da Semana de Arte Moderna que faz 100 anos esse ano). Outro
“vilão” é o Felix de Cima, político da classe dominante e amante da boa mesa e
da farra com mulheres, podendo ser associado ao gigante Piaimã de Macunaíma.
O flerte com a arte engajada é
bastante evidente no personagem do compositor Janjão, personagem que encarna
valores positivos em O Banquete e que
escreve Escherzo Antifascista e Sinfonia do Trabalho, com simpatias com
uma arte proletária na qual ressoam influências comunistas, das quais Mário de
Andrade, ao contrário de Oswald de Andrade, estava distante até então. Nisso,
Janjão combina com a cantora Siomara Ponga. A ideia de Janjão e Siomara é
sempre em torno de construir uma arte que seja irrecuperável pelas classes
dominantes, uma arte que mude o mundo e não seja somente para o prazer. Pode-se
izer que Mário, na obra O Café esteve
mais próximo das concepções de Janjão e Siomara. A cantora (inspirada na
cantora a certa altura diz: “O fazer bem
e certinho lhe sossegava uma consciência fácil, o conformismo domesticado,
subserviência às classes dominantes” (ANDRADE, 1977, p. 26). Esse tipo de arte
que não causa mal estar na sociedade é chamada por Janjão como apenas renovador
de valores burgueses, arte para dar prazer para burguês, “capitalismo”. Ele
estimula Pastor Fido a ir além e critica o Prefácio Interessantíssimo do
próprio Mário de Andrade como sendo apologia desse tipo de arte. Para Janjão, é
preciso fazer diferente, fazer uma arte, no seguinte sentido: “No sentido de
conter germes destruidores e intoxicadores, que malestarizem a vida ambiente e
ajudem a botar por terra as formas gastas da sociedade” (ANDRADE, 1977, p. 33.)
O estudante Pastor Fido também apoia as
concepções de Janjão e Siomara contra Felix de Cima e Sarah Light, tidos como
“os dominantes”. Por fim, Pastor Fido destina-se ao jornalismo e cede aos
encantos gostosos de Sarah Light.
O
personagem de Janjão é inspirado em Carlos Gomes, artista até então não
valorizado pelos modernistas. Mário aponta em Carlos Gomes um artista que
vendeu a alma ao diabo, ao abandonar as inovações de Fosca, que iam além da ópera italiana de seu tempo, agregando a
influência de Wagner e as soluções de Carmen de Bizet, experimentação que deixou de lado em prol de algo mais palatável ao público em Salvator Rosa, numa volta à italianidade com a qual fez sucesso na
própria Itália com O Guarani. Siomara
Ponga, por vezes, parece inspirada numa cantora da época, Helsie Huston, que
fez muito pela música brasileira. Em outras, Siomara é Mário, quando, por
exemplo, o tema é o debate sobre a pintura O
Homem Amarelo, debate ocorrido com a autora Anita Malfatti, que parece
esboçar um episódio autobiográfico realmente ocorrido próximo ao período da
Semana de Arte Moderna: ao ver o quadro, Mário riu, foi repreendido pela
autora, ao que dedicou a ele um poema...um soneto!
Janjão
é um músico rebelde que frequenta os salões da classe dominante falando em arte
proletária, fazendo suspirar as grã-finas com suas composições, criando a ponte
entre Vicente Celestino e Mozart. Essas simpatias à esquerda nunca ficaram tão
evidentes nas produções de Mário de Andrade anteriormente quanto estão em O Banquete.
A
obra O Banquete, em parte publicada
no jornal Folha da Manhã como um
folhetim, foi reunida em livro no ano de 1977 pela editora Duas Cidades e
elogiada como um dos grandes momentos da meditação estética brasileira.
Bibliografia:
ANDRADE, Mário. O Banquete. São
Paulo: Duas Cidades, 1977.
Esse texto de Mário de Andrade foi
escrito por volta de 1943, quando Mário de Andrade escrevia crônicas musicais
na Folha da Manhã. O texto foi
elaborado em forma de diálogos, de forma a poder adaptar-se à publicação
semanal. Trata-se de dez capítulos onde dialogam cinco personagens. Tratam de
música, arte e criação na sociedade brasileira. O texto “Arte Inglesa” foi
publicado no Baile de Quatro Artes.
As crônicas com frequência preocupam-se com o passado, mas também enfocam o
folclore, a criação musical brasileira, debatem Debussy, mas também os
cantadores.
O
Banquete, escrito deixado inacabado por Mário de Andrade, publicado
posteriormente por sugestão de Gilda de Mello e Sousa, tem fluência e humor que
o associam ao escrito platônico. Mas, antes de mais nada, reflete as
preocupações de Mário de Andrade com as questões que a música grega levantou
sobre psicologia e forma, assim como a arte como terapia, a função social do
artista, etc.. Mário estava, então, preocupado com a relação entre a música e a
sociedade. A situação global é a mesma do banquete grego, um espaço onde os
convivas, num jantar luxuoso, debatem sempre um assunto preciso, num
determinado momento, o amor, em outro, a música.
Mário de Andrade, nessa época, aos
vinte anos da Semana (1942), fez uma autocrítica sobre a Semana de Arte
Moderna. Em suma, ele julgou que deveria ter “pegado a máscara do tempo e
esbofeteado com ela merece”. Ao pensar, nos anos 40, sobre a função social do
artista e da arte, concluiu amargamente que apenas destruiu velhos valores
consagrados burgueses, mas construiu outros, burgueses também. Sua arte não foi
proletária, não atingiu as multidões, nem foi capaz de mover as massas. Quando
Mário começa a refletir sobre isso, associa sempre o tema do artista como
alguém que tem que sacrificar-se, fazer uma arte empenhada, empenhado no
sentido de transitória, capaz de interferir no momento.
Os personagens representam tipos
sociais: a judia Sarah Light, nascida em New York, que gosta do salada, “sem
cheiro”. Mário dizia que estava “longe de não gostar dos judeus”, apesar disso.
Sarah representa os milionários estrangeiros e ricaços que deram as costas aos
modernistas, mais do que famílias como os Prado e dona Olívia Penteado (uma das
patrocinadoras da Semana de Arte Moderna que faz 100 anos esse ano). Outro
“vilão” é o Felix de Cima, político da classe dominante e amante da boa mesa e
da farra com mulheres, podendo ser associado ao gigante Piaimã de Macunaíma.
O flerte com a arte engajada é
bastante evidente no personagem do compositor Janjão, personagem que encarna
valores positivos em O Banquete e que
escreve Escherzo Antifascista e Sinfonia do Trabalho, com simpatias com
uma arte proletária na qual ressoam influências comunistas, das quais Mário de
Andrade, ao contrário de Oswald de Andrade, estava distante até então. Nisso,
Janjão combina com a cantora Siomara Ponga. A ideia de Janjão e Siomara é
sempre em torno de construir uma arte que seja irrecuperável pelas classes
dominantes, uma arte que mude o mundo e não seja somente para o prazer. Pode-se
izer que Mário, na obra O Café esteve
mais próximo das concepções de Janjão e Siomara. A cantora (inspirada na
cantora a certa altura diz: “O fazer bem
e certinho lhe sossegava uma consciência fácil, o conformismo domesticado,
subserviência às classes dominantes” (ANDRADE, 1977, p. 26). Esse tipo de arte
que não causa mal estar na sociedade é chamada por Janjão como apenas renovador
de valores burgueses, arte para dar prazer para burguês, “capitalismo”. Ele
estimula Pastor Fido a ir além e critica o Prefácio Interessantíssimo do
próprio Mário de Andrade como sendo apologia desse tipo de arte. Para Janjão, é
preciso fazer diferente, fazer uma arte, no seguinte sentido: “No sentido de
conter germes destruidores e intoxicadores, que malestarizem a vida ambiente e
ajudem a botar por terra as formas gastas da sociedade” (ANDRADE, 1977, p. 33.)
O estudante Pastor Fido também apoia as
concepções de Janjão e Siomara contra Felix de Cima e Sarah Light, tidos como
“os dominantes”. Por fim, Pastor Fido destina-se ao jornalismo e cede aos
encantos gostosos de Sarah Light.
O
personagem de Janjão é inspirado em Carlos Gomes, artista até então não
valorizado pelos modernistas. Mário aponta em Carlos Gomes um artista que
vendeu a alma ao diabo, ao abandonar as inovações de Fosca, que iam além da ópera italiana de seu tempo, agregando a
influência de Wagner e as soluções de Carmen de Bizet, experimentação que deixou de lado em prol de algo mais palatável ao público em Salvator Rosa, numa volta à italianidade com a qual fez sucesso na
própria Itália com O Guarani. Siomara
Ponga, por vezes, parece inspirada numa cantora da época, Helsie Huston, que
fez muito pela música brasileira. Em outras, Siomara é Mário, quando, por
exemplo, o tema é o debate sobre a pintura O
Homem Amarelo, debate ocorrido com a autora Anita Malfatti, que parece
esboçar um episódio autobiográfico realmente ocorrido próximo ao período da
Semana de Arte Moderna: ao ver o quadro, Mário riu, foi repreendido pela
autora, ao que dedicou a ele um poema...um soneto!
Janjão
é um músico rebelde que frequenta os salões da classe dominante falando em arte
proletária, fazendo suspirar as grã-finas com suas composições, criando a ponte
entre Vicente Celestino e Mozart. Essas simpatias à esquerda nunca ficaram tão
evidentes nas produções de Mário de Andrade anteriormente quanto estão em O Banquete.
A
obra O Banquete, em parte publicada
no jornal Folha da Manhã como um
folhetim, foi reunida em livro no ano de 1977 pela editora Duas Cidades e
elogiada como um dos grandes momentos da meditação estética brasileira.
Bibliografia:
ANDRADE, Mário. O Banquete. São
Paulo: Duas Cidades, 1977.
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