sábado, 11 de dezembro de 2021

O Banquete, Obra Inacabada de Mário de Andrade

 

O Banquete, Obra Inacabada de Mário de Andrade

 

            Esse texto de Mário de Andrade foi escrito por volta de 1943, quando Mário de Andrade escrevia crônicas musicais na Folha da Manhã. O texto foi elaborado em forma de diálogos, de forma a poder adaptar-se à publicação semanal. Trata-se de dez capítulos onde dialogam cinco personagens. Tratam de música, arte e criação na sociedade brasileira. O texto “Arte Inglesa” foi publicado no Baile de Quatro Artes. As crônicas com frequência preocupam-se com o passado, mas também enfocam o folclore, a criação musical brasileira, debatem Debussy, mas também os cantadores.

            O Banquete, escrito deixado inacabado por Mário de Andrade, publicado posteriormente por sugestão de Gilda de Mello e Sousa, tem fluência e humor que o associam ao escrito platônico. Mas, antes de mais nada, reflete as preocupações de Mário de Andrade com as questões que a música grega levantou sobre psicologia e forma, assim como a arte como terapia, a função social do artista, etc.. Mário estava, então, preocupado com a relação entre a música e a sociedade. A situação global é a mesma do banquete grego, um espaço onde os convivas, num jantar luxuoso, debatem sempre um assunto preciso, num determinado momento, o amor, em outro, a música.

            Mário de Andrade, nessa época, aos vinte anos da Semana (1942), fez uma autocrítica sobre a Semana de Arte Moderna. Em suma, ele julgou que deveria ter “pegado a máscara do tempo e esbofeteado com ela merece”. Ao pensar, nos anos 40, sobre a função social do artista e da arte, concluiu amargamente que apenas destruiu velhos valores consagrados burgueses, mas construiu outros, burgueses também. Sua arte não foi proletária, não atingiu as multidões, nem foi capaz de mover as massas. Quando Mário começa a refletir sobre isso, associa sempre o tema do artista como alguém que tem que sacrificar-se, fazer uma arte empenhada, empenhado no sentido de transitória, capaz de interferir no momento.

            Os personagens representam tipos sociais: a judia Sarah Light, nascida em New York, que gosta do salada, “sem cheiro”. Mário dizia que estava “longe de não gostar dos judeus”, apesar disso. Sarah representa os milionários estrangeiros e ricaços que deram as costas aos modernistas, mais do que famílias como os Prado e dona Olívia Penteado (uma das patrocinadoras da Semana de Arte Moderna que faz 100 anos esse ano). Outro “vilão” é o Felix de Cima, político da classe dominante e amante da boa mesa e da farra com mulheres, podendo ser associado ao gigante Piaimã de Macunaíma.

            O flerte com a arte engajada é bastante evidente no personagem do compositor Janjão, personagem que encarna valores positivos em O Banquete e que escreve Escherzo Antifascista e Sinfonia do Trabalho, com simpatias com uma arte proletária na qual ressoam influências comunistas, das quais Mário de Andrade, ao contrário de Oswald de Andrade, estava distante até então. Nisso, Janjão combina com a cantora Siomara Ponga. A ideia de Janjão e Siomara é sempre em torno de construir uma arte que seja irrecuperável pelas classes dominantes, uma arte que mude o mundo e não seja somente para o prazer. Pode-se izer que Mário, na obra O Café esteve mais próximo das concepções de Janjão e Siomara. A cantora (inspirada na cantora  a certa altura diz: “O fazer bem e certinho lhe sossegava uma consciência fácil, o conformismo domesticado, subserviência às classes dominantes” (ANDRADE, 1977, p. 26). Esse tipo de arte que não causa mal estar na sociedade é chamada por Janjão como apenas renovador de valores burgueses, arte para dar prazer para burguês, “capitalismo”. Ele estimula Pastor Fido a ir além e critica o Prefácio Interessantíssimo do próprio Mário de Andrade como sendo apologia desse tipo de arte. Para Janjão, é preciso fazer diferente, fazer uma arte, no seguinte sentido: “No sentido de conter germes destruidores e intoxicadores, que malestarizem a vida ambiente e ajudem a botar por terra as formas gastas da sociedade” (ANDRADE, 1977, p. 33.)

 O estudante Pastor Fido também apoia as concepções de Janjão e Siomara contra Felix de Cima e Sarah Light, tidos como “os dominantes”. Por fim, Pastor Fido destina-se ao jornalismo e cede aos encantos gostosos de Sarah Light.

O personagem de Janjão é inspirado em Carlos Gomes, artista até então não valorizado pelos modernistas. Mário aponta em Carlos Gomes um artista que vendeu a alma ao diabo, ao abandonar as inovações de Fosca, que iam além da ópera italiana de seu tempo, agregando a influência de Wagner e as soluções de Carmen de Bizet, experimentação que deixou de lado em prol de algo mais palatável ao público em Salvator Rosa, numa volta à italianidade com a qual fez sucesso na própria Itália com O Guarani. Siomara Ponga, por vezes, parece inspirada numa cantora da época, Helsie Huston, que fez muito pela música brasileira. Em outras, Siomara é Mário, quando, por exemplo, o tema é o debate sobre a pintura O Homem Amarelo, debate ocorrido com a autora Anita Malfatti, que parece esboçar um episódio autobiográfico realmente ocorrido próximo ao período da Semana de Arte Moderna: ao ver o quadro, Mário riu, foi repreendido pela autora, ao que dedicou a ele um poema...um soneto!

Janjão é um músico rebelde que frequenta os salões da classe dominante falando em arte proletária, fazendo suspirar as grã-finas com suas composições, criando a ponte entre Vicente Celestino e Mozart. Essas simpatias à esquerda nunca ficaram tão evidentes nas produções de Mário de Andrade anteriormente quanto estão em O Banquete.

A obra O Banquete, em parte publicada no jornal Folha da Manhã como um folhetim, foi reunida em livro no ano de 1977 pela editora Duas Cidades e elogiada como um dos grandes momentos da meditação estética brasileira.

 

Bibliografia: ANDRADE, Mário. O Banquete. São Paulo: Duas Cidades, 1977.

 

            Esse texto de Mário de Andrade foi escrito por volta de 1943, quando Mário de Andrade escrevia crônicas musicais na Folha da Manhã. O texto foi elaborado em forma de diálogos, de forma a poder adaptar-se à publicação semanal. Trata-se de dez capítulos onde dialogam cinco personagens. Tratam de música, arte e criação na sociedade brasileira. O texto “Arte Inglesa” foi publicado no Baile de Quatro Artes. As crônicas com frequência preocupam-se com o passado, mas também enfocam o folclore, a criação musical brasileira, debatem Debussy, mas também os cantadores.

            O Banquete, escrito deixado inacabado por Mário de Andrade, publicado posteriormente por sugestão de Gilda de Mello e Sousa, tem fluência e humor que o associam ao escrito platônico. Mas, antes de mais nada, reflete as preocupações de Mário de Andrade com as questões que a música grega levantou sobre psicologia e forma, assim como a arte como terapia, a função social do artista, etc.. Mário estava, então, preocupado com a relação entre a música e a sociedade. A situação global é a mesma do banquete grego, um espaço onde os convivas, num jantar luxuoso, debatem sempre um assunto preciso, num determinado momento, o amor, em outro, a música.

            Mário de Andrade, nessa época, aos vinte anos da Semana (1942), fez uma autocrítica sobre a Semana de Arte Moderna. Em suma, ele julgou que deveria ter “pegado a máscara do tempo e esbofeteado com ela merece”. Ao pensar, nos anos 40, sobre a função social do artista e da arte, concluiu amargamente que apenas destruiu velhos valores consagrados burgueses, mas construiu outros, burgueses também. Sua arte não foi proletária, não atingiu as multidões, nem foi capaz de mover as massas. Quando Mário começa a refletir sobre isso, associa sempre o tema do artista como alguém que tem que sacrificar-se, fazer uma arte empenhada, empenhado no sentido de transitória, capaz de interferir no momento.

            Os personagens representam tipos sociais: a judia Sarah Light, nascida em New York, que gosta do salada, “sem cheiro”. Mário dizia que estava “longe de não gostar dos judeus”, apesar disso. Sarah representa os milionários estrangeiros e ricaços que deram as costas aos modernistas, mais do que famílias como os Prado e dona Olívia Penteado (uma das patrocinadoras da Semana de Arte Moderna que faz 100 anos esse ano). Outro “vilão” é o Felix de Cima, político da classe dominante e amante da boa mesa e da farra com mulheres, podendo ser associado ao gigante Piaimã de Macunaíma.

            O flerte com a arte engajada é bastante evidente no personagem do compositor Janjão, personagem que encarna valores positivos em O Banquete e que escreve Escherzo Antifascista e Sinfonia do Trabalho, com simpatias com uma arte proletária na qual ressoam influências comunistas, das quais Mário de Andrade, ao contrário de Oswald de Andrade, estava distante até então. Nisso, Janjão combina com a cantora Siomara Ponga. A ideia de Janjão e Siomara é sempre em torno de construir uma arte que seja irrecuperável pelas classes dominantes, uma arte que mude o mundo e não seja somente para o prazer. Pode-se izer que Mário, na obra O Café esteve mais próximo das concepções de Janjão e Siomara. A cantora (inspirada na cantora  a certa altura diz: “O fazer bem e certinho lhe sossegava uma consciência fácil, o conformismo domesticado, subserviência às classes dominantes” (ANDRADE, 1977, p. 26). Esse tipo de arte que não causa mal estar na sociedade é chamada por Janjão como apenas renovador de valores burgueses, arte para dar prazer para burguês, “capitalismo”. Ele estimula Pastor Fido a ir além e critica o Prefácio Interessantíssimo do próprio Mário de Andrade como sendo apologia desse tipo de arte. Para Janjão, é preciso fazer diferente, fazer uma arte, no seguinte sentido: “No sentido de conter germes destruidores e intoxicadores, que malestarizem a vida ambiente e ajudem a botar por terra as formas gastas da sociedade” (ANDRADE, 1977, p. 33.)

 O estudante Pastor Fido também apoia as concepções de Janjão e Siomara contra Felix de Cima e Sarah Light, tidos como “os dominantes”. Por fim, Pastor Fido destina-se ao jornalismo e cede aos encantos gostosos de Sarah Light.

O personagem de Janjão é inspirado em Carlos Gomes, artista até então não valorizado pelos modernistas. Mário aponta em Carlos Gomes um artista que vendeu a alma ao diabo, ao abandonar as inovações de Fosca, que iam além da ópera italiana de seu tempo, agregando a influência de Wagner e as soluções de Carmen de Bizet, experimentação que deixou de lado em prol de algo mais palatável ao público em Salvator Rosa, numa volta à italianidade com a qual fez sucesso na própria Itália com O Guarani. Siomara Ponga, por vezes, parece inspirada numa cantora da época, Helsie Huston, que fez muito pela música brasileira. Em outras, Siomara é Mário, quando, por exemplo, o tema é o debate sobre a pintura O Homem Amarelo, debate ocorrido com a autora Anita Malfatti, que parece esboçar um episódio autobiográfico realmente ocorrido próximo ao período da Semana de Arte Moderna: ao ver o quadro, Mário riu, foi repreendido pela autora, ao que dedicou a ele um poema...um soneto!

Janjão é um músico rebelde que frequenta os salões da classe dominante falando em arte proletária, fazendo suspirar as grã-finas com suas composições, criando a ponte entre Vicente Celestino e Mozart. Essas simpatias à esquerda nunca ficaram tão evidentes nas produções de Mário de Andrade anteriormente quanto estão em O Banquete.

A obra O Banquete, em parte publicada no jornal Folha da Manhã como um folhetim, foi reunida em livro no ano de 1977 pela editora Duas Cidades e elogiada como um dos grandes momentos da meditação estética brasileira.

 

Bibliografia: ANDRADE, Mário. O Banquete. São Paulo: Duas Cidades, 1977.

 

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