Penetralia,
Não sou eu, mas você que confunde o “projeto de poder do Ocidente” com a razão. Eu, ao contrário, diferencio a razão de qualquer projeto de poder. A razão não pode se confundir com coisa nenhuma, porque ela é, em primeiro lugar, crítica, e “crítica” quer dizer “separação”. A razão – e só a razão – é o que nos permite criticar todos os projetos de poder.
É claro que as potências imperialistas gostariam de confundir os seus projetos com a razão. Mas é impossível. Tanto que a crítica mesma a esses projetos – a crítica ao imperialismo – foi feita pela razão: e só pode ser feita por ela.
Toda tentativa de reduzir a razão a uma cultura particular acaba levando a autocontradições. Foi o que aconteceu com Foucault e alguns outros filósofos contemporâneos, como demonstrei no artigo a que alude.
“Mulheres vestidas de um lindo azul”? Isso me lembra Marx, que falava de arrancar as flores que enfeitam as cadeias dos oprimidos. “Livres pela burca de serem mulheres-objetos”? Mais objeto – embrulhado – do que essas mulheres, é impossível. Logo você estará propondo introduzir a burca no Ocidente, obrigando as mulheres, para deixarem de ser mulheres-objetos, a se cobrirem da cabeça aos pés; ou, quem sabe, obrigando-as a usar máscaras?
Racista, Penetralia, é confundir as superstições e os costumes retrógrados de uma corrente religiosa qualquer com a “raça” das pessoas que são oprimidas por esses costumes, crenças e superstições: dizer, por exemplo, “Fulana é árabe, logo é certo que ela apanhe do marido”. Ou: “Fulano é árabe, logo a razão – que é ocidental – não lhe diz respeito”. Nada é mais etnocêntrico e pró-imperialista do que pensar que a razão é ocidental.
Hirsi Ali, uma mulher somali que conseguiu se libertar das superstições e dos costumes retrógrados que imperavam em sua tribo, explica que o fez porque a razão lhe mostrou que:
É errado subordinar as mulheres aos homens;
É errado executar pessoas por serem homossexuais;
É errado matar apóstatas;
É errado chicotear e apedrejar as mulheres até a morte;
É errado amputar as mãos dos ladrões;
É errado dizer que quem morre lutando pela sua religião terá o paraíso;
etc.
Concordo com ela. A Idade Média ocidental também foi terrível. Tolice é pensar que ela era menos opressiva do que a modernidade.
Não posso pôr a minha antipatia por Sarkozy ou considerações táticas à frente dos meus princípios. Esse tipo de coisa, aliás, sempre foi o erro de grande parte da esquerda.
Pense bem.
O debate todo tá no antoniocicero.blogspot.com
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