Axel Honneth e a Luta Por Reconhecimento: Identidade Pessoal e Desrespeito
Lúcio Emílio do Espírito Santo Júnior
Esse artigo trata de Axel Honneth e sua teoria presente no texto Luta pelo Reconhecimento. A fundação do Instituto de Pesquisa Social no ano de 1924 em Frankfurt gerou a vertente filosófica atualmente chamada de teoria crítica, à qual Honneth pertence. Os termos Escola de Frankfurt eteoria crítica são utilizados com freqüência como sinônimos. No entanto, pode-se dialogar com a teoria crítica sem ser diretamente ligado aos pensadores que estudaram e pensaram em Frankfurt: Jean-Paul Sartre, por exemplo, dialoga com a teoria crítica e não é frankfurtiano.
A Escola de Frankfurt tornou-se importante porque, pela primeira vez de forma sistemática e institucional, a sociedade foi amplamente criticada com auxílio dos conceitos fornecidos por Marx, Freud e toda uma tradição européia a eles ligada: foi possível, portanto, analisar desde a música popular até a divisão do trabalho, desde as personalidades autoritárias dos indivíduos até a psicologia do ambiente social que gerou o fascismo e o stalinismo.
Axel Honneth nasceu em Essen em 1949 e atualmente dirige a Escola de Pesquisa Social, sendo o principal representante da terceira geração da teoria crítica: sua maior contribuição é ter juntado a pesquisa social inspirada por seu mestre Habermas com a psicologia pós-freudiana de Herbert Mead. A teoria honnethiana coloca em seu centro questões como luta social e reconhecimento, articulando esses conceitos com processos de identidade individuais e coletivos. A luta por reconhecimento, para Honneth, é uma força moral que produz desenvolvimentos sociais.
Embora falem em Marx e Lukács, Habermas e Honneth não devem ser confundidos com comunistas: mesmo quando falam em materialismo histórico, reificação, sua finalidade última é ainda reformar o capitalismo, renovar o liberalismo, propor políticas compensatórias. Suas reflexões devem ser postas em diálogo com pensadores como John Dewey e John Rawls, e, no Brasil, Jurandir Freire Costa (introdutor do pragmatismo na psicanálise brasileira) e Paulo Ghiraldelli Júnior, pois aí sim, o debate será frutífero.
Em Luta por Reconhecimento, Honneth estabeleceu três dimensões do reconhecimento: 1) autoconfiança, 2) auto-respeito, 3) valorização social. A autoconfiança é conquistada pela relação da criança com a mãe; o auto-respeito é o que o torna capaz de escolher racionalmente entre normas; por sua vez, a valorização é a capacidade de ser conhecido por qualidades originais e diferenciais. Honneth quer descobrir quais são os princípios e regras através dos quais a sociedade se desenvolve. No centro de sua teoria crítica estão os conceitos de conflito e reconhecimento.
A idéia básica é que os indivíduos e grupos só podem ser reconhecidos e formar suas identidades quando essas forem reconhecidas pelas relações entre os sujeitos não-coisificados (intersubjetivamente) nas relações sociais, nas práticas e instituições de uma comunidade. Honneth fala em fazer uma gramática dos conflitos sociais” e não uma lingüística. Ora, por que ele fala em gramática e não em lingüística, se a primeira é normativa e prescritiva, enquanto a segunda reconhece o desvio e a variação? Ele toma gramática no sentido grego, ou seja, é o mesmo que lógica. Ele tenta entender a lógica dos conflitos sociais para clareá-los.
Em seu texto Luta por Reconhecimento, o filósofo tratou principalmente de como oferecer reconhecimento de direitos aos fracos e derrotados dentro da modernização capitalista. No capítulo 6 do livro Luta por Reconhecimento, intitulado Identidade Pessoal e Desrespeito, Violação, Privação de Direitos, Violação, Honneth inicia por dizer que em nossa linguagem cotidiana é um saber evidente, que a integridade do ser humano se deve de maneira subterrânea a padrões de assentimento ou reconhecimento. Aqui, o saber na linguagem cotidiana é evidente, mas a integridade depende de padrões escondidos. Interessa investigar a forma como se expressa aquele que foi maltratado por outrem. A “ofensa” e o “rebaixamento” seriam oriundas de um reconhecimento recusado.
Afinal, que a experiência do desrespeito e do rebaixamento existe socialmente é fato, o diferencial está naquilo que ela pode gerar de movimentação e mobilização interna da sociedade. De uma manifestação social negativa nasce outra positiva, afirmativa. Para Honneth, se a “auto-imagem normativa” de alguém não encontrar correspondente, existe um risco de “desmoronar a identidade da pessoa inteira”. Assim, algum agente das engrenagens sociais (só podem ser elas que agem nos subterrâneos) causa um rebaixamento, enquanto existe outra instância que luta pelo reconhecimento daqueles que foram rebaixados na linguagem (o que equivale a ser rebaixado socialmente). O risco é para toda a auto-imagem da pessoa, que corre o risco de desmoronar, substituída por outra, rebaixada, corrompida.
Como se daria esse rebaixamento? Honneth explica que seria tudo o que a língua corrente pode oferecer como desrespeito, abrangendo uma vasta gama, portanto, que iria da negação de direitos básicos a uma humilhação mais sutil: referência pública ao insucesso de uma pessoa. Honneth terá, a seguir, a tarefa de elaborar uma categoria de desrespeito e trabalhar com ela.
Honneth isolou, então, a forma de maus-tratos práticos como sendo a categoria principal do desrespeito. Ela é a forma que toca a camada corporal de uma pessoa e seu substrato psíquico, diga-se. A espécie de elementar de rebaixamento social: retirar a livre disposição da pessoa sobre seu corpo. O sofrimento psíquico que produz esse tipo de rebaixamento, uma espécie de transformação do ser humano em objeto sob a vontade de um outro alguém, faria com que a pessoa ficasse irremediavelmente ferida e vivenciasse uma vergonha social.
A primeira forma do rebaixamento seriam os maus-tratos corporais. A segunda adviria do fato do sujeito permanecer excluído de seus direitos dentro de uma sociedade. Direitos, para Honneth, são aquelas pretensões individuais cuja satisfação social uma pessoa pode contar de maneira legítima, já que ela, como membro de igual valor em uma coletividade, participa em pé de igualdade de sua ordem institucional. O problema é que o rebaixado sente-se com menos status que o parceiro de interação, com menor valor na sociedade.
Sem direitos, segundo Honneth, não há como existir auto-respeito. O auto-respeito, assim como o próprio sujeito, não existiria anteriormente a uma vivência social, ele seria fruto da relação entre sujeitos. O que Honneth quer dizer é que a falta de reconhecimento é praticamente a dissolução do sujeito.
A definição daquilo que é buscado na luta pelo reconhecimento: reconhecimento da honra, do status, da dignidade. Seria “medida de estima social que é concedida à sua maneira de auto-realização no horizonte da tradição cultural”. O rebaixamento tiraria algo do reconhecimento anterior: esse reconhecimento anterior seria advindo da solidariedade de grupos. Esse não-reconhecimento é praticamente uma morte psíquica. Afinal, a imagem que o sujeito formou de seu eu na relação com os outros é aquilo que pode ser dissolvido nessa relação e, segundo o pragmatismo não-cartesiano, é o próprio eu. Existe também o conceito de morte social.
No final do capítulo sobre a identidade que comentamos aqui, Honneth fechou sua reflexão com uma analogia entre o rebaixamento e o desrespeito para os indivíduos e as doenças para os corpos dos seres humanos. O doente é um rebaixado por aqueles que possuem saúde. Aquele que respeita e reconhece seria o saudável do ponto de vista social. A ausência do reconhecimento foi a mola social que Honneth estudou: como uma experiência dessas pode fazer com que alguém se mobilize para o conflito social? A experiência de vergonha, de vexação transforma-se em desejo de afirmação. Só a ação ativa irá tirar o sujeito da tensão em que ele mergulha.
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