Esse meu blog, penetrália, é meu blog voltado para a literatura, mas tem também um enfoque nas polêmicas culturais. Bom, a última que me tem interessado é a polêmica do Reinaldo Azevedo com o professor Andrei no blog de apoio que o professor fez para um curso na UNB. Posto a fala do professor, depois as críticas de Reinaldo Azevedo.
Primeiro esclarecimento
Como alguns de vocês devem saber, o blog foi nos últimos dias objeto de duas críticas pelo Reinaldo Azevedo. Abri este espaço para tratar de alguns aspectos gerais da polêmica – palavra que detesto, por ter a guerra em sua mesma etimologia. Nos próximos dias, abrirei outro para uma discussão mais aprofundada do texto que ele escreveu. Agora, não dá, pois tenho outras coisas para fazer.
Não vou entrar na troca de acusações nem responder às provocações ou a qualquer tipo de patrulhamento ideológico. Tenho muito a fazer para perder tempo com jacobinismo pueril. Tampouco vou entrar em quão previsíveis e formulaicas foram as críticas. Convenhamos, é um tanto óbvio (e desesperado) tentar legitimar-se criticando as vírgulas de textos escritos de madrugada por um doutorando que passou os últimos oito anos falando (e escrevendo em) Inglês e Espanhol. Tal desespero é apenas dobrado se levamos em conta a dificuldade prática que é manter um blog em tempo real, com versões antigas e atuais de textos sobrepondo-se em um palimpsesto difícil de navegar.
Mas, se previsível, a estratégia usada era de se esperar: esse é o único tipo de argumento que Azevedo tem se mostrado capaz de formular nos últimos anos. É o ready-made cognitivo de certa direita – o equivalente conservador do termo “elite” na esquerda. Ler dá trabalho? Abordar idéias é difícil? Tudo bem, critique-se a gramática e agradeça a Deus por ter um redator pertinho. Francamente, o Brasil merece um espaço público um pouco mais refinado…
Aliás, já que estou falando de redatores, quero começar reconhecendo no Azevedo certo mérito: ainda que fracasse como pensador e como leitor, tem grande futuro como revisor. Tudo bem, é um ofício arcaico, visto que os corretores ortográficos e gramaticais estão cada vez melhores. Mas garante uns cinco anos de vida útil para o colunista dinossauro. Por isso, gostaria de deixar três convites em aberto:
1.
Que torne-se o revisor oficial e não remunerado do blog da disciplina;
2.
Que venha à classe defender seu ponto de vista e explicar como a idéia de que ofensas não são argumentos é uma forma de doutrinamento esquerdista (como disse para o Guzzo, não prometo concordância, mas prometo respeito… até para quem não merece);
3.
Que visite o sistema universitário norte-americano, onde poderá aprender que os Estados Unidos – EXATAMENTE POR SUA VOCAÇÃO LIBERAL – deixaram de confundir patrulhamento gramatical com conhecimento faz algumas décadas.
Feitos os convites, vou a algumas observações. Até porque o post de Azevedo é um verdadeiro desfile de “barrigadas” – termo que os jornalistas usam para designar erros crassos de informação.
Infelizmente, a preponderância de argumentos ad hominem me obrigará a falar de um assunto entediante dados os muitos temas bacanas que limos na disciplina. É triste, pois poderíamos discutir Sarmiento, Guimarães Rosa, Angel Rama, Clarice Lispector, Juan Rulfo, Reinaldo Arenas, Antônio Cândido, Roberto Schwartz, José Vasconcelos. Poderíamos discutir as semelhanças entre o estatismo marxista e a ideologia letrada que transformou a América Latina em um aglomerado de cidades planejadas. Mas teremos que discutir Andrei.
Pois é… meu nome é Andrei. Não é, como diz o poderoso colunista em questão, “professorzinho”. Tampouco é professor Andrei, professor-mestre Andrei ou qualquer outro que inclua honorífico. Sou Andrei e ponto. Quem está preocupado com honrarias é o Azevedo. Eu quero leituras interessantes e ambiciosas. (Aliás, um ponto que faço repetidamente em sala é que a obsessão com a titulação é o tributo que a academia brasileira paga ao patrimonialismo que tanto critica.)
AINDA SOBRE DIMINUTIVOS
Mas aceito o diminutivo –zinho com muito agrado. Afinal, ele reflete – e bem – o fato que evito exercer o poder em sala. Proponho aos alunos um diálogo entre iguais. É uma falta de poder da qual me orgulho. Muito. Pois tenho alunos, não seguidores. O que é mais importante, tenho alunos bons – que não têm medo de discordar de mim ou de me corrigir em sala (sempre entre risos). Como digo claramente em outro blog de aula:
Costumo dar notas melhores a trabalhos dos quais discordo. Também costumo dar notas baixas a trabalhos com os quais concordo absolutamente - que tendem a dizer apenas o óbvio.
Ou seja, certamente sou um –inho diante do poderoso colunista! Não troco tapas nas costas com deputados, prefeitos, reitores ou sindicalistas – sejam eles petistas, tucanos ou democratas. Nem tento doutrinar ninguém. Mas troco idéias e informações com alunos que pensam por si e não papagueiam os termos que uso ou copiam os neologismos que invento. Graças a Deus! Até porque sei que qualquer valor que haja no que faço vem do ato de fazer, não de algum título ou de qualquer séqüito de seguidores fanáticos. E a legitimidade do que digo vem do dizer. Nisso, sou Luterano.
Azevedo, se você quer ser cretino, seja cretino comigo. Se você não consegue dormir à noite sem difamar, DIFAME A MIM. DEIXE OS ALUNOS FORA DISSO!!! Não some a covardia às suas muitas “virtudes”. Até porque, se você não fosse preguiçoso demais para ler mais de dois ou três posts, teria visto que vários desses alunoscompartilham a ideologia que você prega sem praticar. Só que são bem mais perspicazes.
Outra mentira dita pela Reinaldo Azevedo: que sou professor da UnB. Não sou. O grande jornalista conseguiu errar o título e a instituição. Sou aluno da Universidade da Pensilvânia, pela qual estou terminando um doutorado, tendo como tema principal a relação entre Grande Sertão: Veredas e a tradição mística cristã de Pseudo-Dionísio Aeropagita e Meister Eckhardt. Não recebi um centavo dos cofres públicos brasileiros para isso. Fui financiado pela própria UPENN – que me escolheu entre muitos candidatos. Talvez a comissão tenha errado, talvez não. Mas como toda boa universidade, tinha critérios um pouco mais refinados que revisão gramatical, critérios como… idéias.
Mas volto ao tema. Não sou professor da UnB porque minha relação com ela é totalmente VOLUNTÁRIA. Não recebo patavina por isso. Ofereço a disciplina porque sou alumnus da universidade e sempre fui – como digo repetidamente em aula – CONTRA a gratuidade do ensino superior no Brasil. Ensino na UnB para saldar a dívida que acredito ter com meu país. Tenho orgulho disso. Minha ideologia não me dá lucro. Dá trabalho. E exige compromisso. Tem ver com o imperativo de ver em cada ato uma responsabilidade infinita - não com esquerdismo. Algo que o Azevedo certamente não entenderá, se é que ele entende alguma coisa.
Aliás, o colunista talvez possa me explicar quando viraram sintomas de esquerdismo as seguintes posições: ser contra a universidade pública gratuita, criticar a estabilidade do professor e sugerir que melhor do que citar o título de um livro é discutir o seu conteúdo. São todas posições pessoais minhas expostas no blog e na aula. Talvez Azevedo estivesse ocupado demais em tornar-se a encarnação do F7 do Microsoft Word para perceber que há uma diferença entre título e livro, capa e conteúdo, leitura e retórica, debate e ofensa…
PERGUNTA
Mas é preciso perguntar que diabos o poderoso colunista tem contra esse aluninho de doutorado e sua turma de dez indivíduos pensantes? Pense bem… qual é a importância do fato de um doutorando (que sequer é professor) e de alguns alunos que são poucos, mas bons e comprometidos, terem aberto um debate sobre como valores europeus são apropriados por alguns “letrados” para legitimar o que dizem? Qual é a ameaça inerente ao fato de dez bons alunos estarem dando uma demonstração de que é possível ler e debater sem ofender – demonstração que só tornou-se pública porque os blogs de ensino usados nos EUA (que são privados) ainda não chegaram ao Brasil e tivemos que usar um blog aberto?
O problema certamente não é esquerdismo. Fizemos leituras críticas de Antônio Cândido, Roberto Schwart e outros intelectuais de esquerda, sugerindo que participam da própria dissociação entre idéia e realidade que criticam. Lendo Angel Rama, chegamos à conclusão de que o marxismo encontrou terreno fértil na América Latina por compartilhar com a ideologia colonial a idéia de que um grupo seleto e ilustrado poderia definir os rumos da sociedade em geral. Nisso, as leituras estavam muito mais próximas de Voeglin do que de Marx. Voeglin, agora, virou esquerdista?
Insisto neste ponto. Onde está o esquerdismo em dizer que a crítica de Olavo de Carvalho a Richard Rorty tem semelhanças com a crítica de Trotsky ao “idealismo” que percebe no Formalismo Russo – crítica na qual minha posição pessoal se alinha com a do formalismo? Que espécie de esquerdismo há em dizer que Antônio Cândido às vezes subvaloriza a literatura latino-americana quando a aborda apenas como sintoma ou denúncia do subdesenvolvimento? Que esquerdismo há em dizer que Roberto Schwarz não consegue – em “As idéias fora do lugar” – escapar do paradoxo que identifica na relação entre as idéias européias e sua assimilação pelos latino-americanos? Aliás, que esquerdismo há um uma disciplina que discutirá os textos de dois cubanos exilados por Fidel Castro – Reinaldo Arenas e Severo Sarduy?
POIS É…
Azevedo, se você tivesse lido ALGUM dos autores em questão, perceberia que a o propósito da disciplina é bem mais complexo. Mas ler dá trabalho. Então, melhor revisar, rever a gramática, xingar. É mais fácil. E, em um país despreparado, isso pode sim ser confundido com conhecimento.
Ou seja, se você vai ser patrulheiro, pelo menos acerte a patrulha.
Não acho que o Olavo de Carvalho seria capaz de cometer os erros de leitura pueris que você cometeu. A bem da verdade, discordo de quase tudo o que ele diz. Mas percebo nele a grandeza de um gigante intelectual – coisa que você, Azevedo, não chega perto de ser. Convenhamos, um colunista mais preparadinho me chamaria de esteticista, alienado, relativista, defensor da arte pela arte. ISSO está na minha forma de leitura. Marxismo, nem um pouco.
No final das contas, você ou 1) falou do que não leu ou 2) leu e não entendeu ou 3) leu, entendeu e omitiu. A cada ato corresponde um substantivo abstrato: a fraude, a burrice e a mentira. Qual você prefere? Meu voto é secreto, mas… nessa frase eu não estou te chamando de burro.
Mas, a bem da verdade, você fez bem. Ofereceu uma demonstração prática de como o letrado latino-americano substitui a cultura por uma retórica da cultura que fala em leitura, mas não lê, não problematiza e sequer consegue fazer o que os norte-americanos chamam de um “close reading”.
POR FIM
Então, se não foi “esquerdismo”, o que tanto incomodou o poderoso colunista? Nisso, sou um pouco como Riobaldo. Não sei de nada, mas desconfio de muita coisa. Mais especificamente, desconfio que vários fatores o incomodaram a ponto de apresentar um debate informal entre um doutorando e dez alunos como uma ameaça à educação brasileira:
1.
O fato de ter percebido que há debates que ele não controla e cujos termos não pode reduzir a invectivas e à lógica binária do “eu, bom, e eles, analfabetos”.
2.
O fato de que há pessoas que, formadas no exterior ou no Brasil, hoje propagam idéias e técnicas de interpretação novas – técnicas baseadas não no policiamento ideológico, mas no uso da leitura aprofundada para problematizar questões como autoridade, tradição e prescrição.
3.
O fato de os alunos perceberem na escrita dele um fanatismo que – disseminado no espaço público brasileiro – trai os mesmos valores liberais que diz defender, usando o liberalismo como um bêbado usa um poste: para apoio, não para iluminação.
4.
O fato que não postei a foto dele – e que não será desta vez que alguém será incauto o bastante para associá-lo a Machado, Euclides, Guimarães Rosa, Olavo de Carvalho e todos aqueles que têm algo a dizer sobre o Brasil.
Bingo! Nessa última, encontrei a dor-de-cotovelo do colunista…
Mas as motivações dele pouco importam. O que importa é que esquivou-se de falar de qualquer dos muitos, muitos, muitos temas bacanas que discutimos. Fugiu das invectivas de muitos letrados do século XIX contra populações rurais como o sertanejo ou o gaúcho. Driblou as tentativas românticas de recorrer a estas populações como símbolos da autonomia cultural da nação. E sequer mencionou a sacada de Borges: que o próprio desejo por uma cultura autóctone impossibilita a espontaneidade que tanto alveja – percepção que, por sinal, poderia servir de base para uma crítica arrasadora da idealização de movimentos sociais pela esquerda. Mas isso exigiria um pensador capaz, não um redator sem causa. Exigiria leitura, não ofensa. Então, convenhamos, isso não vai acontecer.
De minha parte, minha resposta será continuar a fazer o que já fazia: ler, interpretar e criticar textos – sejam eles de esquerda ou de direita. Recentemente, limos Vieira. Acho que o limos bem. E dele aprendemos que o ensino se faz pelo exemplo, pelo ato, pela relação íntima que um leitor tem com o texto.
E a patrulha que patrulhe e continue sentindo-se bem com isso.
PS – tenho outras coisas a fazer agora, mas amanhã postarei outra página falando exclusivamente do texto do Aze
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