Romance social do mais experimental dos modernistas brasileiros é relançado em edição revista
O romance Marco zero, de Oswald de Andrade, foi concebido como um conjunto de cinco livros. Deveria constituir, nas palavras do próprio autor, um mural, um afresco, um mosaico e um comício de idéias: enfim, uma síntese da história do Brasil na primeira metade do século XX a partir de São Paulo. Dos cinco livros projetados, porém, apenas dois foram escritos: Marco zero I - A revolução melancólica e Marco zero II - Chão, agora relançados em edições revistas, sob supervisão editorial de Jorge Schwartz e fixação de texto de Gênese Andrade, contando com uma abrangente bibliografia a cargo de K. David Jackson e com uma detalhada cronologia por Orna Messer Levin.
Marco zero I - A revolução melancólica tem apresentação de Di Cavalcanti e prefácio de Maria de Lurdes Eleutério. O primeiro volume da projetada pentalogia brasílico-paulistana, datado de
Marco zero II - Chão tem apresentação de Roger Bastide e prefácio de Antônio Celso Ferreira. O segundo e afinal último volume da pentalogia inacabada (1945), apesar do subtítulo, não trata, como outros romances da época, da terra e suas questões, mas ao contrário. "É essencialmente urbano. [...] Onde está ela [a terra]? Está nas carteiras dos banqueiros, nas letras de câmbio dos capitalistas. Chão é o momento da crise em que o valor da terra deixa de ser um valor de produção para ser um valor de troca. A esse fato sociológico corresponde um fato psíquico: o fator telúrico cede lugar à saudade da propriedade, a uma decomposição dos sentimentos e a uma desorganização moral na alma dos velhos proprietá rios. Verdadeiramente, o título é muito bem achado na sua ironia! [...] Já se notou que os escritores brasileiros gostam muito de misturar discussões de idéias aos seus romances [...]. Não devemos, pois, considerar como idéias de Oswald de Andrade as idéias dispersas
A apresentação de Roger Bastide toca na questão central da própria concepção de Marco zero. Oswald de Andrade viveu no fogo cruzado de várias revoluções: a segunda revolução industrial; a revolução dos costumes derivada da urbanização; a revolução modernista das artes; a revolução política impulsionada desde a URSS. A própria revolução modernista, de que seria um dos impulsionadores, daria conta das duas primeiras, ao sintonizar a arte ao mundo contemporâneo. Mas a quarta das grandes revoluções dessa época conturbada, o início do século XX, foi, desde o princípio, um problema difícil para os artistas revolucionários em todo o mundo.
A começar por essa mesma definição: um artista é revolucionário por revolucionar a arte ou por apoiar a revolução? E qual a melhor forma de um artista apoiar a revolução: fazendo arte revolucionária ou arte popular? Enfim: revolução na arte ou arte na revolução? As opções são excludentes, porque a revolução na arte é sinônimo de complexidade, enquanto a arte na revolução deve ser sinônimo de comunicabilidade.
O que fazer, afinal? Adequar a arte ao gosto popular e trair a revolução artística? Trair a revolução artística é relevante face às demandas da revolução política? Oswald de Andrade, depois de se dedicar por décadas à revolução na arte, a partir de sua filiação ao Partido Comunista em 1931 decide ser hora de se dedicar à arte na revolução. Marco zero, romance social, é a materialização dessa opção.
A mesma questão que Oswald enfrenta quando concebe Marco zero nos anos 1930, e que envolveria de Maiakovski (e sua famosa tentativa de síntese: "Sem forma revolucionária não há arte revolucionária") a Picasso ("Guernica"), passando pelos muralistas mexicanos, reapareceria nos anos 1950, em função da Guerra Fria - levando, no caso da nova vanguarda concretista, ao "salto participante" de uns e ao abandono da arte experimental pela popular de outros (Ferreira Gullar). Marco zero é o "salto participante" de Oswald.
E se, à diferença dos concretos, não tenta simplesmente dar conteúdo engajado à arte experimental, tampouco faz a opção de Gullar, de abandonar totalmente a complexidade pela comunicabilidade. Marco zero é, enfim, um salto participante oswaldiano. Assim, enquanto Antonio Candido vê nele uma "antinomia entre concepção e realização", ou entre a técnica "pontilhista" e o propósito de romance mural, Mário da Sílvia Brito vê uma técnica "simultaneísta e cinematográfica" que possibilitou ao autor cobrir "vasto tempo e vasto espaço [...], todo um processo de debates dos grandes temas do nosso tempo e do nosso país [...] inserido nas coordenadas da inquietação mundial e condensado em páginas desorden adas e caóticas como a própria realidade de que foram arrancadas".
Por falar em Candido, um dos charmes desta edição é a o texto de Di Cavalcanti, de 1943 ("O drama de Marco zero") que serve de apresentação ao volume I. O pequeno artigo é, ele mesmo, uma espécie de marco zero da crítica contemporânea. Pois antes de abordar o livro, registra a emergência de uma então nova geração de críticos, representada pelo "moço" Antonio Candido, geração essa que "é a primeira de técnicos de literatura que o Brasil conhece, [de] moços saídos das Faculdades de Filosofia, Ciências e Letras, [todos] técnicos compenetrados". A crítica, até então, era feita por amadores, nos dois sentidos, mas principalmente no primeiro, de amantes da literatura. Di Cavalcanti, nesse mesmo texto, representa p ortanto a antiga crítica, em que o saber não se separava do sabor. O que é bastante oswaldiano.
O AUTOR:
Oswald de Andrade (São Paulo, SP, 1890), como tantos outros literatos da época, formou-se em Direito pela Faculdade do Largo de São Francisco. E, como tantos outros integrantes da elite nacional, fez diversas viagens à Europa.
Ficha técnica:
Título: Marco zero I (A revolução melancólica) e Marco zero II (Chão)
Autor: Oswald de Andrade
Prefácios: Di Cavalcanti e Maria de Lurdes Eleutério (A revolução melancólica); Roger Batisde e Antonio Candido (Chão)
Gênero: Romance
Preço: R$ 53,00 (Marco zero I) e R$ 54,00 (Marco zero II)
Número de páginas: 408 (Marco zero I) e 468 (Marco zero II)
Formato:
ISBN: 978-85-250-4576-8/978-85-250-4577-5
Eu fiz um texto a respeito dos fragmentos inéditos do Marco Zero de Oswald na Cronópios. Quem quiser ler e comentar, pode ir ao blog do texto na revista:
4 comentários:
oi lucio, tudo bom?
eu sou paulista, paulistana e são-paulina :) moro aqui desde que nasci. e você?
beijo
ale siedschlag
oi, o j. lyons é casado com minha irma.
beijo
ale siedschlag
Uma honra você ter visitado meu blog!
Sensacional o que você escreve!
Meus parabéns!
http://meninadecachos.blogspot.com/
Dileto: Antes de mais nada obrigado pela visita no Blog RETALHOS DO MODERNISMO e pelas palavras de estímulo.
Fiquei muitíssimo feliz ao visitar PENETRALIA. Sem mesmo tua autorização adicionarei um link no RETALHOS.
Marco Zero está na pauta dos meus estudos que e principalmente faz parte integrante das Oficinas Literárias da Exposição Retalhos do Modernismo.
Valeu. Precisamos restabelecer os estudos modernistas nas grades curriculares das escolas, principalmente das do 2º Grau. Estamos elaborando projeto para encaminhar ao governo do Estado de São Paulo. Sei que para este ano já está tarde, mas vamos começar a "cutucar". Ainda existem professores do Segundo Grau Médio que dizem (olha que vergonha isso): "Os dois irmãos, Mário e Oswald de Andrade..."). Você acredita nisso? Não duvide, pq já estou cansado de ouvir perguntas a respeito quando faço palestras sobre a Semana de 22. Bem, deixa pra lá.
Desejo que o PENETRALIA continue com os propósitos apresentados.
Abraços
Luiz de Almeida
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