quinta-feira, 11 de junho de 2009

Um artigo sobre Nietzsche

Nietzsche: controverso até para os nazistas e integralistas


Li com curiosidade um artigo sobre Nietzsche de autoria de Flávio Paranhos, na última revista Filosofia, Ciência e Vida. Ele comenta sobre certa periculosidade de Nietzsche, quando em mãos inconseqüentes e cabeças de vento e sobre certa associação, para ele indelével, com o nazismo.
Paranhos, então, descreveu filmes que se inspiraram em crimes que usaram Nietzsche com justificativa. Ora, Nietzsche jamais incita ao crime nem descreve cenas de crimes. Ele apenas arremete contra a moral e o estado psicológico que permite absurdos tais como o assassinato, que para ele é o niilismo. Ele também o combate. Essas pessoas, no fim das contas, citam Nietzsche apenas como despiste. Os fatores que se unem para tornar alguém um criminoso são inúmeros, desde certa disposição biológica até mental (psicopatia), assim como um meio social favorável. A interpretação errônea de Nietzsche é apenas um álibi.

1. Interpretações de Nietzsche entre os fascistas

Mais oportuno que isso é notar que até entre os filósofos que aderiram ao nazismo Nietzsche era controverso. Até mesmo Rosenberg, teórico oficial do fascismo, afirmava que lia Nietzsche “criticamente” (!). Rosenberg considerava que “em seu nome se levou adiante a infecção da raça por sírios e negros de todas as espécies, supostamente de acordo com os seus ensinamentos. Ele caiu nos sonhos de impudicos amantes políticos, o que é pior do que cair nas mãos de uma quadrilha de bandidos”. Já para Ernest Bertram, seu colega também fascista, Nietzsche não era mais que um “revolucionário trágico”. Para Bertram, inspirado em Simmel, Nietzsche lutou contra os mistérios, mas estava intimamente vinculado ao religioso e à “obscuridade sagrada”, dando como exemplo o seu Zaratustra. Já o professor berlinense, também fascista, Alfred Baeumler recusa completamente essa ideia. Para Baeumler, Nietzsche combate ao mesmo tempo o romantismo e a Ilustração, levando uma guerra em duas frentes, iniciando com seu pensamento um novo período da humanidade. Ele o considera precursor do fascismo somente no sentido em que os fascistas igualmente combatiam ao mesmo tempo o liberalismo e o marxismo, mas condena suas tendências “positivistas”, pois para Baeumler Nietzsche não era suficientemente místico. Baeumler, assim como o escritor Franz Schauwecker, conciliam “a interioridade alemã com o poder alemão”, unindo Nietzsche, Bismarck e Wagner, alegando que era necessário fazer esse “encontro antes impossível”. Assim como Rosenberg demonstra saber que Nietzsche já tinha sido, antes do nazismo, filósofo do liberalismo, Baeumler sabe que Nietzsche, em um aforismo de Aurora, coloca Schopenhauer, Wagner e Bismarck como figuras contaminadas pela decadência. A tática de Baeumler, seu intérprete fascista, foi levar algumas passagens de Nietzsche às últimas conseqüências, tirando delas corolários políticos: ele opõe o super-homem ao funcionário da sociedade social-democrata, que seria o “último homem” comentado no Zaratustra.

2. Expurgando Nietzsche

Portanto, para se poder ler Nietzsche como fascista é preciso expurgar vários elementos de sua obra. Para expurgar a crítica de Wagner enquanto decadente, o biógrafo fascista de Nietzsche, o supracitado Ernest Bertram, afirmou que Nietzsche inspirou a crítica que fez ao maestro em um ensaio de Paul Borget, ele mesmo um escritor que Nietzsche considerava um representante típico da decadência moderna. O que os fascistas admiravam em Nietzsche foi essa crítica da modernidade e da democracia como decadência. No entanto, Nietzsche é aparentado a Wagner e entende sua filosofia como superação de seus próprios elementos decadentes; ao opor a Wagner uma pessimista aceitação da vida, seus admiradores fascistas viram nessa negação a fonte de um “realismo heróico” que eles podiam admirar.

3. Nietzsche e o integralismo de Plínio Salgado

A professora Scarlet Marton sempre comenta sobre a apropriação de Nietzsche realizada pelo integralismo de Plínio Salgado. Pode-se dizer, no entanto, que nem nesse autor a interpretação de Nietzsche é uma só.
Nietzsche aparece como inspirador dos liberais no romance O Esperado, publicado por Plínio Salgado em 1931. Personagens como Dr. Nolasco e Marcos possuem um discurso que por vezes cita literalmente Nietzsche, como quando o personagem do advogado Dr. Nolasco soltou da prisão o comunista Mano, tendo em mente Nietzsche, apenas mais um dentre outros inúmeros autores que formavam a mentalidade liberal da república velha (Tardieu, Krafft-Ebing, Lombroso): “Em todo caso, lembrava-se de Nietzsche e achava que duas educações se tornavam necessárias: a dos super-homens (Nolasco, ateu e sibarita) e a das massas (Mano, que falava na pátria e articulava o nome de Deus)” (SALGADO, p. 288). Bem diverso é o pensamento posterior de Salgado, que pretendia converter todos (elite e povo) a um nacionalismo cristão “integral” “espiritual”, ou seja, hegeliano e totalizante, que ele opunha ao materialismo do marxismo e do liberalismo “fragmentários” e “dissolventes”.
Poucos anos depois, no texto Despertemos a Nação, publicado em 1934, Salgado incorporou um aforisma de Para Além do Bem e do Mal para fazer a apologia de seu nacionalismo místico. Nietzsche comenta que existem povos masculinos, os povos que fecundam os que são fecundados. Salgado aproveita-se disso para propor que o povo brasileiro torne-se um povo ativo, “masculino”, “que fecunda”. Salgado incorpora um pensamento sem citação – e essa é a tônica de sua incorporação de Nietzsche. Ele nunca se preocupa em analisar a obra do pensador e mostrar exatamente o que rejeita e o que concorda.

4. Nietzsche: sempre controverso

A conclusão é que Nietzsche sempre foi controverso, até mesmo entre os nazistas: mesmo entre eles foi necessário suavizar contradições (o que, aliás, é próprio de qualquer interpretação unívoca).

4 comentários:

Henrique Hemidio disse...

Nietzsche é realmente perigoso nas mãos dos cabeças de vento.

GERARDWALT disse...

Interesante y muy instructivo articulo amigo Lucio.
Me encanto el libro que me mandaste!! Que personaje verdaderamente apasionante este Zé Toniquinho...
Un abrazo...Walter Greulach

Henrique Hemidio disse...

Já sim... o link q vc me passou não deu certo

Maxwell Soares disse...

Um dos nossos maiores problemas é falta de capacidade e sutileza na interpretação deste grandes pensadores. Levamos conosco cargas emocionais, psicológicas, sociais, religiosas etc, e muitas das vezes isso pode ser um obstáculo na compreensão de seu pensamento. Ler Nietzsche é preciso está pronto para deixá-lo falar. Caso contrário serão nós que falaremos por ele. Isso é um perigo. Um abraço...