sábado, 17 de outubro de 2009

Thomas Nagel, um filósofo contra o absoluto e o relativismo: certo ou errado?

Lúcio Emílio do Espírito Santo Júnior

Nascido em Belgrado em 1937, de família judaica, Nagel obteve um Phd em Harvard em 1963 (com a orientação de John Rawls). Atualmente é professor de Filosofia e Direito na Universidade de Nova Iorque, Thomas Nagel escreveu essa passagem em Breve História da Filosofia (São Paulo: Martins Fontes, 2001) para tratar da ética, ou seja, daquilo que é certo ou errado. Ele é um racionalista e combate o relativismo (no sentido de que a razão e seus métodos sejam relativos ao sujeito). Por outro lado, ele não espera que o mundo tenha sido criado por Deus. E escreve contra as grandes narrativas (judaísmo, cristianismo, islamismo) que propõem uma ética fundada somente na autoridade divina, na revelação sagrada da palavra, no absoluto dos dogmas religiosos. Consagrado como filósofo analítico de linguagem nada técnica, Nagel é famoso por não citar filósofos e sim refletir sobre as questões que eles colocam.
Para problematizar a questão, ele dá um exemplo simples: você, se fosse funcionário de uma biblioteca, cederia a um amigo um livro raro, mas que não pode sair daquele recinto? Cederia o livro ou decepcionaria o amigo? Esse exemplo é trazido para que Nagel possa explicar como se deve resistir aos impulsos egoístas. O mundo, em uma observação superficial e presa às aparências, parece estar todo girando em torno de nosso eu. O ser humano já desmontou a hipótese de que o mundo gire em torno de si há muito; Marx, Freud e Darwin foram até muito além disso, mas a força da aparência e da conveniência ainda é muito forte. O exemplo de Nagel é ruim, uma vez que implica em uma concessão a um amigo e não na satisfação do próprio sujeito.
Afinal, o que é difícil é o sujeito renunciar a satisfazer a si mesmo em prol dos outros: isso contraria nossos impulsos naturais, a aparência como o mundo se nos apresenta: é preciso preservar a si mesmo, parece ser a mensagem do corpo para a mente. E ela atende e facilmente explica o mundo a partir disso. Nagel quer desmontar esse tipo de visão de mundo em prol do altruísmo.
Nagel quer verificar os alicerces de uma ética que não precisa recorrer ao castigo divino para ser imposta. O personagem Ivan, do romance de Dostoiévski Irmãos Karamazov, não pensa assim: russo de formação liberal e ocidental, em dado momento em que a morte de Deus, assunto em voga no final do século XIX, é comentada, ele afirma que, sem a autoridade divina, não é possível uma ética funcional. Seus próprios interlocutores dizem, logo adiante, que é possível, sim, uma ética laica, fundada na busca do bem e nas virtudes. Esse é ponto de Nagel: deve-se buscar respeitar o próximo, mas não porque advirá o castigo de Deus e sim porque isso é uma virtude racionalmente comprovável. A razão deve ser utilizada para o sujeito pensante possa questionar a si mesmo e não para uso ilusório, ou seja, para racionalizar as ações em interesse próprio. Nagel quer uma ética normativa, objetivista e racional. Ele crê na razão como algo que todos os sujeitos podem ter acesso ao utilizá-la. Quem usa a razão, reflete, tende a pensar da mesma forma.
Embora o mundo se apresente à nossa consciência enquanto centrado nela, as leis sociais não são fundadas pelo próprio sujeito. Nagel responde ao dilema do rapaz na biblioteca com o imperativo categórico kantiano: não faça aos outros o que você não quer que seja feito a você; aja como cada ato seu pudesse ser elevado a uma regra universal. Portanto, vem de Kant a resposta que Nagel dá ao amigo na biblioteca: você gostaria de chegar a uma biblioteca e não encontrar o livro que procura porque foi roubado?
Assim sendo, mundo aparece centrado em nós, enquanto a lei surge claramente como uma regra moral imposta de fora para dentro, da coletividade para o indivíduo, algo cuja legitimidade permanecerá sempre necessitando justificativa interna, enquanto algo necessário para preservar aquele indivíduo.
O exemplo de Nagel a respeito da propriedade de um livro não toca numa questão que provoca muitos dilemas éticos: a propriedade privada na sociedade onde vivemos. Alguns seres humanos possuem os meios de produção, arrogam-se donos das riquezas que deveriam ser desfrutadas por todos, enquanto uma grande maioria é obrigada a servi-los. Essa questão motiva dilemas éticos bem mais complexos do que aquele colocado por Nagel. Como convencer alguém a fazer o bem, acaso esse ato prejudique o próprio indivíduo? Como convencer alguém a fazer o bem, se por acaso ele souber que esse ato se voltará contra si mesmo? Esse dilema parece abstrato, mas pense na situação de um político obrigado a engavetar denúncias de um colega comprovadamente corrupto para proteger seu governo e partido e saberá exemplarmente do que estamos falando. Nagel encerra sua análise sobre “certo” e “errado” comentando que, no esforço de fundamentar a moral, sempre será necessário entender que o ser humano necessita sempre de muitos motivos para atender às leis morais. Aos que defendem a perspectiva subjetivista, segundo a qual a primeira pessoa, do singular ou do plural, se esconde no interior de tudo aquilo que dizemos ou pensamos, Thomas Nagel contrapõe o ponto de vista racionalista, de acordo com o qual a razão pode servir de instância de apelação não só contra as opiniões transmitidas e os hábitos da comunidade, mas também contra as peculiaridades de nossa perspectiva pessoal. Para Nagel, a ética é normativa e parte do leque da razão, mas somente será universal se o valor objetivo das pessoas for reconhecido.

Um comentário:

Ju disse...

o seu Thomas parece bem mais interessante que o meu... obrigada pela visita, manda sim o artigo!
beijos
Juliana