terça-feira, 8 de julho de 2008

O Pai de Família e Outros Estudos

O Pai de Família e Outros Estudos, de Roberto Schwarz (resenha de Lúcio Jr.)

Relançado nesse ano de 2008 pela Companhia das Letras, o conjunto de ensaios O Pai de Família e Outros Estudos cobre um vasto período: de 1964 a 1978. O que salta aos olhos do leitor contemporâneo é o enfoque sociológico e o vocabulário marxista, sempre tratando de luta de classes, dialética, revolução, palavras de um pensamento distante do senso comum e, hoje em dia, banido da mídia e evitado por parte da intelectualidade e – aí uma grande diferença para o período coberto pelos ensaios – também uma parte da esquerda, que trocou-o pelo vocabulário de Foucault e Deleuze, ou mesmo por um socialismo cristão estranho a esse marxismo ateu e agudamente cético. Outra parte da esquerda, o Movimento Sem Terra, direciona simpatias para o nacionalismo dos anos 50-60, claramente evitado e descartado pelo marxismo de Roberto Schwarz, no fim das contas, o marxismo acadêmico por excelência no Brasil, sendo de talhe bastante original: foi gerado no famoso seminário de O Capital que deu até presidente da república de posição política situada no extremo oposto do marxismo. Deve-se ter em mente a principal característica desse marxismo: ele rompe com o antiimperialismo de esquerda, deixando de lado a esquerda nacional-popular (especialmente a carioca: ISEB e CPC da UNE). A antipatia de Schwarz estende-se também ao PCB, travando-o e impedindo até mesmo que ele escreva um ensaio sequer sobre os romances realistas socialistas de Jorge Amado. A muitos, atualmente, essa observação soará como elogio. Serve ao leitor que imaginar que essa crítica é uma crítica militante: não é bem o caso. As preferências estéticas são voltadas para o século XIX e reagem à vanguarda, ainda que elogiando alguns de seus expoentes (no caso desse texto, Kafka): preferem o realismo crítico pessimista de Machado de Assis.

Dentre esses ensaios, o mais citado e repercutido é o Cultura e Política 1964-69, que tornou-se bibliografia obrigatória para quem quer estudar os anos 60 no Brasil, embora seja uma visada que vai da ideologia à vanguarda, passando pela universidade. Vale por ser um texto crítico e não deslumbrado, mas seria também importante buscar outras informações sobre o Arena, Oficina, Cinema Novo, dentre outros. Porém, fornece uma comparação rica se lido paralelamente à visão culturalista/midiática de Zuenir Ventura sobre 1968.

O seu equívoco principal, ressaltado pelo próprio Schwarz, é que o país asfixiado pela ditadura em 1964 não seria muito diferente daquele de 1978, no que ele próprio admitiu estar equivocado em uma nota antes das “notas” primeiramente publicadas no Les Temps Modernes, a revista de Sartre e Simone. A publicação causou frisson na época. Caetano leu, gostou em parte, Glauber leu e respondeu irritado para a Veja, tentando polemizar com um Roberto que nunca o respondeu. A partir dele, passou-se a estudar o tropicalismo dentro da academia. A parte mais bem articulada é aquela em que ele analisa o teatro, que é uma área que ele domina melhor. Nas outras áreas ele basicamente antagoniza e critica a vanguarda dos anos 60, o que gerou reclamações de Caetano de que o esquema desse artigo seria empobrecedor (cf. Verdade Tropical).

O material do livro é eclético, só não tem Machado de Assis (a especialidade de Roberto). As críticas de livros são de amigos em sua maioria, comentados com simpatia: Zulmira R. Tavares, Paulo Emílio Salles Gomes. Há textos de combate político (folheto de Bertha Dunkel) e de combate a opositores do momento (o grupo de Júlio Medaglia e Damiano Cozzela, ligados a Haroldo de Campos, Augusto e Caetano Veloso), assim como o resgate de Kafka para a crítica social, provavelmente inspirado em Walter Benjamin. Incluem-se cartas, entrevistas e até mesmo uma estranha tentativa de ficção erótica (Utopia). Dessa variedade é que o livro tira sua originalidade e é a partir dela que mantêm vigor apesar do passar dos anos.

A vertente dita formalista da crítica literária também foi alvo de ironias. O maior problema com a crítica formalista é o método estruturalista, então muito em voga. Essa moda fez o grupo de Schwarz passar de uma posição revolucionária a uma de resistência. Portanto, ao contrário da imagem do marxista como radical, deve-se ler o marxismo desse texto como posição moderada, intermediária.

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