TESTEMUNHA CAPILAR DA HISTÓRIA
Eram confissões inconfessáveis, sobre os maridos e sobre si mesmas. Aquilo, vindo a público, seria Hiroshima e Nagasaki à enésima potência sobre o sossego respeitável do distrito de Azinhão. Podres de filhos drogados, performances vacilantes de amantes na cama, abortos de bastardinhos, desvios de verbas municipais, além, é claro, de miríades de comentários e maledicências menores sobre a vida alheia, sem força de escândalo.
Tinha deixado o gravadorzinho escondido, preso com superbonder embaixo da bancada repleta de tesouras, escovas, esmaltes e cremes. Acionou o Rec em Extended Play, o que significava no mínimo doze horas e meia de gravação digital ininterrupta. Todas as maxiperuas da city se aprontando para o casório do ano, fazendo unhas e pés, aparando as cabeleiras e disfarçando os buços. E doze horas dava bem pra várias levas de peruas, tendo-se em conta que ficavam quando muito umas três horas ali, tempo suficiente pra se botarem apresentáveis e darem lugar à leva seguinte de falastronas.
Havia detalhes, nomes e sobrenomes de praticantes de pecados a escolher, de todo porte e gravidade - veniais, capitais e mortais. A coisa era séria, material que usado em chantagem renderia bom pé de meia, daqueles de garantir o futuro dos netinhos.
Assim arquitetava enquanto varria o salão, juntando num só balaio capilar as variadas mechas do dia. Estava feita. Sairia do serviço e, hoje à noite mesmo, faria os telefonemas necessários para estragar a festa de todo mundo. Não tinha discussão: era botar o trecho comprometedor pra madame escutar e estabelecer preço pra manter a coisa inédita.
Sim, Deuzilleide enfim embarcaria na primeira classe para todos aqueles lugares que conhecia só dos calendários de quitanda ou de tanto ouvir as peruas falarem. Era direito, era justo. Pegou todas no contrapé, azar, fazer o quê. A dona Jade, por exemplo. Custava ser mais discreta, não passava pela cabeça que alguém podia espalhar a difamação que ia destilando, entre uma e outra pincelada de esmalte? Danou-se, tarde demais.
E o melhor é que a entrada de dinheiro seria vitalícia, um esparrame sem fim de dinheiro entrando na conta. Isso porque não reuniria todo o madamório pra mostrar as gravações de uma vez só, destruindo o aparelhinho mediante o pagamento. Afinal, quem garantiria que já não tinha outras cento e cinqüenta e oito cópias do conteúdo comprometedor guardadas a sete chaves em cento e cinqüenta e oito esconderijos diferentes? O plano era perfeito. Já se via ligando: “Dona Mafalda, meu sigilo pelos próximos seis meses tá vencendo hoje. É tanto. Pode fazer o depósito”. Gravadorzinho redentor, salvação da lavourinha de Deuzileide. Bastava agora descolá-lo da bancada.
- Ai que duro, acho que exagerei na cola... força, força, força... mais um pouco... agora vai...
Ploft. Deuzileide do céu, de um golpe o precioso submergiu no balde da faxina. Valha-me, Nossa Senhora. Ficou passando pano seco, mas nada do bichinho dar acesso às suas entranhas. O Power nem acendia. Quem sabe colocando debaixo do secador. Com mil penugens eriçadas, olha a cena... Deuzileide passando secador de cabelo no gravador carequinha. Se alguém entra e vê isso, é rua.
- Seca, seca, meu benzinho... seja um bom menino pra mãezinha Deuzileide, seja.
E ele foi. Virou a mais madame de todas, tem oito franquias do Bob’s, duas lojas de conveniência, Jaguar com motorista, cobertura novinha no melhor bairro da cidade e um salão de beleza. Aquele em que trabalhava.
Tinha deixado o gravadorzinho escondido, preso com superbonder embaixo da bancada repleta de tesouras, escovas, esmaltes e cremes. Acionou o Rec em Extended Play, o que significava no mínimo doze horas e meia de gravação digital ininterrupta. Todas as maxiperuas da city se aprontando para o casório do ano, fazendo unhas e pés, aparando as cabeleiras e disfarçando os buços. E doze horas dava bem pra várias levas de peruas, tendo-se em conta que ficavam quando muito umas três horas ali, tempo suficiente pra se botarem apresentáveis e darem lugar à leva seguinte de falastronas.
Havia detalhes, nomes e sobrenomes de praticantes de pecados a escolher, de todo porte e gravidade - veniais, capitais e mortais. A coisa era séria, material que usado em chantagem renderia bom pé de meia, daqueles de garantir o futuro dos netinhos.
Assim arquitetava enquanto varria o salão, juntando num só balaio capilar as variadas mechas do dia. Estava feita. Sairia do serviço e, hoje à noite mesmo, faria os telefonemas necessários para estragar a festa de todo mundo. Não tinha discussão: era botar o trecho comprometedor pra madame escutar e estabelecer preço pra manter a coisa inédita.
Sim, Deuzilleide enfim embarcaria na primeira classe para todos aqueles lugares que conhecia só dos calendários de quitanda ou de tanto ouvir as peruas falarem. Era direito, era justo. Pegou todas no contrapé, azar, fazer o quê. A dona Jade, por exemplo. Custava ser mais discreta, não passava pela cabeça que alguém podia espalhar a difamação que ia destilando, entre uma e outra pincelada de esmalte? Danou-se, tarde demais.
E o melhor é que a entrada de dinheiro seria vitalícia, um esparrame sem fim de dinheiro entrando na conta. Isso porque não reuniria todo o madamório pra mostrar as gravações de uma vez só, destruindo o aparelhinho mediante o pagamento. Afinal, quem garantiria que já não tinha outras cento e cinqüenta e oito cópias do conteúdo comprometedor guardadas a sete chaves em cento e cinqüenta e oito esconderijos diferentes? O plano era perfeito. Já se via ligando: “Dona Mafalda, meu sigilo pelos próximos seis meses tá vencendo hoje. É tanto. Pode fazer o depósito”. Gravadorzinho redentor, salvação da lavourinha de Deuzileide. Bastava agora descolá-lo da bancada.
- Ai que duro, acho que exagerei na cola... força, força, força... mais um pouco... agora vai...
Ploft. Deuzileide do céu, de um golpe o precioso submergiu no balde da faxina. Valha-me, Nossa Senhora. Ficou passando pano seco, mas nada do bichinho dar acesso às suas entranhas. O Power nem acendia. Quem sabe colocando debaixo do secador. Com mil penugens eriçadas, olha a cena... Deuzileide passando secador de cabelo no gravador carequinha. Se alguém entra e vê isso, é rua.
- Seca, seca, meu benzinho... seja um bom menino pra mãezinha Deuzileide, seja.
E ele foi. Virou a mais madame de todas, tem oito franquias do Bob’s, duas lojas de conveniência, Jaguar com motorista, cobertura novinha no melhor bairro da cidade e um salão de beleza. Aquele em que trabalhava.
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Marcelo Sguassábia
Correio Popular - Campinas
Jornalzen - Campinas
O Municipio - São João da Boa Vista
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