CINE REGINA, PAIXÃO E FANTASIA
LÚCIO EMÍLIO DO ESPÍRITO SANTO - Fui grande frequentador do Cine Regina, nas tardes de domingo, com o ingresso valendo cinco cruzeiros - aquela cédula com a efígie do Barão do Rio Branco. Era difícil arrancar esse “barão” toda semana do bolso do meu pai. Tinha que proceder bem a semana toda, tirar boas notas, fazer um montão de tarefas domésticas, entre elas cuidar de uma horta e um galinheiro no fundo do quintal. Não sei que obrigação doméstica eu não cumpriria para não perder o seriado do Flash Gordon, um predecessor do Guerra nas Estrelas, com o mesmo tipo de ação e emoção. A missão de Flash Gordon era destruir o reino do vilão Mongo, que tramava atrocidades contra o planeta Terra. Quando surgiram os filmes em Cinemascope, o Cine Regina procurou se adaptar, criando o telão e o processo de projeção.
Um dia, um amigo meu me perguntou se eu já havia notado que esse tal de Starring trabalha em todo filme. Quando as películas apresentavam o elenco, aparecia o Starring, ou seja, “estrelando” fulano e sicrano. Eu fiquei encabulado e fui contar para o meu irmão mais velho que já estudava inglês e ele caiu na gargalhada. Se as imagens de Jack Lemmon (Se meu apartamento falasse), Sandra Dee (Quando setembro vier), Audrey Hepburn (Bonequinha de Luxo) e tantos outros clássicos da época, dificilmente saem da memória, a melodia escolhida para prefixo do Cine Regina também não sai de nossos ouvidos. Trata-se da Opera 312, de Alphons Czibulka (1842-1894), dedicada à princesa Stephanie da Bélgica pelo seu noivado com Rodolfo, príncipe herdeiro da Áustria. A melodia evoca esse momento festivo de um noivado real.
> Ouça a música clicando neste link:
O espírito de humor dos frequentadores do Cine Regina logo tratou de inventar uma letra para a música de Czibulka, refletindo com certeza a preocupação dos pais com o clima, não só dos filmes, mas também das liberdades que o “escurinho do cinema” permitia. Eram duas sessões, uma às dezenove horas, outra às vinte e uma horas. À primeira sessão iam as moças de família. Já a segunda sessão era frequentada pelos casais mais liberais. Havia aqueles que deixavam a namorada “certinha” em casa e voltavam com outra para a sessão mais quente.
Eis a letra da melodia-prefixo do Cine Regina:
Passa pra dentro, sua cachorrada,
Que o cinema vai começar.
O filme é impróprio até dezoito anos
Menoridade não pode entrar.
Ah papai falou pra mim
Você não pode ir lá,
Tem muito que estudar,
Na escola se formar,
O filme é tão ruim,
Tem beijo do começo ao fim.
Uma coisa que eu nunca entendia também era uma contagem que a plateia fazia a cada beijo que acontecia na tela, como se fosse uma competição, um a zero, um a um, e assim por diante.
Aí está mais uma prova de que Bom Despacho sempre procurou, através de suas lideranças empreendedoras, manter-se na vanguarda cultural do país, acompanhando de perto as novidades, permitindo aos seus moradores uma permanente atualização. Bons exemplos dessa conexão com o mundo são o Cine Odeon e o Cine Regina, que traziam os astros universais e os grandes sucessos do cinema, inspirando amores e despertando paixões.
Lúcio Emílio do Espírito Santo é coronel reformado da PMMG, colunista, escritor e membro da Academia de Letras João Guimarães Rosa, da PMMG.
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